Nossa Ciência ouviu acadêmicos e cientistas sobre o projeto
Está na reta final o projeto de lei sobre o novo Marco Legal Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Norte que institui uma nova política de estado para o setor. No dia 18 de maio, o Governo do Estado abriu para consulta pública os termos do projeto. O documento conta atualmente com 9 capítulos e 81 artigos e está disponível para consulta e sugestões do público até o dia 1º de junho.
Diante desse marco que pode mudar os rumos da CT&I do RN, Nossa Ciência resolveu ouvir representantes da comunidade acadêmica e científica do estado para analisar o projeto. Há novidades? O novo projeto promove avanços ou é mais uma peça de burocratização? Governo, Universidades e Empresas estarão mais próximos para inovar e empreender?
Para o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), José Daniel Diniz Melo, a proposta apresentada é uma iniciativa importante para estimular a criação de um ambiente favorável à pesquisa e inovação no nosso estado. “O Marco Legal poderá promover atividades de inovação nas empresas e nas instituições de ciência e tecnologia (ICTs) como estratégia para o desenvolvimento econômico e social”, acredita.
Doutor em Engenharia Mecânica e atuando como professor titular do Departamento de Engenharia de Materiais da UFRN, Diniz avalia que o mais importante é que o novo marco cumpra com o seu objetivo de facilitar e estimular a pesquisa científica e tecnológica e a inovação em benefício da sociedade. Ele também espera que depois de finalizado e colocado em prática o projeto promova a aproximação entre Governo, Universidade e Empresas. “Sabemos que a aproximação entre Governo, ICTs e empresas é fundamental para um ambiente de inovação. A falta de regulamentação que facilite essa interação tem sido uma dificuldade. Esperamos que o Marco mude esse cenário”.
Poucos avanços
Para o professor Gláucio Brandão, pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e com longa estrada no empreendedorismo inovador, a proposta do Marco é bem-vinda, mas a complexidade retórica torna-a de difícil compreensão e, por consequência, de baixa execução.
“Colocando este Marco como um ainda protótipo de Lei, vê-se claramente a falta de contribuição do setor privado, de entidades do ensino médio e ONGs, para ficar nesses exemplos. Observo também que existem regras que não precisariam estar aqui, o que poderia reduzir o documento a um terço de seu tamanho e aumentar sua efetividade em pelo menos três vezes”, avalia.
Possuindo vivência e tendo efetuado muitas contribuições reais na área do Empreendedorismo Inovador desde 2002, inclusive participando de um dos quatro grupos de trabalho que ajudaram a redigir a Lei Complementar Nº 478, a qual estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica, Brandão vê o novo Marco Legal Estadual em CTI (MLE-CTI) como uma grande oportunidade, não só para aprimorar o nosso ecossistema de inovação como o modo de se elaborar marcos estaduais.
“Assim como os outros Marcos Estaduais, a exemplo da ineficaz Lei estadual 478, e do modo em que este Marco está escrito, não promoverá qualquer alteração. A retórica inflada apresenta poucas ações objetivas e imperativas, apenas cosméticas, e com alguns agravos promovidos pela, por incrível que pareça, contradição ao que prega. Um exemplo está no inciso XVI do Art. 4º (Capítulo II), “Dos Princípios e das Diretrizes da PEDCTI/RN”. Lá se enaltece “a importância das empresas como agentes centrais do impulso inovador em contexto de livre mercado”. Entretanto, todo incentivo e subvenção só é dirigida a entidades privadas sem fins lucrativos, o que exclui automaticamente qualquer empresa que queira investir em ações de inovação no meio. Somado a isso, pergunta-se: Startups não são ou não devem se tornar empresas? Não podem ou devem ter fins lucrativos? Como irão crescer, escalar, ir ao Mercado de Ações? O Marco é antipático ao que ele mesmo denomina como “agentes centrais do impulso inovador”. E se afasta as empresas, afasta o Mercado, arena na qual a inovação é validada”, analisa e critica Brandão.
Discussões e contribuições
Representantes da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec) e Fundação de Apoio à Pesquisa do RN (Fapern) assinaram no dia 7 de maio a portaria que constitui o Grupo de Trabalho Especial (GTE) para discussão e elaboração do documento. O colegiado é formado por membros da Câmara Setorial de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Norte (Coneciti). Também participam do Grupo entidades seccionais de CT&I, membros de parques tecnológicos, incubadoras, startups e pesquisadores.
Após passar pela consulta pública e por deliberação do Grupo de Trabalho, o projeto de lei será encaminhado pela governadora Fátima Bezerra à Assembleia Legislativa do estado.
