Pesquisadores utilizam jogos no ensino da Química Educação

quarta-feira, 27 abril 2022
Entre os elementos de jogo adotados na disciplina estão três aplicativos de celular desenvolvidos pelos pesquisadores (Imagem: Divulgação)

A experiência desenvolvida na UFC é um exemplo da chamada gamificação, técnica que pode ajudar a aumentar interesse de alunos na disciplina

Para muitos estudantes, Química é uma daquelas disciplinas que desde o ensino médio se tornam sinônimo de dor de cabeça. Na universidade, mesmo em cursos que lidam diretamente com essa área do conhecimento, alguns conteúdos da Química continuam sendo um desafio e tanto. Porém, uma forma de tornar esse caminho menos árduo e mais prazeroso é a realização de atividades lúdicas, que transformam o processo de ensino-aprendizagem em um estimulante jogo, no qual todos podem sair ganhando.

Acreditando nessa ideia, o Prof. José Nunes da Silva Júnior, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da Universidade Federal do Ceará, e seu orientando no doutorado em Química, Guilherme de Lima Castro, resolveram fazer uma experiência. Eles incluíram uma estratégia de jogos ao longo de toda a disciplina de Introdução à Química Orgânica, ofertada a turmas do segundo semestre dos cursos de Química, Engenharia Química, Odontologia e Farmácia da UFC. A iniciativa é um exemplo da chamada gamificação.

Reprodução de tela de computador no qual há um jogo de química e o rosto de alunos da disciplina, durante aula em formato remoto (Imagem: Divulgação)
O experimento em questão ocorreu no segundo semestre de 2020, quando a disciplina foi ofertada em formato remoto devido à pandemia de covid-19 (Imagem: Divulgação)

“A gamificação é definida como o uso de elementos de jogo (mecânica, estética, história e tecnologia) para aplicações não relacionadas a jogos, tais como vendas, saúde, treinamentos, etc. Quando utilizamos os elementos de um jogo em atividades relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem, a gamificação objetiva motivar e engajar os alunos em seus estudos”, explica o Prof. José Nunes. Segundo ele, o tema tem atraído muitos pesquisadores, que buscam formas de aumentar a participação dos estudantes e tornar o aprendizado mais eficaz.

O experimento em questão ocorreu no segundo semestre de 2020 e é parte da tese de doutorado de Guilherme de Lima Castro (ainda em andamento). No início de 2022, um artigo científico relatando o caso foi publicado no periódico internacional Journal of Chemical Education, com o título “Gamification of an entire Introductory Organic Chemistry course: a strategy to enhance the students’ engagement” (Gamificação de um curso inteiro de Introdução à Química Orgânica: uma estratégia para aumentar o envolvimento dos alunos, em tradução livre).

Implementação

Em linhas gerais, a Química Orgânica é a área da Química que estuda a composição e as propriedades dos compostos que apresentam o carbono como principal elemento químico. De acordo com o artigo publicado, a disciplina de introdução ao assunto na UFC é considerada por muitos alunos como uma das mais difíceis do currículo, ocasionando reprovações e desistências.

Três turmas de alunos participaram do estudo, sendo que a gamificação foi aplicada em uma turma do Curso de Farmácia e em outra do Curso de Química. Cada turma tinha aulas da disciplina duas vezes por semana. A terceira turma, também do Curso de Farmácia, funcionou como grupo de controle, no qual não foi aplicada a gamificação, no intuito de possibilitar comparações posteriores entre os grupos.

Reprodução de tela de computador no qual há um jogo de química e o rosto de alunos da disciplina, durante aula em formato remoto (Imagem: Divulgação)
De acordo com os pesquisadores, a disciplina de Introdução à Química Orgânica é considerada por muitos alunos como uma das mais difíceis do currículo (Imagem: Divulgação)

No total foram adotados 11 elementos de jogo ao longo da disciplina, incluindo três aplicativos de celular desenvolvidos anteriormente pelo grupo de pesquisa coordenado pelo Prof. José Nunes e que também resultaram em artigos científicos. São eles: Time Bomb, no qual é preciso desarmar uma bomba respondendo corretamente a perguntas sobre teoria estrutural de compostos orgânicos; Stereochemistry Game, que usa tabuleiro e cartas para que os usuários trabalhem juntos na resolução de problemas de estereoquímica; Interactions 500, jogo de tabuleiro híbrido que auxilia estudantes na revisão de forças intermoleculares durante a pandemia de covid-19. Os três jogos estão disponíveis para download em lojas de aplicativos dos sistemas Android e iOS.

