Redução de investimentos em C&T compromete o futuro Políticas de C&T

quarta-feira, 29 novembro 2017
Foto: Jr. Panela/UFC

Cientistas alertam para as consequências futuras que a persistência dos cortes orçamentários nas áreas de ciência e tecnologia poderão gerar para a sociedade e para o país

A progressiva redução dos recursos públicos aplicados em ciência e tecnologia em todas as esferas de governo tem gerado apreensão em cientistas e gestores da área. Uma convocação está sendo feita para instituições e toda a sociedade realizarem um grande #DiaC da Ciência, em 19 de dezembro, quando está prevista a votação, pelo Congresso Nacional, da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2018. Publicado no site da Finep, uma das maiores agências de fomento do país, o chamado informa que “a ideia da campanha virtual é levantar a discussão sobre o tema e sensibilizar os parlamentares por mais recursos para a área.”

O investimento federal no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que em 2017 foi um dos mais baixos da história, poderá ser ainda menor em 2018. Para 2018, o orçamento do MCTIC está previsto para R$ 12,6 bilhões enquanto em 2017 foi de R$ 15,6 bilhões, numa redução de 19%. Desse valor, o total que pode ser aplicado em custeio e investimento é de R$4,4 bilhões, ou seja, R$ 1,5 bilhão menor se comparado a 2017, que foi de R$ 5,9 bilhões. Em 2010, a pasta teve orçamento de R$ 10 bilhões apenas para custeio e investimento, que são os valores aplicados em pesquisa e bolsas.

Ciência e cidadania

Fontenelle: É necessário investir em ciência para conhecermos as leis básicas que regem os seres vivos.

“É necessário investir em ciência para conhecermos as leis básicas que regem os seres vivos e também o universo, isto é importante para a nossa compreensão da existência do ser humano.” A opinião é de John Fontenele-Araujo, professor titular em Cronobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC-RN).

Para o professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Pernambuco, Antônio Pavão, há uma relação direta entre conhecimento científico e cidadania. “Para exercer a cidadania, o sujeito tem que ter conhecimento de ciência e tecnologia. Todos nós sabemos que conhecimento é poder e se nós queremos o poder para o povo, nada mais natural do que levar conhecimento para o povo, então cada vez mais a ciência é uma necessidade urgente da população.”

Pavão: A população também precisa ter conhecimento de ciência e tecnologia para poder compreender o que está em volta dela.

Pavão, que é diretor do Espaço Ciência, museu de divulgação científica, localizado entre Recife e Olinda, afirma que a ciência é necessária para a compreensão dos processos planetários. “O povo precisa de ciência, de conhecimento, de sabedoria para analisar tudo o que está acontecendo tanto em nível global, em termos de planeta, com as questões do aquecimento global dessas previsões que estão se confirmando de que as catástrofes se tornarão cada vez mais frequentes e mais intensas.” Mas ele lembra também que a tomada de decisões cotidianas pelas pessoas envolve o conhecimento científico. “A população também precisa ter conhecimento de ciência e tecnologia para poder compreender o que está em volta dela, para poder tomar decisões que a todo tempo a sociedade coloca. Por exemplo, você é contra ou a favor dos transgênicos? O que você acha de clonar o teu irmão? O que você acha da implantação de uma (usina) termonuclear aqui nos nordeste, nas margens do (Rio) São Francisco? E mesmo para ser um consumidor, é preciso conhecimento de ciência e tecnologia. Se a pessoa vai comprar um celular, um carro, qualquer coisa, é preciso saber o mecanismo, como aquilo funciona para poder fazer uma boa escolha e um bom uso.”

Reduções nos estados

Também nos orçamentos estaduais a redução do investimento em ciência tem sido observada. Somados os recursos de todos os governos estaduais, o orçamento em 12 meses, entre junho de 2016 e junho de 2017 foi de R$ 28,7 bilhões. Praticamente a metade dos R$ 57,8 bilhões investidos em 2014 conjuntamente pelos governos dos estados. Os dados foram apurados pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal.

