Pesquisa aponta que áreas do ecossistema que recebem projetos de recuperação têm maior capacidade de retirada de carbono em relação às que se recuperam naturalmente
Trabalho desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) da Universidade Federal do Ceará (UFC) evidencia a importância de regenerar áreas degradadas de manguezais para reduzir os efeitos das mudanças climáticas. O estudo aponta que essas áreas recuperadas são importante fonte de retirada de carbono da atmosfera (inclusive com maior potencial do que áreas que se recuperam naturalmente), sobretudo pelo papel da espécie Rhizophora mangle, planta típica da vegetação de mangue. Além disso, identificou-se que os caranguejos têm papel fundamental nesse processo.
A pesquisa, publicada, em inglês, no periódico Wetlands Ecology and Management, avaliou a retirada de carbono da atmosfera em duas áreas de manguezal degradadas, situadas em um afluente do rio Potengi, em Natal, no Rio Grande do Norte. Uma das áreas recebeu projetos de recuperação, e a outra, se regenerou naturalmente.
O recorte do trabalho publicado consiste em avaliar a biomassa acima do solo e o estoque de carbono dos diferentes fragmentos florestais manejados em um período de 10 anos, bem como discutir a eficácia das medidas de gestão aplicadas desde a intervenção.
As duas áreas pesquisadas haviam sido desflorestadas para dar lugar a tanques de criação de camarão, sendo posteriormente abandonadas. Durante a derrubada de árvores, o solo foi fisicamente alterado e as populações de caranguejo foram afetadas. Em 2006, passado o período dos criatórios de camarão no local, teve início o acompanhamento do processo de recuperação de ambas as áreas.
O papel dos caranguejos
Antes do manejo ser iniciado, foi feita uma avaliação para garantir a igualdade de condições entre as duas áreas. Uma área menor (denominada área restaurada) foi escolhida para receber – em maior densidade do que as áreas preservadas de manguezal – propágulos da espécie Rhizophora mangle. Propágulos são estruturas que se desprendem de uma planta adulta e funcionam como sementes.
A Rhizophora, conhecida popularmente como mangue-vermelho, foi escolhida para o reflorestamento por ser a espécie arbórea que predominava na área desmatada. Essa árvore se desenvolve rapidamente e apresenta boa resistência ao manejo. Enquanto isso, uma área maior (denominada área autorrecuperada) não sofreu nenhuma manipulação e foi usada como controle da colonização natural de manguezais. A coleta de múltiplos dados sobre fauna, flora e estocagem de carbono se deu em dois períodos principais, um após 5 anos do início do acompanhamento, e outro, após 10 anos.
Os resultados indicaram que, passada uma década (com início em 2006) do começo da recuperação, a área que sofreu manejo (plantio da espécie Rhizophora mangle) apresentou capacidade de estoque de carbono quase duas vezes superior se comparada à área recuperada naturalmente, onde, além da própria Rhizophora mangle, predominou também a espécie Laguncularia racemosa e, em menor abundância, a Avicennia spp. Ou seja, os dados mostram que, em termos de recuperação florestal e sequestro de carbono, o manejo na área restaurada foi bem-sucedido, já que os níveis de biomassa e de estoque de carbono ficaram extremamente próximos aos encontrados em florestas de Rhizophora de árvores mais altas, antigas (de 40 anos de idade), esparsas e densas.
Uma das razões para esse resultado é que algumas espécies de caranguejos consomem mais propágulos das outras espécies vegetais (Laguncularia racemosa e Avicennia spp.), favorecendo, assim, a predominância de Rhizophora mangle na área recuperada. Demonstrou-se que os caranguejos consomem quatro vezes mais os propágulos de Laguncularia racemosa quando comparado ao consumo de Rhizophora mangle, que, por sua vez, tem capacidade maior de estocar carbono do que as outras duas espécies.
Plantio e recuperação
Os resultados indicaram que, passada uma década do começo da recuperação, a área que recebeu plantio de Rhizophora mangle apresentou capacidade de estoque de carbono quase duas vezes superior à área recuperada naturalmente.
Já os caranguejos são considerados “engenheiros” do ecossistema manguezal, desempenhando papel significativo na topografia e na biogeoquímica dos sedimentos, e também na diversidade, estrutura e biomassa das plantas.
Os dados sobre o conteúdo de carbono dos manguezais variam devido a diferenças nas condições abióticas (clima, configurações geomórficas, marés) e bióticas, como diversidade de espécies, herbivoria (relação em que partes de uma planta servem de alimento para um animal) e bioturbação (papel que os caranguejos desempenham revolvendo e escavando galerias no solo).
Um dos autores da pesquisa, o professor Luis Ernesto Arruda Bezerra, diz que a investigação mostra que esse processo de variação é altamente sensível e está relacionado à diversidade local de caranguejos, especialmente porque as atividades de consumo de propágulos e bioturbação do solo afetam os processos ecológicos e influenciam a estrutura das florestas de mangue. Também assinam o artigo os pesquisadores Helena Matthews-Cascon, do Departamento de Biologia, e Alexander Cesar Roman, que recentemente cursou pós-doutorado no LABOMAR.
Uma das espécies de caranguejo predominante no ambiente estudado é o aratu (Goniopsis cruentata). “É a predação que esse caranguejo exerce sobre propágulos de plantas de mangue que influencia o desenvolvimento dos bosques e, consequentemente, o sequestro de carbono, que é a retirada de CO2 da atmosfera por parte das plantas”, explica o Prof. Luis Ernesto.
O pesquisador destaca ainda que esses efeitos sobre o fluxo de energia podem se refletir em ecossistemas adjacentes aos manguezais, como os recifes de corais. Além disso, as espécies de caranguejos presentes e o tamanho de suas populações devem ser levados em consideração quando da execução de projetos de recuperação de áreas degradadas de manguezais, bem como a escolha das espécies vegetais que serão utilizadas para o plantio. O acompanhamento das áreas estudadas continuará durante os próximos anos.
Próximos passos
A avaliação é que a quantificação exata do estoque de carbono é necessária não apenas como base para melhorar o conhecimento sobre os ciclos de nutrientes dos manguezais, mas também para a inclusão do ecossistema em programas nacionais e internacionais de mitigação das mudanças climáticas.
Pesquisa semelhante foi iniciada pela mesma equipe no estuário do rio Pacoti, na Região Metropolitana de Fortaleza, com alguns aprimoramentos. Além dos caranguejos, está sendo estudada a influência de outros grupos, sobretudo as plantas herbáceas. A hipótese é que essas plantas favorecem o crescimento do mangue em áreas degradadas.
As florestas de mangue estão presentes em mais de 120 países e cobrem cerca de 170 mil quilômetros quadrados de costas tropicais e subtropicais em todo o mundo. Relatório de 2014 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) advertiu que o ritmo de destruição dos manguezais é de três a cinco vezes maior do que o das florestas em todo o planeta. A estimativa é que os danos econômicos da destruição chegam a US$ 42 bilhões (cerca de R$ 160 bilhões) por ano. Especialistas afirmam que as mudanças climáticas e a perturbação do uso da terra podem reduzir ainda mais os manguezais nas próximas décadas.
Fonte: Ascom da UFC
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