Opinião é de reitores de universidades instaladas na região e de coordenadora de movimento social que propõe adoção de políticas públicas específicas para a região
Na segunda parte da matéria sobre ações desenvolvidas para um melhor aproveitamento das potencialidades da Região do Semiárido brasileiro, Nossa Ciência ouviu reitores de duas universidades públicas e uma professora, que também é coordenadora de um movimento organizado em defesa da região.
Não há uma opinião comum dos três especialistas se há maiores razões para celebrar ou lamentar no Dia Nacional da Caatinga, comemorado no último 28 de abril. Cada um ressaltou diferentes motivos para comemoração, mas todos propuseram soluções para os problemas que ainda persistem na região. Para o reitor da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), Jairo José Campos da Costa, a data deve servir mais para reflexão: “O desafio é enorme de preservar as nossas espécies”, acredita.
Já o reitor recém eleito para uma segunda gestão à frente da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), José de Arimatea de Matos, afirma que há equilíbrio entre o comemorar e o reivindicar. Arimatea lembra que a Caatinga é um bioma brasileiro que sempre foi encarado como uma região feia e pobre do país, embora já se saiba que esse bioma é cheio de riquezas e potenciais ainda pouco explorados. Ele cita como conquistas recentes na área social a assistência elementar às famílias da região, a criação de novas vagas para o ensino técnico e também para o ensino superior, o acesso à luz elétrica e outros serviços básicos. “Nos últimos anos, o nosso semiárido avançou muito. Mas, por outro lado, temos inúmeras deficiências ainda no campo da infraestrutura, de segurança, saúde, educação e de políticas de convivência com a seca. Governo, sociedade, todos que vivem na Caatinga precisam se unir para buscar a sustentabilidade da região, principalmente as ações de convivência com as estiagens prolongadas.”
Políticas públicas
Não se tem nem que comemorar nem que lamentar. Essa é a opinião da professora Magda Guilhermino, da Escola Agrícola de Jundiaí – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EAJ/UFRN): “Temos que trabalhar e lutar por ações concretas que ajudem no uso racional da Caatinga, na conservação dos recursos naturais e na preservação deste bioma que está com 50% de sua área destruída.”
Ela cobra a união de forças de toda a sociedade para a construção e implantação da política pública Defeso da Caatinga. A lei que o Grupo de Estudos em Produção Animal e Vegetal Sustentável do Rio Grande do Norte (Geparn) propõe contribuirá sobremaneira na vida do agricultor familiar e na conservação deste Bioma, na opinião da coordenadora. “Já estamos cansados de diagnósticos e reuniões, queremos ações, temos tecnologias bastante adequadas ao semiárido e sabemos o que fazer. É preciso implementar estas ações que estão nas gavetas das universidades, institutos de pesquisa e extensão. E isso só será possível através de políticas públicas”, desabafa Magda.
Para o reitor da Ufersa a instalação de campi em cidades como Angicos, Caraúbas, Pau dos Ferros e Mossoró estimula a economia local e abre a porta da inclusão por meio da educação superior. Referindo-se a outras ações que a universidade vem desenvolvendo para melhorar a vida na região do Semiárido, cita projetos de análises de solo, de água, estudos de irrigação, pesquisas envolvendo pequenos e grandes animais e projetos de sustentabilidade. “Ultimamente, também estamos buscando parcerias internacionais. Já temos acordos de cooperação com universidades europeias e sul-americanas que também estão situadas em região áridas. Estamos fazendo esse intercâmbio de conhecimento para trazer mais benefícios para a região da caatinga brasileira.”
Agricultura familiar
Na Uneal, o campus no sertão, no município de Santana do Ipanema e o polo tecnológico em Arapiraca são apontados pelo reitor, como ações positivas que podem valorizar as potencialidades da região.
No campus de Santana do Ipanema, que oferece o curso de Zootecnia, a missão é trabalhar a sustentabilidade entre o homem, o animal e o campo, explica o reitor. Ali são desenvolvidos projetos de fortalecimento da agricultura familiar com melhoramento da criação de caprinos, abelha, codornas e galinhas. Um exemplo é o Bode-móvel, um laboratório instalado num carro, que presta assessorias aos pequenos agricultores do sertão, fortalecendo a pecuária. Uma das ações é a coleta e análise das fezes dos animais nas comunidades para identificação e resolução de problemas.
“Temos também projetos de extensão junto aos Territórios da Cidadania, financiados pelo Ministério da Educação”, explica. O objetivo é fomentar a organização dos trabalhadores na troca das cadeias, articular projetos de irrigação, no plantio de mudas para a recomposição da flora. Jairo acrescenta que: “através dos projetos do Territórios de Cidadania, há o fomento à organização social, criação de associações, respostas a editais e momentos de formação.”
Como projeto de grande envergadura desenvolvido pela Uneal, o reitor aponta o polo tecnológico de Arapiraca, que conta com investimento por parte do governo federal no valor de R$ 12milhões, através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep/MCTI) para a instalação de uma usina de álcool da mandioca, com o uso também da cadeia da hortofruticultura. “Estamos terminando de montar laboratórios para análise de água, solo. A ideia é fomentar outras cadeias para sair da monocultura da cana e evitar seu histórico problema de segregação e pobreza”, garante.
Melhorar a infraestrutura
Reconhecendo um hiato entre a produção acadêmica e a resolução prática dos problemas, a professora da Unidade Acadêmica da UFRN afirma que “a academia está lotada de trabalhos voltados para a caatinga, agricultura familiar, e desenvolvimento rural sustentável. O problema é que toda essa gama de conhecimentos, técnicas e tecnologias atinge uma pequena parcela da sociedade.”
A melhoria da infraestrutura, dos transportes e da rede de serviços são ações que precisam ser feitas para a região do Semiárido obter mais conquistas econômicas e sociais, na opinião do reitor da Ufersa. “A educação é o primeiro passo e também o mais urgente para termos um retorno garantido a médio e longo prazo. Mas precisamos melhorar nossa infraestrutura. Aqui em Mossoró, eu cito, por exemplo, a falta de um aeroporto que compromete muito o avanço da cidade e da região.”
Mais enfática, a professora Magda afirma que é preciso melhorar tudo. “A organização social, a conscientização da importância e o uso racional dos recursos naturais, investimentos adequados, aplicação de leis duras sobre aqueles que degradam a natureza, um plano estratégico real e factível que atenda a sociedade catingueira como um todo, sem privilégios de uns em detrimento de muitos. Precisamos deixar de lado a cultura do ‘eu’ e, retornarmos, à cultura de amor ao próximo, ao coletivo, à natureza enfim de amor à vida na terra. A contribuição da recuperação do Bioma Caatinga contribui também para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas que tanto tem nos afligido”, finaliza.
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