Com os professores em greve por atraso de salários, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) é um exemplo prático da redução de investimento nos últimos anos. Depois de ter ampliado sua capacidade física para praticamente todo o estado, a UERN não tem conseguido manter o ritmo do crescimento anterior. Atualmente a UERN possui 12 mil alunos matriculados e é responsável pela formação de 80% dos professores da rede estadual de educação.

Rosado: Se tivermos os investimentos necessários, nós vamos contribuir para a mudança do nosso estado.

A vice-reitora Fátima Raquel Rosado de Morais chama a atenção para a atuação da instituição na área da pós-graduação, onde são realizadas as pesquisas. “Hoje nós temos Doutorado na Região Oeste, em Pau dos Ferros, temos mais de 20 programas de pós-graduação, temos pesquisadores de produtividade em pesquisa, nós estamos fazendo ciência, mesmo com toda a dificuldade e pedimos que todos abracem essa causa da ciência e particularmente da UERN, por que mesmo se com todas as dificuldades nós conseguimos fazer bons trabalhos, se tivermos os investimentos necessários nós vamos contribuir para a mudança do nosso estado.”

Fátima Rosado afirma que a ciência gera produtos e processos que podem gerar valor e que cabe à comunidade científica alertar a população acerca disso. “A gente precisa estimular na comunidade, todas as pessoas do mais leigo ao mais graduado, saber que o país só vai se desenvolver, de fato, quando se investir em educação, e a ciência está dentro disso.”

Ensino e pesquisa

O professor Fontenelle-Araújo acredita que a ampliação do investimento em ciência vai incidir na melhoria da educação e, consequentemente, da vida das pessoas. “A população brasileira é que mais se beneficia do desenvolvimento científico, tanto melhorando a qualidade de vida, mas também na educação, pois um maior investimento em ciência tem como resultado uma melhoria na qualidade da educação.”

Já o professor Pavão ressaltou que grande parte da produção científica brasileira é feita nas universidades, o que, na sua opinião, é bom para a sociedade trazendo muitos benefícios do ponto de vista tecnológico, inclusive nas microempresas. “Nós fazemos uma coisa aqui no Brasil, que é muito importante valorizar, que é a indissociabilidade entre ensino e pesquisa nas universidades públicas, e nós ganhamos muito com isso porque essas pessoas que estão produzindo ciência nas universidades também estão ensinando, também estão formando engenheiros, formando outros cientistas, formando profissionais e formando muito bem.”

Ao contrário

A campanha #CiênciaPeloBrasil quer mostrar que a ciência é a saída para a crise, que os impactos dessa redução serão sentidos para sempre e que as experiências de outros países mostram que o corte é um erro no caminho para o desenvolvimento. “Países como Estados Unidos, China e Coreia do Sul chegaram a investir 4% do PIB em ciência e tecnologia à época da crise econômica de 2008, sendo esta uma medida considerada fundamental para a saída destes momentos de extrema dificuldade financeira. No Brasil, estamos fazendo exatamente o oposto. Nosso país está parado no tempo e a conta a ser paga no futuro será alta, caso não se faça algo para reverter este quadro. O orçamento federal para a ciência está em torno dos R$ 2,5 bilhões neste ano, 14,5 vezes menor do que o orçamento japonês para a área, por exemplo. Como deixaremos de depender de outros países se não fazemos nosso dever dentro de casa”, defende o economista Marcos Cintra, presidente da Finep.

Em editorial no dia 13 de novembro, o Diário de Pernambuco publicou que somente através de aporte dos recursos necessários, a comunidade científica estará apta a cumprir seu insubstituível papel de colocar o país na vanguarda do conhecimento global. A publicação lembrou que o progresso científico e tecnológico dependem da pesquisa e “que sem este não há inovação e competitividade em todos os setores produtivos, notadamente na indústria e na agricultura.”

Mônica Costa

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