Para Valéria Correia, a universidade deve se voltar para as demandas da sociedade Educação

quarta-feira, 8 março 2017


Dando continuidade às publicações pelo Dia Internacional da Mulher, Nossa Ciência entrevista a reitora da Universidade Federal de Alagoas, Valéria Correia, que está investindo em ações sociais em prol das mulheres

Maria Valéria Costa Correia tem toda a formação em Serviço Social. A graduação foi realizada na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o Mestrado e Doutorado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o pós-doutorado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Antes de iniciar a carreira docente da Ufal, em 1994, teve uma vivência profissional na Secretaria Estadual de Saúde de Alagoas (Sesau), onde atuou na Superintendência da Coordenação de Promoção Social. Desde 2006 é coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Políticas Públicas, Controle Social e Movimentos Sociais. A terceira reitora, de um total de 13 reitores nos 56 anos da universidade alagoana conversou com Nossa Ciência por telefone.

Nossa Ciência – A Ufal tem dados sobre a participação de mulheres na pesquisa dentro da universidade? Em caso positivo, como avalia isso?

Maria Valéria Costa Correia – As bolsas de Produtividade em Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico são 73% para homens. Esse é um dado que já mostra uma diferença grande. É um dado recente e a gente ainda não tem ações afirmativas para reverter. Em termos de gestão, a gente tem 56 anos de universidade e teve 13 reitores e reitoras. Eu sou a terceira reitora.

NC – Que ações afirmativas em favor da mulher a Ufal tem realizado?

VC – No Outubro Rosa, a gente fez uma programação especial. Todas as quintas-feiras, o Hospital Universitário abria para atender as servidoras dos três campi. Outra ação foi um mutirão em cinco sábados para atender às estudantes em ginecologia e isso nunca tinha acontecido antes. Esse ano na semana da Mulher, vamos ter o lançamento do Comitê Violência Contra a Mulher, que vai inclusive acompanhar os casos de violência contra a mulher desde o assédio sexual até casos de abuso. Tem um grupo de mulheres que pesquisa, que faz extensão como o Frida Kahlo, tem a professora Elvira, a professora Andrea Pacheco, assistente social Rose que estão na coordenação junto com a CQVT (Coordenação de Qualidade de Vida e Trabalho). No dia 8, a gente vai ter uma Reitoria Itinerante com os movimentos sociais numa praça pública contra as opressões, violências e retrocessos na causa da mulher. De seis pró-reitorias, três são mulheres.

NC – Como é ser gestora de uma universidade importante, a mais antiga do estado de Alagoas, que tem mais de 50 anos de atuação?

VC – Nos 56 anos da Ufal, cuja data de aniversário é 25 de janeiro, também completamos o primeiro ano de gestão. Foi um desafio muito grande, mas estamos muito felizes, porque pegamos um período de realidade política e econômica muito adverso no país, o ano de 2016 e já iniciando também no ano de 2017 – 2016 foi ímpar na história recente do país – e para mim, para nossa gestão que nos propusemos a defender e a realizar uma gestão transparente, democrática, ter uma universidade autônoma, crítica e socialmente referenciada, a gente conseguiu, apesar da adversidade, realizar uma gestão com esses pilares. O Conselho Universitário, que é o órgão de deliberação da Universidade, hoje tem suas reuniões transmitidas on line, que antes não era permitido. A gente realizou a primeira audiência pública da história da Universidade nos primeiros cem dias de gestão e a segunda quando a completamos um ano de gestão, abrindo as portas da Universidade. Chamamos todos os segmentos (estudantes, técnicos e professores), a sociedade alagoana. Democracia e transparência, abrindo as contas da Universidade, prestando contas do que fizemos, também do que não fizemos e do que estamos para fazer. Criamos um Fórum Estudantil, para o qual convidamos os estudantes, os centros acadêmicos, o DCE e alguns movimentos não-institucionais de estudantes para também abrir as contas do Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAE, que é um programa dedicado à política estudantil. A pretensão desse fórum é definir a política estudantil da Ufal com o protagonismo dos estudantes e das estudantes. Gastamos 100% da dotação orçamentária pela primeira vez em alguns anos. Criamos também um fórum de técnicos e técnicas, criando uma aproximação, através da pró-reitora Carolina Abreu (Pró-reitoria de Gestão de Pessoas e do Trabalho – Progep), para fazer uma interlocução mais de perto. O primeiro tema do fórum foi a questão da qualificação técnica dos técnicos: que tipo de qualificação eles querem e estamos criando uma cota nos nossos programas de pós-graduação para os nossos servidores; também estamos debatendo uma cota de raça para negros nos Programas de Pós-Graduação e essa minuta está bem avançada. Esse fórum de colegiados de curso, que são os coordenadores de cursos, na Pró-Reitoria de Graduação – Prograd – esse fórum já existia mas a gente revitalizou, reestruturou e hoje todo debate ligado à graduação realizamos com a participação dos coordenadores, efetivamente a partir das demandas, dos problemas que eles tem. Outra decisão nesses tempos de vacas magras é uma decisão importante do ponto de vista da gestão e teve um efeito muito positivo, um foi priorizar os cursos em processo de avaliação pelo MEC ou em protocolo de compromisso, por exemplo o curso de Educação Física, o bacharelado noturno estava com dois anos sem entrada e era um desespero porque ele ia ser avaliado e podia ser fechado. Então, conseguimos qualificar o curso e ter um resultado satisfatório, ele foi avaliado com (nota) 3,0 e não fechou. O curso de Viçosa, que tem sete anos e é relativamente novo, também estava na sua última avaliação sem conceito e poderia fechar, criamos uma ação intersetorial – um grupo de trabalho – envolvendo infraestrutura, graduação, extensão, eu diria um mutirão dos coordenadores de curso e conseguimos a nota 4,0. A outra decisão que eu destaco na nossa gestão foi realizar os concursos das vagas disponíveis para a Ufal. Na primeira reunião da Andifes que eu fui em fevereiro (16), já vi a possibilidade de ocupar as vagas disponíveis e tomei a decisão de realizar concurso para isso e conseguimos realizar. Temos cerca de 111 professores já efetivados – acabei de dar posse para 10 novos professores – o quadro total de professores em números de 2015 era de 1.670 professores.

