Estudo realizado na Ufal acompanhou rotina de sono de 138 pessoas de Maceió
Os homens são os mais afetados pelas noites mal dormidas e as mulheres mais resistentes diante das poucas horas de repouso noturno. Essas são algumas das evidências apontadas no relatório final da pesquisa sobre o sono , realizada com moradores de Maceió, liderada pela doutora na área de Psicobiologia, Luciane de Souza .
De 2015 a 2016, a pesquisadora acompanhou 138 pessoas em um estudo promovido pelo Laboratório de Eletrofisiologia e Metabolismo Celular, coordenado pela professora Adriana Ximenes, do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). O grupo de voluntários era composto por mulheres e homens, com idade de 20 a 39 anos (adultos jovens) e de 40 a 59 (meia idade).
Parte dos dados da pesquisa mostra resultados comparativos entre as rotinas de sono apresentadas por gênero e faixa etária. “De modo geral, a má qualidade do sono afeta a cognição e o estado de humor, mas os efeitos são diferentes entre homens e mulheres”, revela Luciane de Souza.
Com base nos dados da observação da rotina diária de cada participante e dos testes realizados, a pesquisadora constatou que o homem sofre mais com a perda da qualidade do sono. “A mulher é mais resistente, embora relate o maior número de queixas por causa das poucas horas de descanso”, afirma.
Segundo a pesquisadora, quando submetidos a testes de memória e atenção, os resultados mostraram que as noites ruins de sono não afetaram a memória de curto prazo visuoespacial, usada para identificação e localização de objeto, dos homens e mulheres voluntários da pesquisa. Já as memórias de curto prazo verbal, operacional verbal e visuoespacial, destaca Souza, mostraram-se mais afetadas nos homens que dormiam mal; enquanto nas mulheres só foi registrado um leve declínio na memória de curto prazo verbal.
“Esquecer palavras, decorar um número de telefone e depois ligar, montar um quebra-cabeça ou se localizar em um ambiente recentemente conhecido são tarefas que podem se tornar mais difíceis para o público masculino que não dorme adequadamente”, esclarece.
Ainda de acordo com o estudo feito com voluntários de Maceió, os homens se deitam mais tarde e dormem menos. Já as mulheres vão para cama mais cedo e dormem cerca de 24 minutos a mais que eles. “Outra observação interessante foi o fato delas demorarem mais a adormecer que eles, sendo que estes têm o sono mais fragmentado”, apontou.
Sem levar em consideração a qualidade do sono dos voluntários, Luciane explica que, na separação por gênero, nos testes aplicados de atenção visual concentrada e de memória de curto prazo verbal, homens e mulheres têm desempenhos equivalentes. Já em relação às memórias de curto prazo visuoespacial, operacional verbal e visuoespacial, esclarece Souza, os homens apresentam desempenho um pouco melhor do que as mulheres, especialmente, no que se refere ao domínio cognitivo visuoespacial, que corresponde à nomenclatura de objetos e ao senso de localização, por exemplo.
No teste de psicovigilância motora, que verifica o tempo de reação após um estímulo visual, Luciane relata que o homem se mostrou mais rápido, ou seja, com um tempo de reação menor. “No entanto, comete mais erro, tornando muitas vezes sua resposta imprecisa e impulsiva. É o que chamamos de falso start”, argumenta. “Já a mulher, apesar de mais lenta no tempo de reação, comete menos erros, apresentando maior eficiência na resposta”, contrapõe a pesquisadora.
Sono e idade
Na faixa etária de 20 a 25 anos, o dado que chamou atenção da pesquisadora foi o fato de os jovens dormirem a mesma quantidade de horas do grupo de pessoas com 50 anos. “Numa fase de aprendizado, de estudos no colégio ou na faculdade, a falta adequada de descanso resulta em alteração de humor e prejuízo cognitivo”, alerta. “Estudos já demonstram irritabilidade, agressividade e sintomas depressivos associados a horas insuficientes de sono”, adverte.
