Para a secretaria executiva de Ciência e Tecnologia da Paraíba, o grande problema da escassez hídrica que atinge quase todos os estados nordestinos deve ser resolvido pela ciência
NC: E como estamos nós no nordeste?
FG: Eu acho que a gente não está bem, não. A gente avançou muito, junto a região centro-oeste e menos a região norte naquilo com relação aos programas de pós-graduação mais qualificados, as infraestruturas de P&D nos laboratórios das nossas ICTs, o maior número de pesquisadores em listas de contribuições importantes, mas tudo o que eu falei em relação ao Brasil, a gente tem mais fortemente arraigado no nordeste. Por que a gente não usa nossa ciência para enfrentar a crise hídrica? Um problema secular que vai e volta. Por que a gente não tem uma ação planejada a médio e longo prazo onde se tenha de forma consorciada as instituições junto com a iniciativa privada criando as condições com essa situação? É falta de sensibilidade? Não. Todo mundo concorda que esse é um tema importante, mas na hora de fazer a operação acontecer, a gente não tem a condição de operar. E tem várias coisas que interferem. A primeira é a mudança a cada dois anos, a cada dois anos se tem eleição, o plano do gestor anterior não é o plano do gestor atual e essas coisas são descontinuadas. A política de planejamento regional no país é inexistente há muitos anos. Só quando Celso Furtado passou pela Sudene é que existiu essa semente. Não se fala em desenvolvimento regional. Cada estado segue a sua orientação.
NC: O nordeste tem situações semelhantes em várias regiões: o litoral tem semelhanças, o sertão tem similaridades e não há uma articulação. Considerando que os estados entram com metade dos recursos, se eles se organizassem poderiam determinar mais as políticas?
FG: Com o esvaziamento da Sudene, aquilo que foi pensado lá atrás por Celso Furtado deixou de existir. Tem-se tentativas em relação a temas dramáticos, como esse para a região como é o caso da crise hídrica, que acabam fazendo com que os governadores se reúnam, discutam em fóruns situações comuns a todos, mas não se consegue avançar. Eu me recordo que numa palestra de Tânia Bacelar no início desse ano quando ela fez um trabalho para o BNB chamado “Estudo para o Nordeste 2020/2022”, ela coordenou uma ação para o banco olhando para o horizonte do nordeste atém 2022 e uma das coisas que se levantou, para todos os eixos que estavam lá, em torno de 19 eixos, a C&T era um deles, foi a questão de renovar o fundo regional de desenvolvimento olhando para os desafios atuais. Mas quando você acha que a coisa está avançando, ela para. Isso não vai poder ser comandado pelo governador A, B ou C do estado tal. Isso tem que ser uma coisa de um órgão que seja legítimo, como a Sudene é e que tenha condições de capturar esse tipo de situação e levar à frente. O BNB poderia ser um agente também de desenvolvimento nessa linha, mas a compreensão do banco, em minha opinião, apesar de ter contratado um instituto extremamente estratégico para a região, ainda não chegou ao nível da operação.
NC: O que está faltando para esse entendimento, no caso dos bancos?
FG: Se olharmos para os analistas de crédito – o BNB é um banco – eles não conseguem compreender as empresas inovadoras da região nordeste porque eles são operadores de uma agroindústria, de uma indústria de base tradicional e por ai vai. Eles compreendem pegar 1 milhão de reais para investir na aquisição de máquinas, por exemplo, mas eles não compreendem a necessidade de se contratar um doutor em tempo integral para ele repensar todo o negócio olhando para os desafios do momento atual inserido no contexto. Não existe uma concepção clara de como isso pode ser feito. A gente no nordeste tem uma quantidade muito grande de desafios a superar inclusive com as nossas deficiências, institucionalmente falando, de entender o papel da inovação no momento atual de mundo, de país e de região. Existem algumas atividades na região nordeste que a gente tem uma expectativa e aposta, eu como secretária, sobretudo, de que se pode criar um novo recorte. O Instituto Nacional do Semiárido, que está localizado aqui na Paraíba, em Campina Grande é um exemplo. Ele não tem um corpo técnico grande, ele trabalha em rede com a base científica que está instalada no nordeste e a gente tem perseguido uma coisa que deve envolver os estados que é a bioprospecção do bioma da Caatinga.
NC: O que é essa bioprospecção do bioma da Caatinga?
