Pesquisa da UFC sobre a caverna Casa de Pedra, em Martins, no Rio Grande do Norte apresenta o processo de evolução geomorfológica dessa forma de relevo
O Brasil possui mais de 7 mil cavernas catalogadas, segundo dados da Sociedade Brasileira de Espeleologia e um potencial imenso para elevar esse número, considerando que essas são áreas, ainda, em plena descoberta para o conhecimento científico.
O Rio Grande do Norte é um dos dez estados do país a concentrar o maior número de cavernas, com 181, ocupando a 8ª posição no ranking nacional. Uma das cavernas potiguares mais conhecidas é a Casa de Pedra, situada no município de Martins, distante 380 quilômetros de Natal e objeto de estudo da dissertação do pesquisador cearense, Pedro Edson Face Moura, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A pesquisa de Pedro Edson no mestrado, sobre a evolução geomorfológica do relevo da Casa de Pedra, em Martins, no Rio Grande do Norte, foi agraciada este ano com o prêmio de melhor dissertação pela União de Geomorfologia Brasileira (UGB). Atualmente, ele cursa o primeiro semestre do doutorado, no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFC.
Para ele, a caverna Casa de Pedra, em Martins, é um dos exemplos mais expressivos desse tipo de feição no Nordeste do país, região que abriga cavernas de relevante interesse para a ciência. “Existem cavernas no Nordeste que são extremamente importantes no contexto nacional, como a Gruta de Ubajara e a Gruta do Urso Fóssil, ambas localizadas no município de Ubajara, no Ceará e citadas em uma das principais publicações sobre cavernas lançadas no Brasil, o livro Cavernas brasileiras, publicado em 1980. Outros exemplos são as cavernas e grutas que ocorrem no Rio Grande do Norte, com destaque para o Lajedo de Soledade, no município de Apodi. Essas cavernas compartilham características semelhantes quanto à infraestrutura de visitação e o fácil acesso. No entanto, a maioria das cavernas do Nordeste estão situadas em áreas de difícil acesso, com pouca ou nenhuma infraestrutura de visitação e pouca convivência das comunidades locais com esse ambiente” afirma o pesquisador.
Diferentes períodos geológicos
As cavernas, de um modo geral, integram o chamado relevo cárstico, caracterizado por paisagens formadas pela dissolução química das rochas e consideradas, paisagens de exceção. “Em Martins é possível visualizar uma paisagem excepcional, contendo belas formas semelhantes a antigas ruinas, porém, naturalmente esculpidas pela ação da água ao longo das eras. Em destaque é encontrada a caverna Casa de Pedra. O relevo desta paisagem está estruturado em rochas de diversos períodos geológicos, possuindo um arranjo único que vai do pré-cambriano (4,5 bilhões de anos) até o neógeno (23,03 milhões de anos) ”, destaca a dissertação.
Entre as peculiaridades da Casa de Pedra, Pedro Edson destaca, ainda, a altimetria, pois a entrada da caverna está em uma área elevada, cerca de 30 metros em relação ao sopé e a existência de espeleotemas, formações minerais que ocorrem no interior das cavernas, como as estalagmites, que se formam verticalmente a partir do chão da caverna e as estalactites, que se formam verticalmente a partir do teto da caverna.
Essa formação possui uma associação de rochas formadas em diferentes períodos geológicos, sendo o mármore, da Formação Jucurutu, o tipo mais predominante. O pesquisador considera a importância do clima no processo de formação dessa paisagem, uma vez que são necessárias grandes quantidades de precipitação para que se desenvolva esse tipo de morfologia. Baseado no referencial teórico, ele afirma que a circulação da água em estado líquido facilita esse processo, sendo a velocidade de dissolução maior em regiões com temperaturas mais elevadas, como é o caso do Nordeste.
Além da climatologia, aspectos da vegetação, solos e hidrologia da área foram considerados no estudo. A dissertação de Pedro Edson foi orientada pelo Professor Rubson Pinheiro Maia, do departamento de Geografia da UFC.