A professora Ângela Paiva Cruz, ex-reitora da UFRN vê a proposta de Marco Legal de CT&I do RN como uma ação importante para o desenvolvimento do estado. “As ICTs vem ao longo de anos executando muitos projetos de empreendedorismo inovador, mas não tem contado com um sistema local forte, dando suporte jurídico e financeiro para avançar e incluir novos pesquisadores e empresas. O ecossistema de inovação do RN vem crescendo e já conta com 20 incubadoras, sem falar de muitos projetos importantes de inovação com as tecnologias sociais. No modelo de tríplice hélice não pode faltar um apoio decisivo e forte do setor governamental, aliado aos esforços realizados pelas ICTs e pelas empresas de base tecnológica”, afirma.
Licenciada e bacharel em Matemática pela UFRN, com mestrado em Filosofia e doutorado em Educação, ela é professora titular do Departamento de Filosofia da UFRN e atualmente é assessora do Gabinete do Reitor da UFRN. Analisando os capítulos do novo Marco que tratam do estímulo à construção de ambientes especializados e cooperativos de inovação e apoio a startups e empreendedores inovadores, Ângela Cruz avalia que é um avanço ter esse estímulo bem definido. “Porém nas ICTs do RN há um número expressivo de pesquisadores e infraestruturas disponíveis para esses ambientes se fortalecerem. Não se pode afirmar o mesmo em relação ao número de empresas que valorizam a inovação nos seus planos de negócio no estado, nem no Brasil. Assim, entendo que o avanço principal é tornar a inovação uma política de estado com a gestão e financiamento regulamentados”, reforça.
Integração universidade e sociedade
Vinícius Claudino de Sá é professor Adjunto do Departamento de Administração do Campus Central da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e atua no Departamento de Inovação e Empreendedorismo (DIE) vinculado à Pró Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPEG) da UERN, nas atividades de apoio ao empreendedorismo e às incubadoras da UERN.
Na opinião do professor, é muito positiva a discussão, a construção e a aprovação de um Marco legal estadual de ciência, tecnologia e inovação que possa oferecer as balizas legais para que as iniciativas e os ambientes de inovação prosperem no nosso estado. “Enquanto professor da UERN tenho verificado a necessidade de aprovarmos leis estaduais que permitam a maior integração da nossa universidade com a sociedade, em especial, com o setor produtivo”, declara.
Tendo atuado como Diretor Científico da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio Grande do Norte (FUNCITERN), Vinícius de Sá salienta que o dispositivo legal é importante, mas, também é necessário coordenar ações de fortalecimento de uma cultura de inovação no Estado. “Assim, esse tema deve ser trabalhado em todos os níveis, desde a infância até a formação profissional. Com material educativo apropriado. Com o estímulo a criatividade e a inovação poderemos fortalecer as bases para o desenvolvimento sustentável e consistente para o nosso Estado”, acredita.
Sugestões
Até o início do próximo mês, o projeto o projeto de lei sobre o novo Marco Legal Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Norte estará disponível para consulta e sugestões do público. Para participar basta acessar o link
Mas, e os nossos entrevistados que sugestões têm a fazer para o projeto?
Ângela Paiva
“Gostaria de propor que os atores do ecossistema participassem efetivamente dessa consulta pública; o estado tornasse pública a receita de arrecadação destinada em anos anteriores ao desenvolvimento de CT&I e uma estimativa de receita do que está previsto nessa política. Em termos de proposta, considero importante aumentar o percentual de 1% para CT&I, previsto no art. 27. E darei mais contribuições no conjunto de propostas que a UFRN fará”.
Gláucio Brandão
“Este Marco deveria incluir, ou pelo menos ouvir, as entidades que trabalham com os jovens desde o ensino fundamental, públicas e privadas. Em se fazendo isso, teremos uma mudança de realidade em um futuro breve. Uma melhor definição destes termos impactará em muito as diretrizes lá colocadas, pois abrem-se os horizontes para os quais as Startups podem ser usadas”.
Daniel Diniz
“A sugestão é que seja promovida uma grande divulgação dessa consulta pública para que a sociedade possa participar efetivamente e apresentar sugestões. Desta forma, o marco poderá produzir os resultados esperados. Deveremos apresentar sugestões específicas no documento após avaliação mais detalhada”.
Vinícius de Sá
“Alguns itens precisam ser lembrados para que o nosso novo marco legal alcance seus objetivos. As ações de inovação precisam ter agilidade, pois, o dinamismo desta área não permite demora com entraves burocráticos; precisam ser estimulados projetos para a formação de uma cultura de inovação no Estado do Rio Grande do Norte; a educação para a criatividade e para a inovação deve começar ainda nas séries iniciais; e deve -se fomentar e apoiar a inovação e o empreendedorismo inovador em todos os ecossistemas de inovação, com ações apropriadas para o interior do Estado”.
Acesse aqui o projeto de lei do Marco Legal
Edna Ferreira e Mônica Costa
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