Pesquisa da UFC joga luz em um dos grandes mistérios da astrofísica
Pesquisa desenvolvida pelos físicos Roberto Vinhaes Maluf (UFC) e Juliano Neves (da Universidade Federal do ABC, a UFABC) revela que o fato de o universo estar se expandindo de forma cada vez mais acelerada – algo cuja compreensão desafia cientistas de todo o mundo – pode estar relacionado a um fenômeno chamado “campo Bumblebee”. O estudo acaba de ser publicado na revista internacional Physical Review D.
Se for confirmada, a pesquisa também coloca em xeque uma hipótese bastante aceita atualmente: a de que o universo se expande de forma uniforme, ou seja, que as leis da física são iguais em qualquer direção. Para isso, os pesquisadores estudaram a sombra provocada por um buraco negro e identificaram que ela é menor do que seria inicialmente esperado.
Para entender a relação entre gravidade, buracos negros, expansão do universo, é preciso voltar um pouco no tempo. Até o começo do século XX, a cosmologia trabalhava com a ideia de universo estático, quando observado a grandes escalas e distância.
Era essa a expectativa quando Albert Einstein desenvolveu um modelo cosmológico estático a partir da sua teoria geral da relatividade, em 1917, e viu-se diante da necessidade de explicar como o universo poderia ser estático se a tendência era de que a força gravitacional atraísse os corpos celestes.
Einstein, então, incluiu nos cálculos da teoria da relatividade a ideia de “constante cosmológica” (ou “constante universal”), uma força que anulava os efeitos gravitacionais. Foi a forma que ele encontrou para ajustar suas equações à ideia de um universo estático, homogêneo e isotrópico (que apresentava as mesmas propriedades físicas em qualquer direção).
Em meados da década de 1920 e começo dos anos 1930, impulsionados pelos trabalhos de Edwin Hubble, os cientistas demonstraram que o universo estava, na verdade, se expandindo. A descoberta fez Einstein considerar que a constante teria sido o “maior erro de sua carreira”.
No fim dos anos 1990, no entanto, houve uma reviravolta na astrofísica. A partir das observações de supernovas (explosões de brilho intenso que marcam a “morte” de alguns tipos de estrelas), os astrônomos americanos Saul Perlmutter e Adam Riess e o australiano-americano Brian Schmidt conseguiram provar que o universo estava se expandindo de forma acelerada.
Esse movimento seria promovido pela “energia escura”, uma força espalhada por todo o universo e que geraria uma pressão negativa, levando à expansão. Com isso, a constante cosmológica, que até então parecia uma relíquia histórica, acabou sendo reabilitada nos meios científicos. Ela passou a representar nas equações de Einstein a energia escura, cuja natureza ainda é um mistéri
A nova pesquisa
O que a pesquisa dos professores Roberto Maluf e Juliano Neves conseguiu foi relacionar o valor da constante cosmológica a uma teoria chamada campo ou gravidade Bumblebee (não, o nome não faz referência ao personagem do filme Transformers, mas a uma espécie de grande zangão típico dos Estados Unidos cujo voo é aparentemente improvável porque parece difícil explicar como suas asas geram sustentação).
É essa improbabilidade que está no coração da gravidade Bumblebee. Ele é um modelo que propõe uma ideia alternativa de gravidade que rompe com a chamada simetria de Lorentz . A simetria diz que as leis da física são as mesmas independentemente do tempo, lugar, direção e velocidade (considerando se forem mantidas as mesmas condições de temperatura e pressão).
Para os teóricos, o modelo Bumblebee traz uma provocação instigante: o que aconteceria se a gravidade não funcionasse sempre de forma simétrica e, em situações excepcionais, tivesse alterações em certas direções?
Na primeira parte de seu estudo, Maluf e Neves conseguiram relacionar o valor no vácuo do Bumblebee ao da constante universal, ou seja, associaram um modelo de gravidade bastante particular, que rompe com a simetria de Lorentz, à força que gera expansão acelerada.
O Bumblebee poderia ser, então, a força por trás da energia escura? “Porque não temos ideia do que está criando a energia escura, essa possibilidade parece muito atraente”, argumenta o astrofísico Paul Sutter, no artigo “Gravidade Bumblebee pode explicar por que o universo está se expandindo tão rapidamente”, em que descreve a pesquisa dos professores Maluf e Neves. O artigo de Sutter foi publicado no site Live Science e logo replicado em vários sites de divulgação científica.
Sombra do buraco negro
Modelos como o da gravidade Bumblebee foram desenvolvidos para tentar entender as leis da física em situações excepcionais. Situações como a do micromundo, do espaço subatômico, por exemplo. Ou no plano oposto, em algumas situações no Universo, como no caso dos buracos negros – pontos que concentram doses tão intensas de gravidade que nem mesmo a luz consegue escapar de sua força.
Foi justamente em um buraco negro que Maluf e Neves testaram seu trabalho. Os pesquisadores realizaram cálculos a partir da sombra de um buraco negro. Para tanto, eles tomaram como base as imagens obtidas em abril de 2019, quando, pela primeira vez a ciência conseguiu fazer a foto real de um buraco negro.
Isso só foi possível porque radiotelescópios do mundo inteiro, integrados no projeto Even Horizon Telescope, formaram um gigantesco telescópio virtual que permitiu visualizar a área ao redor do supermassivo buraco negro no centro da galáxia M87.
A imagem capta apenas a sombra do buraco negro (sim, porque a luz é capturada pelo próprio buraco negro), mas abriu novas possibilidades para a astrofísica. Os professores Maluf e Neves conseguiram demonstrar que o raio da sombra é menor do que o previsto na teoria da relatividade de Einstein. “E se existe o campo Bumblebee, ele vai alterar a sombra do buraco negro”, explica o Prof. Maluf. “Se aumentar sua intensidade, ele vai reduzir o raio da sombra”.
O pesquisador explica que ainda não é possível fazer comparação mais precisa pelas próprias limitações da imagem do buraco negro. Mas o avanço da pesquisa, com a elaboração de imagens no futuro, abrirá espaço para o desenvolvimento de outros paradigmas na física. E, talvez, para que a Ciência desvende mais esse mistério universal.
Fonte: Ascom da UFC
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