Pesquisador defende transdisciplinaridade para a ciência Saúde

quinta-feira, 10 dezembro 2015

Aplicação de conceitos como autonomia e consciência no estudo dos sistemas nervoso e imune é abordada por Cláudio Ribeiro, em entrevista ao Nossa Ciência.

Na segunda parte da entrevista concedida ao Nossa Ciência, durante Simpósio realizado em Natal/RN, o pesquisador da Fiocruz/RJ, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, fala de conceitos como autonomia e consciência e da relação destes com neurociências e imunologia. Para ele, é necessária a criação de tecnologias que permitam a transdisciplinaride entre as áreas.

Nossa Ciência: Há resultados da Jornada?

Cláudio Ribeiro: A 3ª Jornada deu origem a um número especial do Jornal Brasileiro de Neurociências, que vai ser enviado a todos e tem o compromisso da gente de dar continuidade a esse exercício. (links para as revistas referentes à 1ª e à 2ª Jornada disponíveis no final da matéria)

Eu não tenho conhecimento de projetos que nasceram para contemplar estudo de temas que foram definidos nas jornadas. Mas eu tenho a sensação que estamos chegando mais perto disso. Pela primeira estamos nos aproximando do estabelecimento de linhas de projetos a serem realizados em colaboração científica, para responder a perguntas identificadas no simpósio. Outra dificuldade é a tecnologia. A gente (Imunologia) trabalha para estudar linfócitos e neurocientistas trabalham para estudar neurônios. Nós usamos tecnologias distintas, abordagens diferentes. Na medida que a gente quer usar paradigma de uma ciência para estudar a outra, é possível que se depare com o problema de tecnologias que serão necessárias para contemplar essa necessidade de transdisciplinaridade, não é só interdisciplinaridade, é eu entrar numa área para estudá-la com paradigmas e técnicas da outra. Foi citado um exemplo aqui de físicos usando abordagens computacionais com bancos de textos variados, enormes, colossais mesmo para avaliar a proximidade de palavras, no sentido de (observar) com que frequência essas palavras foram usadas juntas. Qual é o grau de proximidade ou afinidade de palavras como gato e rato ou gato e helicóptero. Então, está surgindo uma tecnologia que permite que a gente avalie textos literários e os entenda sob o ponto de vista filosófico, semântico e isso está sendo feito por físicos, por profissionais da computação. Esse exemplo serve para dizer que o desenvolvimento de novas tecnologias pode facilitar essa aproximação que nós buscamos.

NC: Durante a discussão, foi levantado o tema da autonomia. Onde está a autonomia em uma ou outra área? Ela existe?

CR: Essa sua pergunta é extremamente difícil. Eu adorei a sua pergunta e quero pensar nela antes de responder (pausa breve).

O termo foi evocado no momento em que nós estamos analisando o funcionamento de robôs construídos pelo homem, que nos coloca diante de um desafio e de um temor muito grande, que é nós já temos máquinas construídas pelo homem que são capazes de vencer o homem. Por exemplo, foi construída pela IBM uma série de computadores (Deep Blue) para ganhar do Kasparov, que era o campeão mundial de xadrez e justamente porque ele era um indivíduo que era considerado frio, uma máquina, que não se sujeitava a pressão, capaz de mobilizar virtude dele, de auto controle e de distanciamento na análise das ações e das jogadas com tamanho maestria, tamanho domínio, que ele ganhava de qualquer um. E o robô – foi usada essa comparação ou essa terminologia  – se beneficiou do uso de prerrogativas quase humanas para enfrentar e ganhar do Kasparov. Lembro que, na época, eu falei para minha mulher: um computador foi construído para ganhar do campeão mundial de xadrez e ganhou. Isso significa que nunca mais o homem vai ganhar da máquina e ela disse que não. Que isso significa que nós temos que ensinar nossos filhos a ganhar da máquina e eu acho que ela tem razão. Eu contei isso para duas neurocientistas, que discordaram. Para elas, (o fato) significa que nós (humanos) podemos fazer outra coisa. Eu não concordo. Toda a ficção que nós criamos é muito próxima, tangencia de muito perto a realidade. Robôs que se tornam autônomos e que podem se voltar contra o criador são ficcionais, mas são potencialmente e ameaçadoramente próximos da realidade.  Aquela figura que deve ter uma força de coice possivelmente maior do que uma zebra ou um búfalo (link no final da matéria). Imagine se ela organizar ou reorganizar os circuitos dela para não desligar mais, não obedecer o controle humano de desligar! Isso é perfeitamente possível. A gente tem que estar apto a enfrentar o poder crescente que damos às máquinas sob o risco de nos tornarmos escravos delas. Essa discussão foi muito rica, se ele toma decisão ou não… Eu fiquei muito impressionado, ele anda, sobe escada, trota e galopa, portanto, sob o comando de avançar na velocidade, ele muda o padrão de marcha que está empregando, com isso, sob o ponto de vista cognitivo, eu posso dizer que é uma tomada de decisão. Os neurocientistas dizem que ele não tem um nível central que processa a informação e envia uma ordem (logo, não toma decisão).

NC: E trazendo para a imunologia, o que é autonomia?

CR: Os sistemas não-cognitivos  – como o renal ou o cárdio-respiratório – têm um funcionamento muito fino, preciso, regulado e complexo da mesma forma que o sistema cognitivo, mas não tem aprendizado no processo,  não tem memória e também não é possível a tomada de decisão, como o sistema nervoso e o imune tem. Se você tomar um litro de cerveja, vai urinar um litro de urina. Nos sistemas imune e nervoso, o padrão de resposta, vai ser decidido contextualmente, há uma tomada de decisão, ainda que não conscientemente. É mais fácil entender no sistema nervoso, a nossa tomada de decisão pode ou não ser consciente. No sistema imune nunca é consciente, mas existe uma tomada de decisão, não existe um padrão de resposta que vai ser estabelecida em função de um estímulo, nós temos sempre muitas possibilidades de resposta que dependem de contexto. Dependem da vivência imunológica do indivíduo, qual foi a rede de anticorpos que ele estabeleceu em função das infecções, das alergias ou das doenças imunológicas que ele já teve ou não.

A gente também discutiu consciência, cujas bases da nossa análise podem ser usadas para a análise do sistema imune. Nós queremos decorticar a análise do que seja consciente no nível biológico e molecular se possível tão fino, que nos permita usar no sistema imune ainda que sejam fenômenos que não tenham expressão da mesma forma no sistema imune e nervoso. Eu acho que ilustra a dificuldade do emprego de conhecimentos de fenômenos nos dois sistemas para pensarmos de forma cruzada.

Para ler a primeira parte dessa entrevista, acesse aqui .

Para saber mais sobre cada item, clique na palavra em destaque:

Robô.

Artigos da 1ª Jornada Fluminense de Cognição Imune e Neural 

Artigos da 2ª Jornada Fluminense de Cognição Imune e Neural 

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