Estudo feito com camundongos teve resultados satisfatórios
Pesquisadores do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM-UFC) estão investigando novas possibilidades de tratamento para a depressão. A depressão refratária ou resistente, caracterizada pela presença de sintomas crônicos e não responsividade aos medicamentos, uma condição presente em torno de 30% dos pacientes diagnosticados com a doença.
Uma das hipóteses que vem se fortalecendo nos últimos anos é a relação entre o surgimento do transtorno de humor como decorrência de uma inflamação crônica no paciente, tendo em vista que essas pessoas costumam apresentar marcadores inflamatórios aumentados. Essa é a premissa do estudo de cientistas do Laboratório de Neuropsicofarmacologia, vinculado à Faculdade de Medicina da UFC, na análise do desempenho de anti-inflamatórios para o tratamento de depressão refratária. A pesquisa está publicada na revista Pharmacology Biochemistry and Behavior e tem como primeiro autor o doutorando Daniel Moreira Alves da Silva.
Foram testados dois anti-inflamatórios amplamente comercializados no Brasil – celecoxibe e etoricoxibe – utilizados no tratamento de eventos de inflamação aguda e em algumas condições crônicas, como artrite reumatoide, osteoartrite e espondilite anquilosante. Os fármacos são da classe dos anti-inflamatórios não hormonais e atuam fazendo a inibição seletiva da ciclooxigenase-2 (COX-2), enzima relacionada aos fenômenos da inflamação e que vem sendo associada, na literatura médica, a doenças neurodegenerativas e transtornos de humor.
Os experimentos neuroquímicos centraram-se na avaliação dos efeitos dos dois medicamentos no sistema nervoso central. Em uma primeira etapa, foram induzidas alterações comportamentais e inflamatórias em camundongos por meio da exposição a uma molécula presente na bactéria Escherichia coli. Organismo encontrado no trato intestinal de humanos e de muitos animais, a Escherichia coli pode ser detectada ainda em ambientes contaminados, como água e solo, especialmente quando esses locais entram em contato com fezes. Algumas cepas dessa bactéria até podem ser inofensivas e fazer parte da microbiota intestinal normal, enquanto outras podem causar doenças.
Essa molécula complexa da Escherichia coli é chamada de lipopolissacarídeo (LPS). Ao ser reconhecida pelas células do corpo, pode desencadear respostas inflamatórias potentes e, com isso, causar prejuízos ao sistema nervoso. Por esse motivo, explica a coordenadora do Laboratório de Neuropsicofarmacologia, Francisca Cléa Florenço de Sousa, a LPS é um importante agente indutor de inflamação utilizado no estudo de processos inflamatórios e em pesquisas de neurofarmacologia.
A docente informou que modelos experimentais de depressão, como a administração de LPS em animais, provocam um estado inflamatório que imita sintomas comportamentais semelhantes à depressão, como anedonia (perda da capacidade de sentir prazer nas atividades cotidianas) e redução da motivação. Ela explica que esses modelos ajudam a validar a ligação entre inflamação e sintomas depressivos e são excelentes para se testar medicamentos.
Dentro dessa investigação sobre a influência dos processos inflamatórios na depressão, os pesquisadores levaram ainda em consideração a possibilidade de distúrbios gastrointestinais como gatilhos para o surgimento de transtornos de humor. “Interessante que nós, seres humanos, podemos sim ser expostos ao LPS em diversas situações, como em infecções ou contato com bactérias de forma recorrente. Outra situação bastante interessante são as alterações na microbiota intestinal, que favorecem a passagem de bactérias do trato gastrointestinal para a circulação sistêmica, um fenômeno que a gente chama de translocação bacteriana através da passagem desses micro-organismos pela barreira intestinal, que podem levar o LPS a entrar em contato com nossas células imunes circulantes e desencadear respostas inflamatórias”, detalha Sousa.
Uma vez presentes os comportamentos depressivos e ansiosos nos animais, eles foram tratados oralmente, por cinco dias, com pequenas doses de celecoxibe e etoricoxibe, para que fossem diminuídas as possibilidades de ocorrência de efeitos colaterais cardiovasculares. Ao final desse período, os pesquisadores analisaram o hipocampo, o córtex pré-frontal e o estriado do cérebro dos camundongos para avaliação de parâmetros e quantificação dos marcadores inflamatórios. Os resultados foram promissores: os medicamentos foram capazes de reverter a maioria das alterações comportamentais, reduziram os marcadores inflamatórios e os de estresse oxidativo em diferentes partes do cérebro e potencializaram o sistema de defesa do órgão, aumentando as defesas antioxidantes das células nervosas.
Constatada a eficácia nos testes em animais, abre-se uma perspectiva para que, no futuro, substâncias já existentes no mercado, como os anti-inflamatórios celecoxibe e etoricoxibe, possam ser utilizadas no tratamento da depressão refratária. Para a professora Sousa, o redirecionamento de fármacos constitui uma perspectiva inovadora em farmacologia, uma vez que resulta em economia financeira, aceleração do tempo de desenvolvimento e menor necessidade de testes de toxicidade.
“Conseguimos, a partir de nosso estudo, mostrar correlações importantes, particularmente envolvendo a ação do celecoxibe na atenuação de comportamentos semelhantes à depressão, por meio da melhora das defesas antioxidantes. Também a potencial ação antidepressiva do etoricoxibe, na supressão de citocinas pró-inflamatórias em nível do sistema nervoso central. O conjunto de resultados promissores obtidos, o fato de trabalhar com medicamentos que já são comercializados e explorar a hipótese inflamatória da depressão trazem o caráter inovador de nosso estudo”, afirma a pesquisadora.
Apesar dos resultados positivos, os pesquisadores enfatizam que os testes foram conduzidos em camundongos, não sendo, neste momento, possível mensurar o uso ou dosagem em pacientes com transtornos de humor.
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Agência UFC - Edição Nossa Ciência
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