Lema do projeto Cetáceos da UERN resume a missão que completa 18 anos
De projeto acadêmico formado por estudantes de graduação e pós-graduação, a centro de referência em monitoramento, resgate e reabilitação de animais marinhos, o Projeto Cetáceos da Costa Branca da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (PCCB/UERN) completa 18 anos com uma conquista que o fará crescer ainda mais: uma nova sede. A Câmara Municipal de Areia Branca (a 269 km de Natal) aprovou a doação de um terreno na praia de Upanema, no norte do estado, para a base do novo centro de monitoramento de biota marinha, que deverá ficar pronto em 2018.
Para o coordenador geral do projeto, o professor Flávio Lima a expectativa é criar um centro de referência para reabilitação de animais marinhos da região, principalmente tartarugas, peixes-boi e golfinhos, cujo lema será Salvar, curar e soltar. “Com a nova sede poderemos atender a região setentrional do RN, a chamada Costa Branca e também o restante do litoral. Teremos um centro de pesquisa em impacto e monitoramento ambiental costeiro marinho, e outro voltado a reabilitar, investigar e monitorar os impactos ambientais sobre os animais marinhos nessa região. Nossa expectativa é em dois anos estarmos em pleno funcionamento”, planeja.
O Projeto Cetáceos realiza estudos e ações de pesquisa, educação e conservação ambiental na região da Costa Branca desde 1998, principalmente no município de Areia Branca. As atividades são desenvolvidas em 14 municípios, entre Caiçara do Norte (RN) e Aquiraz (CE), totalizando uma faixa litorânea de 336 Km.
“O caso recente de maior relevância para o projeto ocorreu em setembro de 2013, na praia de Upanema, onde houve o encalhe em massa de 30 golfinhos da espécie falsa-orca (Pseudorca crassidens). Em menos de três horas, nossa equipe devolveu ao mar 24 indivíduos, representando um sucesso de 83% em uma operação que contou com a valiosa colaboração da comunidade, da Prefeitura de Areia Branca e de outras instituições locais”, recorda o professor Flávio Lima.
Histórias de pescador
No início do projeto, professores e alunos colhiam as informações sobre a diversidade da fauna marinha com os pescadores. O objetivo acadêmico era saber sobre a interação da atividade pesqueira artesanal com os animais marinhos, se ocorria captura acidental ou intencional e de que forma os pescadores utilizavam esses animais, em caso de captura. “Para nossa surpresa, conseguimos informações interessantes com relação à diversidade, todos foram muito receptivos. Eles descreveram quais eram os apetrechos de pesca e o que acidentalmente causava emalhe de tartaruga ou de golfinho. O mais bacana foi saber aonde ainda era possível observar peixe-boi que é uma espécie rara, em extinção no nosso litoral e a partir dessas informações conseguimos visitar as áreas com mais precisão”, relata o coordenador.
Ainda de acordo com o professor Lima houve relatos de coletas de ovos de tartaruga na praia e de captura acidentais. “O que eles afirmaram foi que quando caía na rede algum animal morto eles comiam, mas estando vivo eles soltavam”, detalhou.
Em 2000, depois de ganhar a confiança da comunidade de pescadores, a equipe do projeto passou da pesquisa exploratória para uma atividade de atendimento mais estruturada. Nesse ano foi criada a Rede de Encalhe de Mamíferos Aquáticos do Nordeste – Remane, e o projeto Cetáceos da UERN faz parte dessa rede. “Com a criação dessa rede, criamos uma estrutura de atendimento aos encalhes, passamos a fazer a divulgação e o atendimento aos registros que a comunidade fazia por telefone. Começamos a nos reunir com as comunidades pesqueiras, indo nas colônias de pesca, distribuindo cartões, afixando cartazes no comércio local, igrejas, escolas”, explica Lima.
Rede de colaboradores
Com a implantação do sistema de redes, a equipe do projeto começou a atender chamados e os pescadores se tornaram colaboradores, ligando e informando a ocorrência de animais encalhados – vivos ou mortos- nas praias. “Hoje temos uma rede de colaboradores grande, porque construímos essa relação de confiança. A ação de fiscalizar não é nossa e sim dos órgãos oficiais, todos os nossos dados são passados por relatório para o IBAMA, ficando a critério deles fazer a fiscalização. Quando percebemos, por exemplo, redes de pesca ou apetrechos proibidos usados em larga escala, alertamos o órgão quanto a isso, mas antes sempre conversamos com os pescadores. Nós temos uma relação muito próxima com as colônias de pesca”, relata o coordenador do projeto.
