Transformar realidade social tem custo alto, afirma secretário do MDS Geral

quarta-feira, 23 março 2016

Paulo Jannuzzi, que também é professor da ENCE do IBGE defende que a educação é porta de saída de baixas condições de vida para os brasileiros após proferir aula inaugural da Pós em Demografia

Os programas sociais brasileiros garantem os direitos básicos que foram consagrados na Constituição de 1988 e as universidades devem analisar de forma mais aprofundada os impactos sociais dessas políticas públicas. Esse é o entendimento do secretário de Avaliação em Gestão de Informação (SAGI) do Ministério Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Paulo Jannuzzi. O secretário, que também é professor do Programa de Pós-Graduação em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), proferiu a aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Após a conferência sobre Monitoramento e avaliação de programas sociais: uma introdução aos conceitos e técnicas, concedeu entrevista exclusiva ao Nossa Ciência.

Nossa Ciência: Como o conhecimento sobre a dinâmica demográfica auxilia na formulação e acompanhamento de politicas sociais?

Paulo Jannuzzi: As políticas sociais precisam de informações demográficas em vários sentidos. Quando a gente formula um programa público, precisa saber o tamanho dos públicos alvos, as condições de vida, em que contexto, em que localidade vive esses públicos. Uma parte importante da produção de informação em demografia tem a ver com o dimensionamento e a caracterização dos públicos alvos das políticas, com o dimensionamento de demandas sociais.


NC: Por que hoje se tornou mais central o monitoramento e avaliação de políticas?

PJ: Porque o Brasil vem cada vez mais investindo em políticas sociais. Antes da Constituição de 1988, nós gastávamos cerca de 13% do Produto Interno Bruto (PIB) em políticas sociais e hoje investimos 25%. Se você pensar em números absolutos, o investimento mais do que dobrou porque nesse período o PIB aumentou também. A gente gasta cada vez mais em políticas sociais e como elas são implementadas segundo o pacto federativo, em que operam o Governo Federal, estados e municípios, se precisa cada vez mais de informação específica para gestão desses programas, para saber como estão sendo implementados, quais são os resultados que estão sendo produzidos nos 5.500 municípios. Por isso que cada vez mais é necessário a gente investir na produção de informação, conhecimento e monitoração de programas e profissionais.

NC: Apenas a utilização de indicadores sintéticos não seria suficiente para os gestores planejarem as politicas?

PJ: Não, porque hoje nós avançamos muito em termos de políticas sociais e a gente precisa não de síntese, mas de análise. A gente precisa de um conjunto muito mais amplo de indicadores sociais do que tinha no passado. Antes o indicador de mortalidade infantil já apontava o tamanho do problema que nós tínhamos que enfrentar e isso talvez fosse suficiente para o tipo de programa que orientou o esforço brasileiro nesses 30, 25 anos, no caso da saúde, para investimento em saúde básica de atendimento nos postos de saúde, saneamento básico, vacinação, alimentação escolar. Isso foi suficiente. Hoje, por exemplo, na área da saúde os grandes problemas, dado que a mortalidade caiu muito, são outros tipos de situação de mortalidade que tem a ver com a saúde das gestantes, com as condições de vida dessas gestantes. Então a gente precisa de indicadores muito mais específicos para conseguir debelar a mortalidade. Hoje por exemplo nós temos problemas novos, a questão do Zica vírus. Nós não temos informação sistematizada sobre casos de Zica apurados com tanto rigor quanto teremos a partir de agora, porque isso se transformou numa prioridade. E esse é o mesmo raciocínio para pensar a educação. Antes a preocupação era colocar a criança na escola. Hoje para poder interferir naqueles fatores que de fato vão provocar uma melhoria do desempenho escolar, precisa outros indicadores relacionados à defasagem escolar, ao desempenho das crianças na escola, às condições de oferta do ensino, à qualificação do professor. Não basta ter como síntese um indicador de proficiência ou não aluno, a gente precisa saber o que interfere nessa proficiência do aluno, o que interfere na mortalidade infantil; a gente precisa portanto de muito mais informação  estruturada na forma de indicadores. Portanto os indicadores sintéticos não vão responder a isso.


NC: O que ainda falta avançar na avaliação e monitoramento de politicas sociais?

PJ: Eu acho que a gente já vem caminhando nisso, mas ainda falta formação de gestores nessa área. Programas como esse mestrado na UFRN preenche uma lacuna importante aqui na Região. A gente tem que ter profissionais com formação complementar que lhes permita produzir indicadores, fazerem pesquisas, fazerem estudos robustos e isso tem a ver com formação proporcionada por programas como esse Programa de (Pós-Graduação em) Demografia. O primeiro desafio é continuar ampliando a oferta qualificada de cursos que permitam dar instrumentos para os gestores poderem entender melhor o que são indicadores, o que são as avaliações e como usá-las no seu cotidiano. Outro desafio tem a ver com o próprio financiamento de estudos e pesquisas, que tem aumentado, mas às vezes em situações de contingenciamento, os recursos dessa área podem os ser os primeiros a serem represados. Só que aquilo que você restringe hoje pode fazer falta exatamente para pensar uma saída inovadora no médio e longo prazo. O terceiro desafio é um reconhecimento da própria sociedade da importância desses estudos e um uso muito cuidadoso dos resultados desses estudos, porque se eles forem usados de forma equivocada, não vão contribuir para o aperfeiçoamento da política pública. Vão ser muitas vezes usados, como tantas coisas hoje em dia, como factóides. A leitura apressada de um estudo feito numa universidade pode sugerir que existem equívocos num determinado programa de tal natureza e não reconhecer que esse estudo aponta também avanços num outro sentido. Uma grande preocupação nossa é que também a sociedade, os jornalistas, outros agentes possam saber usar a informação cientifica e tecnológica de uma forma mais consistente possível. As problemáticas sociais, a problemática da conjuntura política hoje no Brasil, a problemática econômica é muito mais complexa e precisa ser entendida dessa forma para não se transmitir para a sociedade ou para leigos aquilo que de fato não é tão simples de ser dito. Muitas vezes, um gestor que invista na produção de estudos para poder entender as dificuldades do seu programa, se esse estudo for bem conduzido, ele vai trazer boas e más notícias e elas têm que ser equilibradas porque fazer transformação da realidade social tem um custo muito grande, tem que ter muita gente para operar as políticas para se fazer transformações. Você precisa de um conjunto de fatores muito grande e o gestor fica desapontado quando um estudo desse ganha divulgação mais ampla e o que se lê desses estudos é só o que se aponta de negativo e muitas vezes mal interpretado. Ninguém deveria ter problemas com o fato de que tudo o que a gente faz tem aspectos negativos, seja dentro da universidade, na gestão pública ou dentro de casa.


