Para pesquisadora Kátia Scortecci, memória das plantas é sinalizada para descendentes.
Durante bilhões de anos, os seres vivos foram selecionados a crescer na presença da gravidade, que é a força que atrai os corpos em função de sua massa. Se essa força interfere no desenvolvimento de todo ser vivo, numa situação de microgravidade é possível que ocorram alterações no metabolismo das células.
Tendo à frente a pesquisadora Kátia Castanho Scortecci, pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Biologia Molecular e Genômica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) procuram entender os efeitos da microgravidade em sistemas biológicos, com foco na observação da cana de açúcar.
A pesquisadora explica que a curiosidade acerca de como as plantas se desenvolveriam em condições sem gravidade vem desde a década de 1970, no auge da era espacial. Nos diferentes experimentos realizados foi observado que dependendo da espécie de planta o desenvolvimento ocorria normal, mas para outras espécies foi observado problemas de germinação, na formação de flores ou de sementes. Mais tarde, já na década de 1990, depois de experimentos com equipamentos como clinostato, random position machine e hipercentrífuga, considerou-se a possibilidade das plantas perceberem a microgravidade e a hipergravidade e sinalizarem essa informação para seus descendentes. “Com estes experimentos foi verificado que provavelmente as plantas perceberiam a condição de microgravidade e ou hipergravidade como um estresse oxidativo e esta percepção desencadearia uma cascata de sinalização”, afirma Katia. Esse foi o ponto de partida e a hipótese inicial da pesquisa.
Real
A observação pode ser feita com microgravidade real ou simulada. Os efeitos da microgravidade real nos sistemas biológicos podem ser observados a partir de foguetes de sondagem, queda livre em torre, voo parabólico ou na estação espacial. As pesquisas de Katia analisam dados obtidos em experimentos no foguete VSB-30, lançado no Centro de Lançamento de Alcântara, localizado no estado do Maranhão e em voos parabólicos, realizados na cidade de Bordeaux, na França.
Uma caixa hermeticamente fechada capaz de suportar a pressão da reentrada na atmosfera terrestre sem transferir nenhum estresse do choque às plantas de cana de açúcar que estavam em seu interior. Esse foi o primeiro desafio para a observação do efeito da microgravidade nas plantas. “Dois a três anos de preparação para desenvolver e validar o sistema e torná-lo apto para o voo do foguete. Foi necessária uma conversa com o pessoal de engenharia mecânica do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço). Eles desenvolveram duas caixas em alumínio, que aguentassem a pressão e que as plantas não sofressem estresse, porque a gente queria observar o efeito da microgravidade e qualquer efeito externo poderia atrapalhar isso”, explica a professora do Departamento de Biologia da UFRN.
Memória
Da análise dos dados já foi possível identificar que houve uma alteração na organização dos tecidos nas plantas e que essa alteração gerou uma memória celular. Essa memória é explicada por Katia como modificações na fita de DNA e que foram mantidas. “Quando a gente analisou o tecido dessa planta, vimos que ela tentou voltar à condição da planta que nunca foi submetida à microgravidade, mas ela manteve características da que foi submetida por seis minutos. Ela volta, mas alguma coisa ela manteve”, garante. A professora revela em seu currículo, na Plataforma Lattes do CNPq, que neste trabalho foram utilizadas as ferramentas de sequenciamento de RNA com a plataforma Illumina e da análise dos tecidos por microscopia de varredura e microscopia óptica.
