Tese de doutorado revelou o viés gerencial da folia que preserva espontaneidade com intrincadas relações de poder
Famosa por suas ladeiras e seus memoráveis bonecos gigantes, a cidade de Olinda é reconhecida também por possuir um dos maiores carnavais do mundo. Todos os anos, milhares de foliões brincam o carnaval em suas mais diversas agremiações. São as manifestações que traduzem a mistura dos costumes e das tradições de brancos, negros e índios, base da formação do povo brasileiro e de sua cultura. No entanto, o engajamento dos foliões de Olinda não se resume apenas em brincar o carnaval. Existe também um viés gerencial da folia olindense, revelando-se, assim, uma intrincada relação de poder entre as diversas esferas decisórias, sejam institucionais ou espontâneas.
Pensando nesse universo organizacional, Suélen Matozo Franco, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco (Propad-UFPE), analisou, em sua tese “No reinado de Momo, quem governa Olinda? – Governo, corpos e tecnologias políticas na organização do carnaval de Olinda”, as relações de poder envolvidas nesse evento mundialmente conhecido. A pesquisa foi realizada sob orientação do professor André Luiz Maranhão de Souza Leão.
Formações discursivas
A pesquisa chegou a cinco formações discursivas, quais sejam: a tradição como regime de verdade; a segurança como atribuição de governo; menos governo e mais autonomia; governo orientado pelo mercado, e generalização do mercado no fazer carnavalesco. A cada assertiva, a autora apresenta uma análise que sugere, entre outras, “a existência de uma tradição consolidada ao longo das décadas, que diz respeito não somente às manifestações culturais do carnaval, mas também ao processo pelo qual os foliões organizam, produzem e participam do festejo”.
Quanto à segurança, Suélen entende que o Estado mobiliza tecnologias de poder com vistas a aumentar os ganhos obtidos durante a realização do festejo, ao passo que tenta conter os prejuízos por este causados, sejam decorrentes da saturação da infraestrutura, sejam causados pelos excessos comuns às práticas do carnaval. A pesquisa indica, ainda, uma centralidade da administração pública no que diz respeito à provisão de recursos para que o festejo aconteça por parte da população. “Esse aspecto revela a relação entre a disponibilidade de recursos e as demandas do festejo e aponta para aspectos como eficiência, pontos críticos e contingências”, aponta.
Já com relação às relações de mercado, a autora entende que são tidas como um importante marcador que orienta a administração pública, e avalia: “Dessa forma, o retorno sobre os investimentos termina por delinear uma relação que se mostra de mão dupla entre governo e iniciativa privada, tendo como principal objetivo a perspectiva de ganho mútuo”. E também como um aspecto conclusivo da pesquisa, Suélen vê uma generalização do mercado no fazer carnavalesco, “denotada por meio do processo pelo qual as relações de mercado se tornam, cada vez mais, a tônica do fazer carnavalesco, havendo, assim, a generalização do mercado, em que gestão pública, sociedade e mercado operam sob um mesmo norte”.
Prêmio Capes
A pesquisadora entende que as conclusões do estudo apontam para a complexidade organizacional do festejo, na medida em que reúnem agentes e interesses distintos − entes da administração pública, artistas, foliões, dirigentes de agremiações etc. “São reveladas práticas de governo tanto da gestão pública quanto dos grupos de interesses diversos que integram o folguedo e novas racionalidades de governo ao longo das décadas”, explica.
A pesquisadora utilizou uma abordagem qualitativa e parcialmente indutiva, baseada na teoria do filósofo francês Michel Foucault sobre o poder como lente para observação de um fenômeno. “Queríamos investigar como a organização do carnaval olindense era perpassada pelas relações de poder. Assim foi necessário um recorte temporal que permitisse apreender as transformações. Por isso, investigamos quatro carnavais que distavam uma década entre si: 1986, 1996, 2006 e 2016”, conta a pesquisadora.
O trabalho também se valeu de dados da cobertura jornalística dos dois principais jornais de Pernambuco, o Diario de Pernambuco e o Jornal do Commercio, únicos jornais ativos no período de tempo analisado. As informações coletadas foram submetidas à Análise de Discurso Foucaultiana (ADF), por meio de um protocolo de análise sistematizado pelo orientador da pesquisa, que utilizou como base a obra “Arqueologia do Saber”, de Foucault.
O estudo, que recebeu o apoio da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe), foi eleito pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como uma das 49 melhores teses defendidas em 2017, ficando como primeira colocada na área de concentração de Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo. O prêmio foi entregue no dia 13 de dezembro de 2018, em Brasília.
Fonte: Ascom da UFPE
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