Pesquisadores identificam novas áreas para conservar espécies da caatinga Especial

terça-feira, 27 abril 2021
A onça pintada é uma das espécies ameaçadas na caatinga, assim como a maior parte dos animais de grande porte, em razão da perda de área de habitat.

Equipe da UFBA aponta áreas prioritárias para a conservação de espécies animais do semiárido do nordeste brasileiro

Localizada no semiárido do nordeste brasileiro, a caatinga é um bioma com apenas 9,1% de sua área protegida, o que representa 9,8% de área de habitat de vertebrados terrestres, resultando em espécies ameaçadas e raras que estão desprotegidas, sem condições adequadas de sobrevivência. Aumentar para 30% o índice de proteção desse importante bioma pode assegurar a preservação de todas essas espécies, com a definição de áreas prioritárias identificadas pelo estudo liderado por Thaís Dória, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFBA, com orientação do professor Ricardo Dobrovolski, do Instituto de Biologia, publicado recentemente em artigo na revista científica Biological Conservation.

Com o estabelecimento de áreas prioritárias considerando a biodiversidade e o crescimento da proteção ambiental, o estudo mostra que é possível proteger adequadamente o habitat das espécies de animais vertebrados na caatinga. “A gente consegue cobrir habitats de todas as espécies analisadas, principalmente das que estão em maior risco de extinção, como espécies que têm distribuição pequena e restrita ao bioma, ou que já estão classificadas como ameaçadas”, afirma Thaís Dória, explicando que cada espécie foi analisada quanto ao grau de ameaça, seu nível de endemismo, extensão da distribuição, áreas de preferência, entre outros critérios.

Preservar 30% de todos os biomas do planeta é uma das metas definidas para o ano de 2030 pelo Global Deal for Nature (GDN), plano cientificamente embasado para proteção da diversidade da vida no planeta Terra. Atualmente, na caatinga, as áreas de preservação representam 8,64% do bioma, e as terras indígenas, mais 0,44%, somando o total de 9,08%. “Nesse artigo, propusemos áreas prioritárias para a conservação da caatinga. Utilizamos dados globais de distribuição de 1.014 espécies de vertebrados terrestres (mamíferos, aves, répteis e anfíbios) e refinamos essa informação com dados locais”, explica o professor Dobrovolski.

Região caracterizada por florestas tropicais secas, savanas e arbustos, a caatinga tem uma extensão de 827.838 km², segundo dados do IBGE de 2004. É marcada por longas secas, baixos índices de desenvolvimento humano e exploração intensiva dos recursos naturais. Estima-se que mais de 50% da sua vegetação natural já sofreu degradação e uma grande proporção de sua área é suscetível ou já afetada pela desertificação. A situação pode ser agravar com as mudanças climáticas e o aquecimento global, alerta o estudo.

“A caatinga é ainda um bioma negligenciado que precisa de atenção”, diz o professor, que considera a investigação sobre a biodiversidade da caatinga muito importante para um bioma que precisa de mais ações de conservação e pesquisa. “Ainda que muita gente boa pesquise e lute por ele”, acrescenta.

Foram analisados pelo estudo o sistema de unidades de conservação atual no bioma e as áreas propostas para a sua expansão. A investigação também se baseia em informações como a lista vermelha de espécies ameaçadas, conforme avaliação regional coordenada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), o mapeamento da área de habitat das espécies e dados do MapBiomas, projeto de mapeamento anual da cobertura e uso do solo do Brasil, que envolve uma rede colaborativa formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia, especialistas nos biomas, usos da terra, sensoriamento remoto, e ciência da computação, que utiliza processamento a partir da plataforma Google Earth Engine para gerar uma série histórica de mapas.

Localização da caatinga no nordeste brasileiro, com identificação das áreas protegidas, áreas prioritárias e terras indígenas, de acordo com dados do IBGE, Ministério do Meio Ambiente e FUNAI

A relação entre área e espécies é uma das leis básicas da natureza, conforme destaca o Dobrovolski. A preservação do habitat natural é fundamental para a sobrevivência dos diferentes animais. “A maior ameaça à biodiversidade é a destruição de áreas de habitat“, afirma. Uma das espécies ameaçadas na caatinga é a onça pintada, maior felino das Américas, que sofre com a falta de área de habitat, como a maior parte dos animais de grande porte. No estudo realizado pelos autores, anfíbios e répteis endêmicos (isto é, restritos ao bioma) e ainda pouco conhecidos (‘deficientes em dados’) foram destacados como espécies que podem ser beneficiadas pelas áreas prioritárias identificadas.