Outros componentes da dinâmica foram assiduidade, pontualidade, jogos de tabuleiro, quizzes, videoaulas, torneio de conhecimento, atividades em grupo e envio de fotos relacionadas aos trabalhos para postagem em um perfil no Instagram, criado especificamente para a disciplina.

Todos os elementos do jogo garantiram pontos aos estudantes em uma tabela de classificação. Para evitar exposição e eventual constrangimento de alunos com menores pontuações, foram adotados nicknames (espécies de apelidos virtuais) no ranking. No fim do semestre, a pontuação foi convertida e os escores resultaram em bonificação na média final da disciplina. De acordo com a colocação, os estudantes ganharam ainda, a título de “recompensa”, itens como garrafas de água esportiva, canecas, botons distintivos, crachás, lapiseira e pen drive, entre outros.

Resultados e aceitação

Os pesquisadores concluíram que a gamificação promoveu a motivação, o engajamento, a maior participação e a assiduidade dos alunos durante as aulas. Os resultados dos exames também foram considerados positivos ao longo do semestre, mostrando um aumento nas notas dos discentes. Percebeu-se também que a introdução de atividades colaborativas gerou participação, colaboração e melhores médias.

Os pesquisadores ponderam, no entanto, que não é possível saber se a gamificação afetou ou não a aprendizagem dos alunos, uma vez que o desempenho das turmas que realizaram as atividades lúdicas e o do grupo de controle variou  ao longo dos testes do semestre, impedindo conclusões nesse sentido. Segundo o estudo, é essencial conduzir mais experimentos e com maior duração para verificar os reais efeitos da gamificação no aprendizado.

Além do Prof. José Nunes e do estudante do doutorado em Química Guilherme de Lima Castro, também assinam o artigo os professores da UFC Antonio José Melo Leite Junior (Instituto UFC Virtual) e André Jales Monteiro (Departamento de Estatística e Matemática Aplicada), além do Prof. Francisco Serra Oliveira Alexandre, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).

Ícones referentes a algumas atividades de jogos desenvolvidas pelos alunos durante a disciplina (Imagem: Divulgação)
Ícones referentes a algumas atividades de jogos desenvolvidas pelos alunos durante a disciplina (Imagem: Divulgação)

Quanto à opinião dos estudantes em relação à experiência, o Prof. José Nunes considera que houve uma aceitação bastante positiva. Conforme um questionário aplicado ao final da disciplina, 97% dos alunos consideraram a gamificação uma estratégia inovadora de ensino, e 90% disseram que ela promove a aprendizagem; 100% responderam que os jogos de tabuleiro (adaptados para o formato virtual por conta da pandemia) promoveram a interação entre a turma, e 97% apontaram que esses jogos também contribuíram para a aprendizagem.

Incentivo ao aprendizado

O estudante Diogo Thomas, que participou da experiência, diz que considera a utilização de jogos uma ideia inovadora e uma ferramenta bastante interessante como metodologia capaz de incentivar o aprendizado.

“Isso porque [essa metodologia], além de contribuir com o estudo do aluno por conter questões a respeito dos assuntos abordados, ainda favorece a interação entre os estudantes, o que considero algo muito positivo, visto que muitas vezes o estudo em grupo pode auxiliar no entendimento do conteúdo. Além disso, a utilização de jogos diversifica o processo de aprender, ao adicionar o lúdico, o que pode tornar esse método mais atrativo para os alunos do que apenas ler livros e resolver questões”, diz Thomas, acrescentando que a “competitividade saudável” também foi um ponto positivo.

Necessidade de adequação

“Cada uma das dificuldades que alunos têm em seus processos de aprendizagem são fatores que devem ser levados em conta pelos educadores. Todavia, em minha opinião, o principal fator que devemos levar em conta é que os alunos de hoje não são os mesmos do passado. Portanto, como educadores, devemos adequar nossas metodologias didáticas para falarmos a mesma linguagem de nossos alunos de hoje, os chamados nativos digitais”, defende José Nunes.

Por isso, desde 2010 o Laboratório de Design de Softwares Educacionais, coordenado por Nunes, tem se dedicado à tarefa de criar ferramentas educacionais que possam melhorar o aprendizado dos estudantes. Dentre essas ferramentas, os jogos educacionais têm tido especial destaque por serem bem aceitos pelos estudantes. Neste semestre, o professor está ministrando, pela primeira vez, a disciplina Design de Jogos Educacionais em Química, para os alunos de mestrado e doutorado da Pós-Graduação em Química da UFC. “A semente está sendo lançada. Vamos aguardar os frutos em um futuro próximo”, projeta.

Fonte: Agência UFC

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