Os seis minutos a que se refere a pesquisadora, foi o tempo de permanência do foguete em ambiente de microgravidade, na Missão Maracati II. A missão, entretanto durou muito mais. Somente a espera das condições meteorológicas ideais – a chamada janela de oportunidade – consumiu 28 dias. No dia do lançamento, 12 de dezembro de 2010, o experimento de Kátia estava pronto às 3h e foi entregue aos militares da Base de Alcântara às 7h para integrar o voo, que ocorreu às 12h35. A duração total do voo foi de 35 minutos, com um apogeu de 242 quilômetros e um alcance de 145 quilômetros. Chama-se apogeu a maior distância da Terra e o alcance a distância do ponto onde o foguete foi lançado. A carga útil do foguete, composta do experimento da professora Kátia e outros nove, ficou apenas nove minutos no mar, sendo resgatada pela equipe composta por 80 pessoas, dois helicópteros, duas aeronaves patrulha e um navio patrulha, da Agência Espacial Brasileira, responsável por toda a operação.
Após o resgate, os experimentos foram levados para uma ilha próxima, chamada Ilha de Santana, e lá, os militares treinados abriram os experimentos, isolaram as partes aéreas (de folhas) e as raízes das plantas, colocaram em tubos onde havia uma substância química que tem o papel de inativar metabolicamente a planta e voltaram para Alcântara.
Parabólico
A outra experiência com cana de açúcar em microgravidade realizada pela pesquisadora ocorreu em 2013, num voo parabólico, em colaboração com um grupo de pesquisadores da Universidade de Tubinga, localizada na Alemanha. O avião tipo Zero G decolou na cidade de Bordeaux, na França.
No voo parabólico foram simuladas condições normais de gravidade; condições de hipergravidade, em que cada corpo tem o dobro do próprio peso; e condição de microgravidade, onde há flutuação, de 20 segundos cada. O mesmo movimento foi repetido 20 vezes com paradas de 20 minutos entre as decolagens, para os pesquisadores organizarem os seus experimentos, por exemplo, colocando o inativador de células. O experimento durou três dias.
Melhoramento genético
Em campos de produção são várias as condições de estresse para as plantas. O solo nem sempre é o ideal, a radiação ultravioleta, no caso do Nordeste, é extrema e nem sempre tem água. As plantas tentam tolerar essas condições e produzir o melhor. O estudo vai na direção da compreensão dos mecanismos de funcionamento celular. Defendendo a importância da pesquisa básica, a professora afirma que se a possível identificação de marcadores para as condições de estresse a que as plantas são submetidas naturalmente, pode contribuir no melhoramento genético clássico ou pela transgenia. “Esses dados podem ser utilizados em qualquer tipo de pesquisa e dá pra ver o lado aplicado, mas não é coisa para cinco anos, vai ser a longo prazo, vai ter que juntar outras informações”, justifica.
Morreu
As amostras das duas caixas herméticas contendo 24 e 15 plantas que estiveram no foguete foram separadas para anatomia, para ensaios de proteína e ensaios de RNA. Destas, três indivíduos foram deixados em terra para investigação do seu crescimento na gravidade, depois de submetidas à microgravidade. No transporte, porém, dois pés ou indivíduos foram perdidos e a única que ficou, viveu um ano em terra e morreu. A morte da planta não pode ser explicada pelo fato dela ser a única remanescente do experimento.
Na próxima missão, que deve ocorrer ainda no primeiro semestre de 2016, uma das caixas será exclusivamente para plantas que vão crescer no solo, quando retornarem à Terra, é o que garante a doutora Scortecci. Dependendo do financiamento, a ressalva é da própria pesquisadora, a cada três ou seis meses serão coletadas amostras de folha, para análises bioquímicas, anatômicas e moleculares na tentativa de entendimento do metabolismo da planta.
A pesquisadora e seu grupo querem confirmar ou não se a planta guarda uma memória de gravidade zero. “Com isso, identificar novas informações nessas modificações metabólicas para a gente conseguir formar uma via, uma interação e elencar genes que seriam alvos para essa resistência, essa tolerância a condições de estresse”, torce.
O projeto de Katia Scortecci é um subprojeto no InEspaço (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos no Espaço).
Poderia enviar-me o artigo em que a pesquisadora fala do efeito da microgravidade nas plantas?