NC: A senhora informou que executou todo o orçamento, mas o país vive um momento de enxugamento de recursos em ações públicas, incluindo a educação. Como a senhora conseguiu?

VC – A gente criou um grupo de trabalho para revisar contratos. Revisamos quase todos os contratos de serviços terceirizados como, por exemplo, segurança e limpeza. Conseguimos diminuir os custos dos contratos sem diminuir os serviços, numa relação de diálogo com as empresas, mostrando a situação e assim conseguimos reduzir muitos gastos. Outra questão é a regulamentação do uso dos transportes e enxugando os gastos nesse sentido. Às vezes os transportes faziam viagens longas, quebravam, por isso estamos regulamentando o uso dos transportes e da manutenção. É resultado dessa política do GT de revisão dos contratos, de revisão desses gastos com toda a preocupação de não diminuir o serviço, não ter impacto no funcionamento da Universidade. Por exemplo, uma coisa que a gente conseguiu fazer foi colocar em dia a conta da energia elétrica, que é mais de R$ 1 milhão, é um dos maiores gastos da Ufal. Encontramos a universidade com dívidas de janeiro de 2015, com isso pagávamos R$ 30 mil de multa da conta da energia elétrica. Colocamos em dia e conseguimos cessar com o pagamento da multa. São pequenos atos de gestão que na soma dá um volume razoável e a gente conseguiu transcorrer o ano, dentro da conjuntura de cortes e de contingenciamento, com certa tranquilidade.

NC – Há um discurso de que no Brasil, a indústria e a academia não conversam, a indústria diz que a academia está encastelada e a academia diz que a indústria não quer correr riscos e só quer os resultados positivos da pesquisa. Qual é a sua leitura dessa realidade?

VC – Entrando no segundo ano de gestão, eu tive uma reunião com a Federação das Indústrias de Alagoas, com o presidente e outros membros da diretoria onde a gente foi se apresentar como nova gestão e também conversar sobre o setor produtivo do estado e a universidade. A gente sabe que também tem que ter uma articulação com esse setor que é nacional, que é do estado, é um setor que é feito por alagoanos. A federação reúne também outros setores, como serviços, os hotéis. A gente combinou e será uma ação nossa de fazer um estreitamento maior entre a universidade, nossos pesquisadores, as pesquisas na área e esse setor produtivo do estado. Por exemplo, eles não sabiam sequer que a gente tinha um hospital veterinário e a gente tem problemas no funcionamento desse hospital, principalmente nesse contexto de cortes, para equipá-lo. Então, começamos a conversar no sentido de fazer uma parceria com os produtores locais que recorrem a outros estados para cuidar dos seus animais. A gente pode estreitar relações de pesquisa e até de serviços, como no caso do hospital veterinário. Outro exemplo é a energia renovável. A gente pretende fazer a diversificação na universidade, eu criei um grupo de trabalho de energias com pesquisadores da área e precisamos ter uma articulação com a primeira fábrica de energia solar do estado, eles tem o recurso para investir em pesquisa e é até obrigação. Cumprindo o marco civil legal, respeitando a legislação que regula essa relação, fortalecer essa articulação, respeitando a autonomia universitária e os pesquisadores.

NC – Quais são os grandes desafios?

VC – O primeiro grande desafio é administrar a universidade com um corte de recursos. É enfrentar em 2017 uma gestão na qual já temos um corte no orçamento de 6,71%, e isso é uma realidade para todas as universidades brasileiras. O que significa para a Ufal, que tem um orçamento de R$ 20 milhões, é muito grave porque é a primeira vez numa série histórica de anos, que a gente tem não um contingenciamento, porque o contingenciamento quando se dá ocorre no meio do ano. No final termina faltando, como no ano passado até que os recursos todos de custeio previstos foram liberados. Os recursos de capital, que são para obras e equipamentos o que veio foi apenas 50%, mas deixamos a universidade funcionando. O problema desse ano é que não se trata de contingenciamento, mas se trata de corte em relação a esses últimos anos. Para 2017, temos um orçamento menor em 6,71% do que o ano anterior, para a gente significa dizer que se esse corte continuar as universidades não terminamos o ano, e nesse caso eu falo também como Andifes. O segundo grande desafio nesse segundo ano de gestão é aproximar mais a universidade da sociedade. Eu já convoquei a nossa gestão, a Pró-Reitoria de Extensão para realizar um grande evento, que é o Fórum Social Alagoano, onde vamos convocar os movimentos sociais, os movimentos do conjunto da sociedade civil organizada para participar dentro da Universidade de cinco eixos. Vamos escutá-los e também olhar para dentro da Universidade que grupos de pesquisa e extensão e que potencial e expertise a gente tem dentro da universidade em termos de tecnologia, de pesquisa, de extensão, de possibilidades de dar respostas à sociedade alagoana. Uma universidade que se volta para as demandas da sociedade.

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