Pesquisador e comandante da plataforma de pesquisas hidroceanográficas falam das pesquisas e dos problemas enfrentados no projeto Pirata
O mar territorial brasileiro é uma área de 3,5 milhões de quilômetros quadrados. Uma grande parte do país é banhada pelo Oceano Atlântico, cuja influência na formação do clima no continente é um conhecimento aceito quase unanimemente por pesquisadores de diversos países. Há 20 anos o Atlântico vem sendo o campo de pesquisas de instituições científicas do Brasil, Estados Unidos e França que integram o projeto Pirata (Prediction and Research Moored Array in the Tropical Atlantic ).
“Esse projeto é um conjunto de estações oceanográficas com boias fundeadas em alto mar no Atlântico tropical. Começou pequeno e foi expandindo. Hoje são mais de 20 boias fundeadas e na parte brasileira é um arranjo de oito boias. Todo ano a gente faz a manutenção para que elas continuem produzindo informações que são fundamentais em várias áreas, em previsão de tempo, aquecimento global, tendências de variabilidade climática e interação do oceano com a atmosfera.” A explicação é do engenheiro eletrônico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Paulo Rogério de Aquino Arlino, que é responsável pelas atividades da 17ª Comissão do Pirata. O INPE e a Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha do Brasil são as instituições brasileiras financiadoras do projeto.
Cada comissão tem duração média de um ano e conta com pesquisadores de diversas instituições brasileiras. Do nordeste, a 17ª comissão tem pesquisas do Centro Regional do Nordeste, órgão do INPE, a Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Oceano mais quente
Atracado em Natal (RN) na segunda semana de dezembro, o Navio de Pesquisa Hidroceanográfico Vital de Oliveira (NPqHo ) trazia a bordo 40 pesquisadores e muitas informações que vão ajudar na caracterização física, química, biológica, geológica e ambiental dessas áreas oceânicas e que são estratégicas. Com os estudos desenvolvidos no Pirata, já foi possível observar a elevação da temperatura das águas do Atlântico sul. Esse aquecimento implica em maior evaporação, que por sua vez altera o ciclo de chuva e das correntes, o que incide diretamente sobre o clima.
O pesquisador explica que o mar tem um papel fundamental na formação do clima global, através da troca de calor com a atmosfera, evaporação e a absorção de gás carbônico (CO2). Assim como a Amazônia, o oceano também pode ser considerado como pulmão do mundo devido à absorção do CO2 produzido. Os sensores instalados nas boias captam ininterruptamente e enviam, a cada 15 minutos, via satélite, informações sobre a temperatura da água do mar, a temperatura do ar, vento, entre outras.
Poeira em alto mar
Um projeto na área de microbiologia, da UFC pretende identificar fungos e bactérias que são transportadas pelo vento em aerossóis do deserto do Saara, no norte da África ao oceano. “Eles estão fazendo coleta da poeira da camada superficial da água, estudando fungos e bactérias, que estão no ar”, informa Arlino.
Outro projeto em andamento citado pelo pesquisador-chefe científico embarcado no NPqHo é desenvolvido por pesquisadores da UFBA. “Tem também um equipamento da UFBA instalado aqui que captura o material particulado na atmosfera durante todo o tempo em que navio está navegando. Na primeira análise só deu pra ver a cor que fica o filtro. Tem regiões que o filtro sai cinza claro ou mais escuro, mas ainda vai ser processado.”
O comandante do Vital de Oliveira, capitão de Fragata Alex Azevedo Urbancg revela que os recursos para a manutenção do navio estão previstos num acordo de cooperação entre a Marinha, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a Vale e a Petrobras. “Mas hoje só quem chegou com 100% do recurso foi a Marinha; o MCTIC entrou com uma parcela”, lamenta. Os outros dois donos do navio ainda não aportaram qualquer recurso.
Entre os melhores do mundo
O NPqHo foi lançado em 2015 e está entre os cinco melhores navios de pesquisa do mundo na atualidade, segundo Paulo Arlino. Ele afirma que com os seus navios, a Marinha sempre deu o suporte necessário para a pesquisa oceanográfica no país a todas as universidades ou institutos que fazem pesquisa no mar.
“É um navio que tem três laboratórios funcionando 24 horas por dia e consegue embarcar até 40 pesquisadores. Ele foi construído focado em pesquisa, ele não tinha outra finalidade e foi adaptado. Se não houver investimento, a plataforma consegue se degradar de uma maneira muito rápida e desperdiçar uma ferramenta dessa seria uma atitude pouco inteligente”, reconhece o comandante.
Apesar de novo, o navio requer reparos e manutenção sistemática. “É igual a um carro, você compra um carro novo, mas tem que fazer as revisões. E o navio está num ambiente muito mais hostil do que um carro e esse navio está atrasado com algumas manutenções exatamente por falta de recursos”, garante o pesquisador, que reclama também da manutenção das boias fundeadas no mar e dos altos custos para a manutenção da pesquisa.
Paulo Arlino reconhece que fazer pesquisa não é barato. Ele cita entre os custos do projeto o de logística de pessoal e de material e de importação. Se o pesquisador mora no Rio Grande do Sul, por exemplo, o projeto tem que pagar a passagem aérea de lá até o lugar onde o navio estiver atracado. A logística de material inclui o transporte de toneladas de amostras de água do navio, onde é feita a coleta e a preparação das amostras, para as universidades e institutos de pesquisa onde serão analisadas.
Sem noção
A escassez de recursos, porém, não é a maior dificuldade enfrentada no projeto Pirata. Juntamente com a burocracia, o calvário de todo pesquisador brasileiro, a maior dificuldade para a continuidade das pesquisas é o vandalismo que danifica as boias fundeadas a 2 mil quilômetros da costa. Barcos pesqueiros são os principais suspeitos de danificarem as boias e os sensores. Na tentativa de economizar combustível, os pescadores desligam o motor do barco, amarram-no à boia e se mantém no local por noites inteiras. O choque do barco com a boia, causado pelo movimento das águas, altera as medições e ainda danifica ou destrói os sensores.
“Não é raro nós chegarmos na boia para fazer validação e o radar identificar que tem um (barco) pesqueiro e às vezes ele não tem conhecimento da importância daquela boia e quando a gente chega lá, a boia está sem sensor e isso não é uma situação boa, porque além de aumentar os custos, ela parou de produzir”, reclama o comandante Urbancg.
Para o pesquisador, o maior custo do vandalismo é a ausência dos dados que a boia poderia produzir e que curiosamente poderia beneficiar aos próprios pescadores. Ele garante que os avisos que o Centro de Hidrografia da Marinha envia aos navegantes sobre condições de navegabilidade tem a contribuição da boia para a geração das informações. “É um problema que está fora da ciência, mas que interfere diretamente nos resultados e quem faz esse vandalismo é quem deveria ser o maior interessado na manutenção do equipamento. A boia está lá, medindo temperatura, salinidade da água do mar e com o mapeamento dessa informação é possível saber em que áreas do oceano há maior probabilidade de encontrar o peixe e indicar para o pescador”, desabafa.
A troca dos equipamentos é feita anualmente. Na última revisão das boias foi constatado que das sete fundeadas há um ano, duas desapareceram e outras duas estavam quebradas, sem torre e sem sensores.
Mônica Costa
Deixe um comentário