Estudo indica que a longo prazo, contato com óleo derramado no mar pode estar associado a câncer e a doenças cardíacas
No final de agosto de 2019, manchas de óleo bruto surgiram nas praias do Nordeste, afetando todo o ecossistema marinho nos três meses seguintes. No mais grave desastre ambiental ocorrido na faixa costeira do país, o óleo contaminou mais de 3,4 mil quilômetros do litoral brasileiro. Além dos nove estados nordestinos, o desastre atingiu também Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Os números apresentados pelo Ibama em 2020 dão uma dimensão do problema. Foram coletadas 5 mil toneladas de óleo, juntamente com outros materiais e detritos contaminados, como EPI e areia, espalhadas em 1009 localidades de 130 municípios.
Cinco anos após o desastre, estudos avaliam os impactos. Um artigo publicado na revista Saúde em Debate nesta sexta (20) constatou a falta de organização prévia das secretarias municipais e estadual de saúde do estado de Pernambuco diante do desastre. O estudo também observou a inexistência de equipes direcionadas a evitar danos como a intoxicação da população em contato com o petróleo.
O artigo é assinado por pesquisadores do Instituto Ageu Magalhães (Fiocruz-Pernambuco), da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro e das universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Rio de Janeiro (UFRJ). O trabalho destaca ainda a ausência de ações de proteção social voltadas aos pescadores artesanais. Além de mais expostas às substâncias nocivas do petróleo, essas comunidades estiveram vulneráveis à insegurança alimentar e nutricional por meses após o desastre, já que perderam sua fonte de alimentação e renda por conta da proibição da pesca.
Os pesquisadores investigaram a resposta de quatro municípios que tiveram mais de 70% de seu litoral afetado pelo derramamento: Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca e São José da Coroa Grande. As cidades ficam entre 15 quilômetros e 117 quilômetros de distância da capital Recife. Foram entrevistados 16 gestores de secretarias de saúde, do âmbito estadual e municipal, atuantes no controle do desastre. As entrevistas, feitas entre 2021 e 2023, abordaram a percepção dos profissionais sobre o impacto do desastre, ações desenvolvidas para gestão de risco, dificuldades, atuação junto à população e preparação para o futuro.
O estudo buscou entender melhor a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) frente a tais situações. A pesquisadora Mariana Olívia Santana dos Santos, uma das autoras do artigo, comenta o despreparo de profissionais e gestores de saúde tanto para lidar com o atendimento clínico à população como para controlar riscos e danos. “Isso altera a percepção de que o sistema de saúde estaria preparado para qualquer tipo de desastre, sugerindo a necessidade de capacitações específicas e contínuas”, explica. Ela é professora visitante no Departamento de Saúde Coletiva (DSC), no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSCol), da UFRN.
Entre as principais recomendações do trabalho, estão a qualificação da gestão em saúde em níveis federal, estadual e municipal, especialmente em situações de desastres em que a população é exposta a produtos perigosos para a saúde e o meio ambiente. O artigo ressalta que, a curto prazo, o contato com o petróleo pode causar febre e dermatites e, a longo prazo, pode estar associado a câncer e a doenças cardíacas.
“Observa-se a necessidade de construção de um Plano de Preparação e Resposta para desastres por petróleo por cada ente federado, que contemple todas as fases de gestão de desastres, para auxiliar na condução e na prevenção”, ressalta Santos. O documento serve para estabelecer planos de ação para os diferentes serviços públicos em contexto de emergências. Além de situações de contaminação por petróleo, ele pode ser aplicado em casos como secas, inundações e rompimentos de barragem, por exemplo.
As reflexões do estudo despertaram mudanças nos órgãos municipais estudados. A equipe de pesquisa, inclusive, apoiou o município de Cabo de Santo Agostinho na construção de um programa de saúde dos povos das águas, com formação da rede de atendimento específica para os pescadores e pescadoras. “Continuamos desenvolvendo pesquisas com a finalidade de analisar o processo de vulnerabilização das populações expostas, particularmente dos pescadores e pescadoras artesanais”, comenta Santos. Uma delas é um inquérito epidemiológico para avaliar os efeitos da exposição ao petróleo na saúde, incluindo a saúde mental, desses pescadores.
Mônica Costa, com informações da Agência Bori
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