Segundo Luciane, nos questionários aplicados durante a pesquisa, os jovens também se queixaram mais de sonolência e desatenção, apesar de terem apresentado melhor desempenho nos testes cognitivos do que os mais velhos. “Observou-se uma leve diminuição no rendimento médio dos indivíduos a partir dos 40 anos de idade, sendo que aqueles com idade entre 20 e 39 anos de idade tiveram desempenho equivalente”, aponta.
O estudo também mostrou que em torno de 50% dos voluntários dormiam até seis horas de sono noturno. A pesquisadora esclarece que, de acordo com a Associação Mundial de Medicina do Sono, a duração adequada de descanso para a maioria dos adultos jovens é de sete a nove horas de sono, mas Luciane faz a ressalva de que há pessoas que se sentem bem dormindo apenas seis, os chamados “dormidores curtos”, realidade que não representa a maioria da população.
“Há ainda os ‘dormidores longos’, porém também representam uma parcela pequena”, diz. “O ideal é dormir o suficiente para promover o descanso, a restauração mental e orgânica, evitando assim flutuações do humor, além de manter o equilíbrio do sistema imunológico e cardiovascular, por exemplo. Dormir bem não é dormir muito e, sim, o suficiente”, ressalta a pesquisadora
Retorno para os participantes
Ao fim do período de observação e dos testes, cada voluntário da pesquisa recebeu um relatório de seis páginas, com um diagnóstico sobre a rotina de sono apresentada, além de indicações para dormir melhor. “Também fizemos convites para realizar procedimentos para higiene do sono. A maioria não voltou, infelizmente”, diz Luciane ao relatar a dificuldade de adesão e de mudança de hábito.
Entre as medidas solicitadas pela pesquisadora para melhorar a qualidade do descanso, estão a adoção de um horário regular para deitar e acordar, excluir o café e bebidas estimulantes depois das 17h, não usar o smartphone e o computador pelo menos uma hora antes de dormir. “Quando ouviam essas recomendações, muitos alegavam que era impossível. Para os alagoanos, tirar o café da noite é muito complicado”, relata. “Mas tivemos o exemplo de um rapaz com baixo desempenho cognitivo que, após seguir as recomendações, observamos aumento significativo no desempenho dos testes e na qualidade do sono”, ressalta.
Sobre a pesquisadora
Luciane de Souza tem trabalhos de mestrado e doutorado sobre o sono e fez sua pós-graduação na Universidade Federal de São Paulo. Ela passou três anos na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) devido ao Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional (PDCR), que promove a mobilidade de doutores para outros estados a fim de realizar pesquisas.
O PDCR é uma parceria do Governo Federal, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o Governo Estadual via Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal).
A pesquisa sobre o sono em Maceió foi realizada em duas etapas. Em um primeiro momento, os voluntários foram entrevistados sobre as condições de repouso nos últimos 30 dias, ingestão de bebidas alcoólicas, peso, altura, prática de atividade física, hábitos antes de dormir, grau de escolaridade e o cronotipo (para saber se é mais ativo no período matutino, vespertino ou se é intermediário, que se adapta facilmente a qualquer um dos horários).
Após esse contato, recebiam um aparelho chamado actígrafo, parecido com um relógio de pulso, e que registra o ciclo vigília-sono, ou seja, o período em que está acordado ou dormindo. O actígrafo deveria ser usado por 24 horas, admitindo-se a retirada apenas para o banho. Os voluntários receberam, ainda, um diário onde deveriam registrar, assim que despertassem, informações sobre a hora em que dormiu e acordou, quantas vezes levantou ao longo da noite, entre outros questionamentos.
Na parte seguinte do trabalho, foram submetidos a testes de memória e atenção, assim como a avaliação subjetiva do estado de humor, realizados no laboratório do ICBS. Os resultados do estudo foram obtidos a partir da análise e da confrontação de todos esses dados.
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