Pobreza, desigualdades e migrações Geral

quinta-feira, 19 novembro 2015

Pesquisadores apresentam resultados de pesquisas sobre aspectos demográficos relacionados ao nordeste

Nos estudos populacionais podem ser discutidos temas pertinentes a áreas tão distintas como saúde, economia e história. Afinal o elemento comum a essas e outras áreas é o estudo de aspectos relacionados às populações.

O estudo de cinco décadas de migração interna no Brasil e no nordeste, coordenado pelo professor do Departamento de Demografia  Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, José Marcos Pinto da Cunha (foto 1), confirma alguns fatos que são percebidos socialmente. Os nordestinos, especialmente os de baixa escolaridade, já não deixam sua terra para tentar a sorte nos grandes centros do sudeste do país. Quando migram, o destino de sua partida é os grandes centros da própria região. 

Para o pesquisador do Núcleo de Estudos das Populações, os processos migratórios do nordeste ainda são caracterizados mais por descontinuidades do que por rupturas. A descontinuidade a que se refere é o fato da região deixar de ser uma área de evasão demográfica líquida. Já não é observada a saída de grandes contingentes da população, como ocorreu a partir da década de 1950 para o sudeste, e mais especificamente para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Outro importante fator de impulsão das migrações também dos nordestinos na década de 1970 foi a chamada expansão das fronteiras com maior ocupação populacional de Rondônia e a entrada mais a oeste do Brasil, no Mato Grosso do Sul.

Migração de retorno

Ainda que tenha deixado de ter evasão demográfica, que significa perda de população, a região ainda não se configura como polo de atração de migrações. Esse seria um movimento de ruptura, explica. “Apesar das ilhas de crescimento, a região, como um todo, ainda não oferece condições reais de retorno e menos ainda de atração demográfica. A região do polígono da seca ainda apresenta graves problemas”. Foram caracterizadas como ilhas de crescimento, localidades com alto índice de empregabilidade como o polo têxtil de Fortaleza/CE, o vale irrigado do Rio São Francisco, nos estados de Pernambuco e Bahia, o polo petroquímico de Camaçari/BA e plantação de soja (São Desidério/BA), e Recife, que ele considerou como uma espécie de capital do nordeste.

Para Cunha, a migração de retorno é um fenômeno que começa a ser observado no nordeste na década de 1990. Ela ocorre depois da grande crise daquele período e da precarização do emprego nos grandes centros. Se lá estava ruim, aqui as coisas estavam melhorando, devido a mudanças políticas introduzidas pela Constituição de 1988. A partir da promulgação da constituição cidadã, o Brasil promoveu a universalização da aposentadoria rural para todas as pessoas. De acordo com o professor do Departamento de Estatística e Ciências Atuariais da Universidade Federal de Sergipe, Kleber Fernandes de Oliveira (foto 2), a aposentadoria rural foi o fator de maior impacto na redução da pobreza em Sergipe, juntamente com o envelhecimento da população.

Estrutura social cristalizada

Em sua tese de doutoramento, o pesquisador, que é economista, lançou olhar sobre os aspectos demográficos da pobreza. Na pesquisa, ele verificou que a redução da pobreza em Sergipe entre os anos 1980 e 2010 não resultou apenas de componentes econômicas, mas também de fatores demográficos, entre os quais, a mudança da estrutura da família e o processo de envelhecimento. O idoso, que até então, era considerado um peso econômico, passa a ter uma renda continuada, a contribuir decisivamente para a economia da região e garantir aos municípios do interior sergipano um aporte financeiro muito maior. Com o direito à aposentadoria, esses domicílios passam e para a região de uma importância grande. 

Sobre o tema da pobreza da região, o pesquisador propõe que a desigualdade social é ainda persistente. A estrutura social do nordeste é muito cristalizada numa estrutura de distribuição de renda que remonta aos anos 1930. A baixa qualidade da educação, que gera barreiras ao mercado de trabalho são fatores que alimentam o fenômeno. “O gargalo do desenvolvimento social passa pela educação e pelo combate às desigualdades de oportunidades. Creio que o combate à desigualdade deve enfrentar esses dois problemas.”

Programas de transferência

José Marcos Cunha reforça a tese que reconhece nos programas de transferência de renda, iniciados no governo Fernando Henrique Cardoso e ampliados nos governos Lula e Dilma uma significativa participação na redução dos índices de pobreza na região. A política de valorização do salário mínimo teve, em sua opinião, repercussão importante nas cidades do nordeste. “Ainda não se tem estudos conclusivos sobre a influência do (Programa) Bolsa Família, mas certamente há indicadores que apontam a redução da pobreza mais como resultado das políticas de transferência e menos pelo trabalho”, revela.

A migração interna na própria região nordeste começa a aparecer no censo brasileiro de 2010, aponta Cunha que é um dos coordenadores do livro Trajetórias das Desigualdades: como o Brasil Mudou nos últimos 50 anos, organizado por Marta Arretche e lançado no início do ano pela editora Unesp/CEM. Para a obra, foram analisados os dados dos censos brasileiros de 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010, a fim de se entender as conexões entre democracia, políticas públicas e desigualdade no Brasil nos últimos 50 anos.

As grandes cidades da região vão enfrentando os mesmos problemas vivenciados nas cidades do sudeste. A concentração populacional e a urbanização têm gerado problemas parecidos em todas as regiões metropolitanas e estas tendo grandes impactos para segurar as populações. Com a urbanização, ocorre a dificuldade de acesso à terra, a precarização do emprego e das condições de habitabilidade. “As regiões metropolitanas tem desempenhado importante papel na retenção dessas populações no nordeste. Os próprios estados estão traçando suas estratégias para evitar as perdas populacionais”, garante.

Seminário

Os dois pesquisadores participam amanhã, em Natal/RN, do Seminário de Estudos Populacionais do Nordeste, com o tema demografia, carências e contribuições ao desenvolvimento nordestino. José Marcos Pinto da Cunha vai ministrar uma das conferências do seminário com o tema Migração interna no Brasil e no Nordeste: um olhar ao longo de cinco décadas. Kleber Oliveira vai coordenar a sessão de Temas Demográficos do Nordeste, sobre Migração, pobreza, desigualdade, vulnerabilidade, desenvolvimento regional e meio ambiente, políticas populacionais e demografia histórica.

A programação completa está disponível aqui.

(Crédito das fotos: foto 1 Fapesp; foto 2 Alejandro Zambrana. Prefeitura de Aracaju) 

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