FG: Nós temos uma riqueza imensa nesse tema não conhecida. São mais de 8 mil plantas nativas endógenas, que tem uma característica fantástica em termos de continuidade para gerar cadeias produtivas novas e que tem um impacto social importante. A gente não tem que se preocupar só em combater a miséria e a fome, temos que ensinar a pessoa a pescar. A gente tem uma função, eu que sou nordestina, como elos nesse repensar, nesse redesenho e temos que descobrir pelas nossas próprias características, mas é preciso que as instituições se permitam avançar. Por exemplo, nós fizemos uma ação agora no âmbito da região com três ou quatro FAPs envolvidas, sei que tem a Paraíba, Pernambuco e Alagoas e outro estado no combate às consequências da Dengue, do Zika, da Chicungunha. Se cada um põe um pouco de recursos, associa os cérebros que existem e as empresas que podem atuar é mais racional, o problema é de todos, nós estamos no foco do mosquito e das consequências. É preciso que a gente tenha isso como uma prática mais nossa. Foram 14 INCTs na região nordeste e foi um grande avanço porque antes predominava os nossos pesquisadores trabalhando em outros INCTs nas regiões sul e sudeste. Que bom que a gente está começando a mudar, mas tem muito ainda a fazer. A maior parte dos mestres e doutores que nós formamos aqui na Paraíba, que é um dos estados com a maior concentração de doutores para cada 100 mil habitantes, não estão aqui no estado, estão fora. A gente tem ainda a necessidade de ter a capacidade de fixar essa mão de obra que é bem qualificada seja nas nossas indústrias, seja nas instituições acadêmicas e científicas, seja no terceiro setor, que tem dado uma contribuição importante em várias áreas, seja nos ambientes de governo para que a gente tenha uma condição de oferecer um serviço mais qualificado ao próprio cidadão. Isso é parte de uma mudança estrutural que a sociedade está vivendo. Tem um último ponto que se destaca em relação às dificuldades que a gente passa: é a falta de líderes que concebam esse caminho como uma trajetória vencedora.
NC: Eles devem ser pesquisadores?
FG: Eles devem estar espalhados em todos os segmentos da sociedade, inclusive em diferentes faixas etárias. O jovem que está saindo do (ensino) médio e do superior defendendo isso, entende que isso é importante para o futuro dele. Tem que ter a educação infantil sendo formada desde cedo para a importância da Ciência. As pessoas que estão no emprego no comércio tendo a compreensão de que isso é importante, os professores, os parlamentares, deputados, vereadores e claro, os cientistas também são importantes. Voltando à pesquisa do CGEE, pergunto, quais são os pesquisadores do nordeste que tem dado uma contribuição efetiva? Tem tantos e que causaram impacto em relação ao que se faz hoje no Brasil e até em algumas partes do mundo. Isso é importante que seja visto e é o cientista social, é o cientista da biotecnologia, do impacto na saúde, da engenharia. A Universidade Federal da Paraíba fez uma solenidade para premiar 150 inventores dos seus quadros. Se a gente não tiver a dinâmica de estar sempre reconhecendo quem são as pessoas que param um pouquinho para pensar sobre algumas coisas de uma maneira diferente, a gente não vai conseguir avançar.
NC: O que está sendo feito para se conseguir avançar nessa direção, pelo menos no nordeste?
FG: Nesse momento, e eu falo pelo nordeste, estamos estudando as novas leis de inovação nos estados. Até meados de 2017, provavelmente todos os estados vão enviar para as suas assembleias um novo pacote legal que vai inserir o tema inovação, que não existia na própria constituição de 1989. A maior parte dos estados vai alterar suas constituições para ampliar como deve ser desde a emenda constitucional de 2015 que traz a responsabilidade dos estados de investir nessas áreas, da mesma maneira que a lei de inovação atualizando a lei que foi sancionada esse ano, em janeiro. Eu vejo nisso uma excelente oportunidade para que os atores antigos e os novos que se apresentam possam rediscutir um panorama diferente para a região. Em termos de desenvolvimento olhando esse novo Marco Legal, olhando toda uma rediscussão que a sociedade nesse momento de alguma maneira é provocada a tentar dar um futuro melhor para quem vai vir mais à frente. Tem uma ambiência oportuna para essa discussão hoje na região.
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