Foram combinadas informações disponíveis em diferentes escalas, do global ao local, para avaliar a representação das espécies nas áreas protegidas, terras indígenas e áreas prioritárias definidas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) no ano de 2016, que são comparadas às áreas estabelecidas como prioritárias pelo estudo. Ainda que superem o índice de 30% de proteção do bioma, as áreas prioritárias definidas pelo governo não se mostram capazes de garantir o habitat adequado para todas as espécies analisadas.

Além de dados locais referentes, por exemplo, à altitude e uso do solo, a análise considera um cenário ideal para definição dos melhores locais para assegurar a representação das espécies, independente de interesses econômicos. “Diferentes estratégias devem ser consideradas para conciliar ganhos sociais e econômicos para 286 milhões de pessoas nesse bioma sem destruir a sua biodiversidade”, defendem os autores no artigo.

Eles apontam as fortes evidências do papel essencial das terras indígenas para melhorar a conservação biológica, com atividades de subsistência que podem contribuir para evitar o desmatamento e mitigar os impactos adversos das mudanças climáticas, sendo exemplo para a sociedade de outros tipos de relação com a natureza. Além disso, essas áreas garantem direitos fundamentais para as populações indígenas e preservam suas heranças culturais.

O atual modelo de proteção da caatinga, portanto, não proporciona a cobertura do habitat adequado para todas as espécies de animais vertebrados analisadas. Apesar dos benefícios das áreas de proteção para prevenir o desmatamento, a maior parte dessas áreas no bioma correspondem a categorias de uso sustentável, sendo extensamente representadas pelas Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que são consideradas mais permissivas e menos regulamentadas entre as categorias de administração do sistema brasileiro de conservação e, assim, mais vulneráveis à ação antrópica. “Acabam sendo áreas protegidas que, na prática, podem não estar contribuindo para a conservação da biodiversidade”, pondera Dória.

A conclusão é que as áreas protegidas atuais cumprem um papel muito importante, mas os pesquisadores apontam para a necessidade de criação de novas áreas em razão da distribuição da biodiversidade e do impacto sobre a vegetação remanescente. Eles também chamam atenção para a necessidade de incluir e atualizar dados sobre a realidade local. “É uma conclusão universal, sempre podemos fazer melhor, com melhores dados e melhores métodos. Esse é um dos fundamentos da ciência. E que está em falta”, afirma Dobrovolski.

O pesquisador destaca a importância do estudo realizado por uma mulher nordestina, pesquisadora na UFBA, que mostra que é possível otimizar investimentos e tornar mais eficientes as ações de conservação na caatinga, com artigo publicado em umas das mais importantes revistas científicas na área da conservação. O trabalho, segundo ele, mostra que a UFBA está formando profissionais e cidadãos com senso crítico e capazes de dar respostas à crise ambiental e outras questões sociais.

As áreas de proteção são apontadas como uma das possibilidades de ações de conservação para enfrentar um modelo de desenvolvimento econômico que destrói a natureza, promove a perda de vegetação natural e habitat de espécies animais. Dobrovolski lamenta os efeitos nocivos da ação humana contra a natureza e acredita que é preciso chegar ao entendimento de que o destino da humanidade está atrelado ao destino do planeta e sua biodiversidade. Defende as unidades de conservação como ferramenta fundamental nesse contexto. “São como arcas de Noé, que têm por objetivo fazer com que a biodiversidade atravesse o dilúvio atual que é a crise ambiental”.

A crise ambiental combinada com a crise sanitária e econômica, afirma o professor, é fruto da relação da humanidade com o meio ambiente. “Temos que criar unidades de conservação. Quanto mais, melhor”, reafirma ele, em referência às unidades que são áreas naturais legalmente instituídas e protegidas pelo poder público. “Espero que as políticas ambientais no Brasil voltem a avançar, pois disso depende a nossa vida”, conclui.

Fonte: Boletim Edgar Digital/UFBA

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