Pesquisadores desenvolvem curativo de regeneração óssea Saúde

quarta-feira, 27 outubro 2021
Pesquisadora mostra curativos que estão sendo desenvolvidos para recuperação do tecido ósseo (Foto: Ribamar Neto/UFC)

Pesquisa da UFC, com foco no uso odontológico, está em fase pré-clínica aponta uso promissor de curativo à base de celulose bacteriana e estrôncio

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará está desenvolvendo um curativo capaz de ajudar na reconstrução do tecido ósseo, com foco no uso odontológico. Diferentemente da maioria dos produtos que já existem no mercado, que atuam principalmente como barreira física, o novo produto possui duas características diferenciais: é bioativo (capaz de estimular o crescimento ósseo) e biodegradável (é absorvido pelo próprio organismo).

O curativo destina-se a procedimentos utilizados quando há perda da massa óssea, como no caso de algumas doenças periodontais. No método tradicional, o cirurgião-dentista realiza um enxerto com um osso biocompatível para estimular o crescimento ósseo na região da doença. Em seguida, implanta um curativo para impedir que o tecido da gengiva “invada” o local onde foi feito o enxerto. Após algum tempo da cirurgia, se a regeneração tiver sido bem-sucedida, o paciente é submetido a novo procedimento, desta vez para a retirada do curativo tradicional.

A equipe que desenvolveu o projeto quer simplificar esse procedimento. Segundo a pesquisadora Erika Luz, com esse novo curativo não seria necessário utilizar o osso biocompatível, uma vez que o produto é capaz de estimular o crescimento ósseo. E, como o curativo é biodegradável, também não é preciso realizar um segundo procedimento para a sua retirada, reduzindo os riscos de infecção. A pesquisa está em fase pré-clínica (realizada em animais). De acordo com os cientistas, os resultados têm se mostrado animadores.

Pesquisadora levanta os braços com dois frascos com pastilhas brancas, analisando-os contra a luz. Ela usa luvas azuis, jaleco e máscara brancas.
Pesquisadora analisa duas versões dos curativos ósseos: os biodegradáveis e os não-biodegradáveis (Foto: Ribamar Neto/UFC)

O projeto fez parte dos estudos de mestrado e doutorado de Erika Luz, com o apoio dos professores Rodrigo Vieira e Fábia Karine Andrade, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química da UFC, e da pesquisadora Morsyleide de Freitas Rosa, da EMBRAPA Agroindústria Tropical.  Os testes pré-clínicos estão sendo apoiados pelo Prof. Igor Iuco Castro da Silva, do Curso de Odontologia do Campus de Sobral, e pela Profª Vilma de Lima, da Pós-Graduação em Farmacologia e Odontologia do Campus do Porangabuçu.

O curativo

Para desenvolver o curativo, os pesquisadores mimetizaram a estrutura do osso humano, com adaptações. O osso é basicamente constituído por uma fase orgânica (colágeno) e uma fase inorgânica (hidroxiapatita, cujo principal elemento é o carbonato de cálcio).

No curativo, a fase orgânica foi produzida a partir de celulose bacteriana, que poderia se tornar biodegradável. Já na fase inorgânica, substituiu-se o cálcio por outro mineral, o estrôncio, que tanto tem a capacidade de estimular a formação óssea como de evitar a reabsorção do tecido ósseo mais antigo pelo organismo.

Pesquisadora Erika Luz ao lado do professor Rodrigo Vieira, ambos de jaleco, em laboratório, com diversas vidrarias e equipamentos
Pesquisadora Erika Luz e o professor Rodrigo Vieira, orientador da pesquisa (Foto: Ribamar Neto/UFC)

Com esses elementos, os cientistas sintetizaram o curativo de diferentes formas para tentar controlar duas características principais: a capacidade de degradação da celulose e a de liberação do estrôncio para o corpo humano. Isso porque os pesquisadores sabem que, dependendo do tipo de trauma, é necessário liberar logo uma quantidade grande de estrôncio para atenuar o problema da perda da massa óssea. Também sabem que uma quantidade grande demais pode ser tóxica para o ser humano. Já para a regeneração óssea, é importante a liberação prolongada de pequenas quantidades ao longo de semanas. Para o curativo funcionar bem, seria necessário compatibilizar todas as necessidades.

Encontrando soluções

A solução para esses problemas começou a ser desenhada ainda no mestrado de Erika: a pesquisa resultou em dois sistemas de liberação de estrôncio, cada um com uma taxa de liberação diferente. “É como se fossem duas camadas, duas doses. Esse curativo pode ser aplicado para que haja maior liberação de estrôncio em três dias, suficiente para aliviar o trauma. E, depois, a liberação de estrôncio em um gradiente muito menor por até seis meses”, explica o Prof. Rodrigo Vieira, orientador da pesquisa. Os testes para esse sistema foram feitos em laboratório.

No doutorado de Erika, um novo passo: os pesquisadores conseguiram modificar quimicamente a matriz da celulose para que o produto se tornasse biodegradável. A partir daí, fizeram testes de biocompatibilidade, que serviram para verificar se o produto não é tóxico e como se comporta sua degradação; e posteriormente um teste com animais para confirmar que o curativo induz o crescimento ósseo.

Mão com luva segura placa de petri com 16 pequenas pastilhas brancas, que são os curativos ósseos. Ao fundo, mesa de pedra, com alguns vidros de laboratório
Pesquisadora mostra versão de curativo ósseo que não se biodegrada (Foto: Ribamar Neto/UFC)

Neste último teste, os pesquisadores fizeram uma incisão na calvária (parte superior do crânio) de um rato e inseriram uma amostra do material. Isso é importante porque a calvária é uma região em que os ossos não conseguem se regenerar. Assim, qualquer mudança na área é provocada pelo curativo, e não por ação do próprio organismo. O resultado da pesquisa deve ser publicado em breve, mas os números são promissores, antecipam os pesquisadores.

Os próximos passos incluem nova pesquisa, desta vez para avaliar a capacidade de indução em um modelo de periodontia, com dentes de animais. Só então, o grupo deve avançar para a fase clínica, com humanos. Para isso, contam com o apoio dos professores Igor Castro da Silva e Vilma Lima, ambos da Odontologia da UFC (Sobral e Fortaleza, respectivamente).

O doutorado foi realizado com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Agora, o grupo está em busca de financiamento para essa nova etapa dos trabalhos clínicos. “Mais recentemente, temos realizado trabalhos com uma start-up parceira, a BIOMTEC, que tem a função de prospectar clientes com interesse em licenciar as tecnologias desenvolvidas em nossos laboratórios”, explica o Prof. Rodrigo Vieira.

Em paralelo, também estão fazendo pesquisas para dar entrada com pedido de patentes no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e se preparando para fazer registro do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

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