Pesquisadores usam proteína de peixe para melhorar implantes Inovação

segunda-feira, 6 novembro 2017
Keicyanne dos Anjos

Lectina extraída da Tilápia do Nilo pode ajudar pacientes transplantados reduzindo os riscos de rejeição e de infecções pós-cirúrgicas

Melhorar a qualidade dos implantes ósseos ou dentários, tornando-os mais eficientes ao se integrarem ao organismo do paciente transplantado. No decorrer de sua pesquisa, a biomédica Keicyanne dos Anjos encontrou nas amostras de lectina, um tipo de proteína extraída do soro do peixe Tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus –OniL), um caminho bastante promissor. “Esta lectina já estava sendo estudada em outros projetos do nosso grupo e sabíamos que ela apresentava uma excelente propriedade mitogênica (que estimula a proliferação celular) e também imunomoduladora, então decidimos aplicá-la sobre os nanotubos de dióxido de titânio, com o intuito de fornecer estas mesmas propriedades à nossas amostras. Esperávamos assim que as amostras revestidas com a OniL exibissem uma melhor biocompatibilidade, do que aquelas que não haviam sido funcionalizadas”, explica a pesquisadora.

A pesquisa inédita está sendo desenvolvida em parceria pela Fiocruz Pernambuco e o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene). A lectina é um tipo de proteína que tem afinidade pelo açúcar, presente na superfície das células. Essa característica da lectina a faz atrair as células para se depositarem na superfície do implante, favorecendo uma melhor integração ao tecido ósseo.

Os pesquisadores observaram que a presença da lectina no implante propiciava uma colonização pelas células do paciente muito mais rápida e uniforme. “Se elas são as primeiras a aderir no local, as bactérias ficam sem espaço para se instalarem e dar início a um processo infeccioso, um risco frequente nesse tipo de intervenção”, afirma a pesquisadora. As infecções associadas a implantes médicos costumam ser resistentes aos mecanismos do sistema imune e difíceis de tratar com antibióticos.

Comparação entre os nanotubos de dióxido de titânio com a geometria óssea. Pesquisadores observam semelhanças.

Biocompatibilidade

O objetivo da pesquisa foi modificar a superfície desses nanotubos, utilizando lectinas e nanopartículas de prata, a fim de melhorar a biocompatibilidade e conferir propriedades antimicrobianas. “Isso porque, embora o titânio tenha várias vantagens sobre outros biomateriais, no longo prazo podem acontecer problemas de rejeição”, explica a biomédica Keicyanne, que desenvolveu a pesquisa durante o mestrado em Biociências e Biotecnologia em Saúde na Fiocruz PE, de 2013 à 2015.

Os implantes utilizados na pesquisa foram produzidos com nanotubos de dióxido de titânio – um material utilizado para substituir ossos e outros tecidos duros do corpo humano. Os nanotubos foram sintetizados no Cetene por um processo que cria uma camada de óxido, que protege a superfície do metal e produz microrrugosidades. Este processo é chamado de anodização. Eles formam um arcabouço para que as células se reconstruam na superfície de contato com a prótese, num formato muito semelhante à estrutura original dos ossos. Isso favorece a osseointegração e faz com que esse material seja muito utilizado atualmente em implantes.

Por se tratar de uma pesquisa inicial in vitro, os testes são realizados principalmente em células oriundas de tecido ósseo para que os pesquisadores possam mimetizar ao máximo a interação do titânio com o tecido que ele venha a substituir – nesse caso, o tecido ósseo. “No entanto nós também estamos avaliando a hemocompatibilidade das nossas amostras, pois as proteínas e células sanguíneas também exercem um papel fundamental nesse processo de integração entre o implante e o osso”, adianta Keicyanne.

A lectina é líquida e é impregnada em cima dos nanotubos.

Próximos passos

A biomédica Keicyanne já iniciou um desdobramento dessa pesquisa, agora no doutorado, utilizando implantes em animais. Os parâmetros estão sendo definidos, para incorporar novos materiais ao titânio e refazer a aplicação da prata, com um método diferente. “Estamos aprimorando as amostras e realizando novos testes in vitro, pois além da excelente biocompatibilidade que foi observada nós queremos agregar propriedades antimicrobianas à esta superfície. Assim, além de melhorar o processo de osseointegração também poderemos reduzir os riscos de infecções pós-cirúrgicas”, afirma.

Ela espera que em aproximadamente dois anos toda a parte in vitro e in vivo estejam finalizadas e com bons resultados. Quanto aos testes com humanos, a pesquisadora é cautelosa e diz que ainda é cedo para estimar um prazo. “Precisamos observar as respostas que teremos em modelo animal para avaliarmos a aplicação em humanos. Isto também envolve um grande processo de avaliação em comitês de ética, e principalmente de investimento financeiro, que infelizmente vem piorando a cada dia no Brasil e retardando o crescimento da área científica”, detalha.

 

Edna Ferreira

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