NC: Onde a região nordeste se encaixa nesse cenário de avaliação das politicas? Qual o papel das politicas sociais para a região?

PJ: É muito importante que as universidades federais e outros centros de pesquisa no nordeste invistam na análise mais aprofundada das políticas sociais, porque se existe um lugar onde teve transformações importantes em curto espaço de tempo no Brasil, foi o nordeste. No semiárido nordestino, nas capitais e em muitos lugares se teve mudança expressiva que precisa ser mais estudada, até nas suas limitações e nos seus avanços. Há uma agenda conservadora em gestação que tem mirado de forma muito acentuada os programas sociais. O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), que é relator do Orçamento de 2016, propôs um corte de R$ 10 bilhões no (Programa) Bolsa Família, que tem um orçamento de R$ 27 bilhões . Ele estava cortando 47%! Isso significaria que nós teríamos que tirar mais da metade das famílias, que recebem em média R$ 170 e que consomem todo o valor em alimento, movendo, inclusive, a economia não só aqui no nordeste, mas a indústria de alimentos do sul também. Se as universidades aqui não tiverem condição de mostrar os avanços e também as iniquidades que ainda persistem, vai ficar cada vez mais difícil garantir que essas políticas hoje existentes tenham segurança dos recursos já alocados e que elas precisam ter outras transformações para que a mudança social, o impacto social tenha ainda mais repercussão. A academia, as universidades devem mostrar o impacto das transformações das cisternas, do fomento agrícola, da importância disso num contexto de seca persistente como tem ocorrido, do Bolsa-Família, do BPC (Benefício de Prestação Continuada), da aposentadora rural, que tem um impacto importante, sobretudo no semiárido. Estudos desenvolvidos aqui por quem conhece a realidade vivenciada por essa população podem descrever de forma muito mais apropriada do que outros pesquisadores em Washington e tantas outras universidades. É muito simples alguém que não conhece essa realidade supor que as pessoas possam viver com menos recursos do que já vivem porque supostamente já foi garantida a elas a possibilidade de se autonomizar quando a gente sabe que não foi. O Bolsa Família não pretende ser uma porta de saída, o Bolsa Família é uma porta de entrada para a cidadania, de garantia ao direito básico à alimentação das pessoas. Ele é uma plataforma de acesso a direitos. Através dele as pessoas têm direito a renda; têm acesso ao médico do Programa Mais Médicos ou do posto de saúde onde foi construído nos lugares onde não tinha ou as equipes de Saúde da Família que foram deslocadas para atender as pessoas que não tinham esse tipo de cobertura; as crianças têm acesso à escola rural ou transporte escolar para frequentar a escola. Essa onda conservadora de restrição de acessos a direitos só começou. A manifestação mais clara disso foi o fato de um deputado com um viés conservador propor um disparate como esse, um corte de uma intensidade que certamente teria consequências sociais muito grandes. Todas essas conquistas podem sofrer uma reversão muito grande nos próximos anos, se essa agenda conservadora ganhar muito mais terreno. Nesses 25 anos o que se tem feito é implementar nossa agenda de direitos sociais consagrados na Constituição de 1988. Qualquer sociedade que mire padrões civilizatórios como os do continente europeu, onde o Brasil de alguma forma mirou ao fazer sua constituição, precisa ter uma preocupação em defender esse legado que foi construído até aqui.

NC: O senhor falou que o programa Bolsa Família é uma porta de entrada para as políticas sociais. Existe a porta de saída?

PJ: A universidade brasileira precisa se legitimar perante a opinião pública porque existe todo um movimento – e muitas vezes envolvido por grandes agências internacionais – que preconiza, por exemplo, que o Brasil é perdulário do ponto de vista do ensino superior público gratuito. E a gente sabe como o ensino superior de fato é a porta de saída para qualquer um que queira desenvolver sua potencialidade, assim como também o curso técnico, que é outra dimensão importante da estratégia brasileira de dar visibilidade às saídas perenes para a população de baixa renda.

Antes não se contratava professor, não se expandia os campi. Hoje se expandiu os cursos noturnos, o número de vagas, houve interiorização do ensino superior. Hoje se tem o Enem que permite que uma pessoa do interior do Ceará, do interior do Rio Grande do Norte, de Caicó possa fazer faculdade de medicina em Brasília, no Rio Grande do Sul, dependendo de sua performance e também das políticas de valorização para quem estudou em escola pública ou quem teve desvantagens históricas de ter nascido em famílias mais pobres.

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