Estudo foi realizado no Parque Nacional da Furna Feia, no interior do RN, e revelou espécies de mamíferos silvestres que ainda são encontrados no sertão
O desconhecimento sobre as coisas da natureza tem sido uma realidade crescente, fazendo com que muitas pessoas deixem passar despercebido o meio ambiente a sua volta. Nos centros urbanos, e até mesmo na zona rural, a modernidade tem nos distanciado cada vez mais do convívio com animais e plantas que estão “ali do nosso lado”, ou seja, das espécies nativas, que são as que ocorrem naturalmente em um lugar. Esse desconhecimento é refletido geralmente na importância que se dá (ou não) para as florestas e seus genuínos habitantes. Só preservamos o que consideramos importante, e só damos importância a aquilo que conhecemos.
Pensando em contribuir para mudanças nesta realidade, um projeto que nasceu em 2013 no Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) tem buscado identificar e mapear as espécies de mamíferos silvestres que ocorrem na Caatinga do estado. Ao longo de seis anos, o grupo publicou trabalhos científicos e realizou ações de divulgação que deram destaque para animais como veados-catingueiros, gatos-do-mato de várias espécies (inclusive os pintados, aqueles que parecem miniaturas de onças-pintadas), raposas, guaxinins, tamanduás e até mesmo onças-pardas. Está surpreso? Mas é isso mesmo! No Rio Grande do Norte ainda existem todos esses animais e muitos outros que sequer imaginamos.
Agora, o foco tem sido uma importante área do RN, o Parque Nacional da Furna Feia. Primeiro e único do estado, esse parque nacional foi criado em 2012 com o objetivo de preservar os ecossistemas naturais da região, além de promover a educação ambiental e o turismo ecológico. A unidade de conservação se estende por mais de 8000 hectares entre os municípios de Baraúna e Mossoró, no oeste potiguar. Para se ter uma ideia, isso equivale a mais ou menos 8000 campos de futebol somados, abrigando um patrimônio espeleológico (relativo às suas cavernas) e arqueológico (com várias pinturas rupestres) incalculável e que hoje está protegido pelo órgão do governo federal ligado à conservação da natureza, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Projeto Felinos da Furna Feia fortalece necessidade de conservação da área do parque
Que o parque é rico em cavernas e pinturas rupestres já sabemos. O que era um mistério e até então pouco se sabia, eram dados consistentes sobre a sua biodiversidade, tais como quais espécies de animais ocorriam na área, especialmente em relação aos mamíferos. A escolha por esse grupo é por ele ser um importante indicativo de “saúde” da natureza na região, uma vez que esses animais realizam funções ecológicas como a dispersão de sementes e controle da vegetação e de outras espécies.
Fotos: alguns dos animais encontrados na Caatinga do Parque Nacional da Furna Feia durante as pesquisas
Legendas: nome das espécies (populares e científicos): casal de raposa ou cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), veado-catingueiro (Mazama gouazoubira), macaco-prego (Sapajus libidinosus), tatu-peba (Euphractus sexcinctus), tamanaduá-mirim (Tamandua tetradactyla) e preá (Galea spixii).
Neste contexto, o Projeto Felinos da Furna Feia veio em 2018 com objetivo principal de identificar quais espécies de felinos silvestres ocorrem na região e o quanto as suas populações estão saudáveis na área, considerando a relevância do parque em abrigar bichos tão importantes e ameaçados de extinção, como é o caso do gato-do-mato-pintado.
Do início até aqui o projeto já soma número expressivos. Ao todo já foram registrados no parque 14 espécies de mamíferos terrestres silvestres (que se deslocam pelo chão, já que os morcegos também são mamíferos), das quais 11 são espécies de médio ou grande porte, aquelas com mais de 1 kg de peso, geralmente mais ameaçadas e raras, incluindo três espécies de felinos silvestres que ocorrem na área. Vivem no parque animais como o veado-catingueiro, o macaco-prego, o tamanduá-mirim, e claro, os gatos-do-mato, foco principal do estudo, que são três: gato-do-mato-pintado (peso médio de 2,5 kg), gato-mourisco (peso médio 4,5 kg), conhecido na área como gato-vermelho ou gato-azul, já que naturalmente podem haver indivíduos da espécie com coloração laranja/avermelhada ou cinzenta, e por fim, a jaguatirica ou gato-açu (peso médio 8 kg). Desses, o gato-do-mato-pintado e o gato-mourisco estão ameaçados de extinção no Brasil, reforçando a importância do parque para preservar espécies que estão vulneráveis.
Como funciona o projeto e quem são seus beneficiados
Atuando em três diferentes frentes de trabalho, o projeto tomou algumas iniciativas, com apoio da gestão do parque, dos moradores locais, além do fundo internacional de conservação The Mohamed bin Zayed Species Conservation Fund. Em primeiro lugar, foi feito o levantamento dos dados das espécies em campo, tentando identificar os seus habitats preferenciais e o tamanho das suas populações com ajuda de câmeras especiais instaladas na floresta. Esses equipamentos possuem sensores de calor e movimento que permitem o registro automático de todos os animais que passam na sua frente. Em seguida, realizaram-se mais de 90 entrevistas com os moradores locais para saber seus conhecimentos e suas relações com os felinos silvestres e com o parque. Por fim, promoveram-se ações de divulgação e valorização desses animais e da biodiversidade do parque em escolas da região, envolvendo mais de 1000 crianças e adolescentes que ouviram, por pouco mais de uma hora, sobre os animais que existem logo ali, muitas vezes a poucos quilômetros de casa, mas que muitos deles nunca tinham visto, ou sequer ouvido falar, e agora puderam vê-los em imagens e vídeo. Para a analista ambiental do Parque, Lúcia Guaraldo, “conhecer o Parque e seu rico ecossistema é fundamental para a eficiência da preservação, que passa por todos nós, de população residente do entorno à equipe gestora da unidade de conservação.”
O trabalho realizado nas comunidades do entorno do parque, que somam mais de 10 localidades, ajudará a entender como as pessoas se relacionam com os felinos e com o parque, contribuindo assim para o sucesso da unidade de conservação. A próxima etapa do projeto é a compilação e análise dos dados coletados para gerar informações relevantes para os gestores ambientais. Sobre isso, Lúcia revela que “o estudo será, inevitavelmente, incluído no Plano de Manejo, em elaboração, do Parque Nacional da Furna Feia.
Para além da contribuição com o parque, o grupo de pesquisadores da UFRN, liderado pelo biólogo e doutorando Paulo Henrique Marinho e pelo professor Eduardo Venticinque, pretende continuar estudando e divulgando a rica e subestimada biodiversidade da Caatinga potiguar para os cientistas e para os moradores do sertão, afinal é preciso conhecimento para o engajamento ambiental e é preciso um meio ambiente saudável para uma vida de qualidade, seja na cidade ou no campo.
Livia Cavalcanti é Jornalista, graduanda em Ecologia na UFRN e Paulo Henrique Marinho é Biólogo, doutorando em Ecologia na UFRN.
Veja mais fotos na Galeria de Imagens: Projeto Fauna da Caatinga Potiguar e Parque Nacional da Furna Feia
Saiba mais: Estudo recentemente publicado em uma revista científica argentina
Livia Cavalcanti e Paulo Henrique Marinho
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