Sensíveis à presença humana
As cavernas são áreas que apresentam fragilidades e toda e qualquer forma de visitação nessas áreas precisa estar regulada para resguardar seu patrimônio. “As cavernas sofrem pressão antrópica, sendo extremamente sensíveis à presença humana. Algumas cavernas apresentam espeleotemas tão frágeis que o simples caminhar de uma pessoa é capaz de removê-los, descaracterizando esse ambiente, como é o caso dos cristais de gipsita que formam filamentos, também, denominados de agulhas de gipsitas. As cavernas possuem marcas histórico-culturais do início das primeiras civilizações através das pinturas rupestres, sendo essa a primeira evidência de pressão antrópica sobre essa área. A Casa de Pedra sofre pressão antrópica devido às condições precárias de conservação, estando a mesma, em muitos aspectos, descaracterizada com a perda de espeleotemas, a presença de pichações e até mesmo de resíduos sólidos”, afirma Pedro Edson.
Atualmente, a caverna Casa de Pedra é frequentada, em sua maioria, por moradores locais, mas apresenta significativo potencial turístico que carece de investimentos para compatibilizar os usos. “Não há um acompanhamento de guias, a divulgação da área é pequena e não existem campanhas de conscientização sobre a fragilidade ambiental do ambiente. Falta incentivo do poder público na sua conservação e promoção de um turismo ecológico para promover um menor impacto possível na caverna”, destaca.
O pesquisador lembra da importância da criação de áreas protegidas por lei como uma das alternativas para resguardar o patrimônio material e imaterial das cavernas. “A criação de Unidades de Conservação para as cavernas é extremamente necessária devido à fragilidade ambiental desses ambientes, mas essas áreas devem englobar desde as estruturas formadas no interior das cavernas até as estruturas subterrâneas, externas e seu entorno. Também é importante lembrar que as cavernas e o homem possuem uma relação de identidade, sendo estas áreas nossos lares ancestrais. Portanto, a proteção das cavernas deve ser promovida e mantida pela inciativa pública e privada”.
Desafios da pesquisa em Cavernas
“É difícil, para a maior parte da população, entender a importância das pesquisas científicas para suas vidas cotidianas, pois muitas vezes as divulgações dessas pesquisas não atingem a grande massa da população, dessa forma mobilizar recursos para os estudos em cavernas perpassa por convencer a sociedade de que esses estudos são relevantes, embora não afetem diretamente seu cotidiano. Hoje esse é o principal obstáculo no estudo em cavernas. A captação para os estudos espeleológicos é de difícil obtenção, bem como, o instrumental técnico necessário para a topografia de cavernas. Além dessas questões de ordem financeira e logística, o estudo de caverna apresenta desafios, tendo em vista, o próprio ambiente em que está situado, composto em sua maioria de áreas escuras, úmidas e com a presença de insetos e animais peçonhentos. No caso da pesquisa realizada em Martins – RN, além das dificuldades citadas acima, destaco a distância entre a cidade de Fortaleza, onde moro, e a área de estudo, cerca de 383 km. Destaco também, a escassez de produções bibliográficas sobre o município de Martins e a caverna Casa de Pedra” afirma Pedro Edson.
Durante o mestrado, o pesquisador contou com o auxílio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ele destaca a importância da bolsa para o desenvolvimento do estudo: “A bolsa me proporcionou a compra de equipamentos e materiais necessários para o desenvolvimento da pesquisa, bem como, livros nacionais e internacionais sobre o tema de estudo. Vale ressaltar que um dos produtos mais importantes da minha pesquisa foi gerado a partir da utilização de Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), também conhecido como drone, cedido pelo meu co-orientador, Jefferson Santos, que permitiu fazer as análises e correlações morfométricas do ambiente externo da caverna. É importante destacar que a bolsa de pós-graduação não é apenas uma simples fonte de recurso, mas é um dos principais incentivadores da pesquisa já que é necessária a dedicação exclusiva do pesquisador. No doutorado a possibilidade da não obtenção de bolsa é uma ameaça à qualidade da pesquisa, pois promoverá a fragmentação total do projeto de pesquisa atual, já que as atividades, a compra de equipamentos, os custos operacionais de campo e a dedicação exclusiva dependem da obtenção da bolsa”.
Helaine Matos
Trabalhos como o de Pedro são cada vez mais raros no Brasil, um país onde ciência e educação são vistos como não prioritários. São realizados pela determinação e sacrifício de orientado e orientador. O apoio é muito pequeno. Faltam recursos e as dificuldades grandes. No sertão, o sol quente e desconforto se transformam em atrativos e desafios para estimular a realização e conclusão da pesquisa. Excelente trabalho e contribuição para Geomorfologia Cárstica do nordeste.
Obrigada por comentar em nosso conteúdo, Professor César. É muito bom saber que o senhor valoriza e incentiva pesquisas como a do Pedro Edson.