Entre 2000 e 2009, todo o trabalho de pesquisa e extensão universitária do Projeto Cetáceos era custeado por meio das agências oficias de fomento como a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Norte (Fapern), envolvendo estudos de mestrado, doutorado, com enfoque na biodiversidade e na interação pesqueira.
Grandes mudanças
Em 2009, a UERN foi convidada pela Petrobras para executar uma condicionante ambiental do IBAMA para os processos de licenciamento de empreendimentos de exploração e produção petróleo e gás na Bacia Potiguar e do Ceará. Condicionantes são projetos específicos para avaliar ou reduzir impactos do empreendimento, que pode envolver perfuração, sonda, colocação de dutos, implantação de plataformas e o tráfego de embarcações.
Nesse projeto de licenciamento, o IBAMA exigiu a execução de duas condicionantes: o Projeto de Monitoramento de Praias (PMP) e o Projeto de Monitoramento Embarcado de animais marinhos (PME). “A Petrobras nos convidou por dois motivos; primeiro por nós já estarmos na área, desde 1998, fazendo exatamente isso, monitorando os encalhes, os registros de atividades antrópicas (ações realizadas pelos homens) na região. O segundo ponto é que nós já éramos um nó da Remane que é do nordeste e da Remab, a Rede de Encalhe de Mamíferos Aquáticos do Brasil. Apresentamos uma proposta que foi aceita pela Petrobras em dezembro de 2009”, conta o professor Lima.
Atualmente, o Projeto Cetáceos conta com 40 pessoas entre coordenação, equipe de campo, equipe de resgate e de apoio. Ao lado do professor Flávio Lima na coordenação estão as professoras Ana Bernadete Lima, também da UERN e Simone Almeida, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). As atividades são realizadas em parceria com profissionais da Universidade Federal do Semiárido (Ufersa), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da ONG Aquasis (CE) e do Centro de Estudos e Monitoramento Ambiental – CEMAM.
“A partir disso houve uma mudança, passamos de um projeto acadêmico formado essencialmente por estudantes de graduação e pós-graduação, que os recursos eram relacionados a uma disponibilidade limitada e a nossa presença na área era oportunística, quando a gente tinha condições de ir ou dependíamos do chamado da comunidade. A realidade agora é outra: criamos uma estrutura sistemática de monitoramento diário com equipes contratadas”, compara Lima.
Ações e resultados
E qual o propósito de tudo isso? O IBAMA quer saber se os animais encalhados, vivos ou mortos, tem alguma relação com a atividade da Petrobras. Isso é feito em todo o Brasil e não só com a Petrobras, mas com todas as empresas de E&P (exploração e produção) de petróleo e gás. “Separamos as causas de morte em categorias amplas entre causas naturais (velhice, doenças, predação, por exemplo) e relacionadas com atividades humanas (antrópicas – atropelamentos, captura em redes de pesca e intoxicação). Predominantemente os encalhes de animais mortos com sinais de interação antrópica estão relacionados com a pesca. No caso da atividade da Petrobras, nós observamos atropelamentos ou interação com embarcação, não encontramos até hoje qualquer evidência de contaminação por petróleo, diante das análises de índices de contaminantes”, explica Lima.
Com o trabalho realizado e os resultados alcançados, a equipe do Projeto Cetáceos Costa Branca passou a fazer parte da estrutura organizacional de resposta em caso de incidentes, o que é uma grande mudança de comportamento na Petrobras. “Isso é muito importante. Na relação com a empresa não fazemos somente o monitoramento e a avaliação de impacto, também passamos a participar, a ser responsáveis na nossa área de atuação. Caso haja algum acidente ou incidente com vazamento de óleo, a empresa nos consulta, e já se preparou para isso, para saber o que deve ser feito em termos de fauna. Então hoje, além de monitorar, avaliar o impacto e se existe ou não relação com a empresa, nós também participamos do planejamento das ações de resposta em caso de incidentes, ou seja, a empresa avançou e não nos vê apenas como avaliadores do impacto. Esse é um grande avanço”, comemora.
A sociedade também saiu ganhando nesse processo. De acordo com o professor Lima, hoje os órgãos de gestão ambiental, seja municipal, estadual ou federal, possuem dados e informações disponíveis para auxiliar nos processos de licenciamento para diferentes tipos de empreendimentos e não somente na área de petróleo e gás. “Esse é um grande ganho”, afirma.
Edna Ferreira
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