O lixo que vira combustível Inovação

quarta-feira, 25 janeiro 2017

Grupo multidisciplinar de pesquisadores da Universidade Federal do Piauí aposta no reaproveitamento de biomassa para geração de energia

O reaproveitamento ou reciclagem de lixo não é mais novidade nos dias de hoje. Mas transformar rejeitos industriais em combustível e energia é uma alternativa que vem cada vez mais ganhando espaço. Um bom exemplo disso é o trabalho desenvolvido pelo Grupo de Estudos Avançados em Processos Industriais – Geapi, que atua na Universidade Federal do Piauí (UFPI). Atualmente, o grupo conta com três plantas principais, sendo uma de pirólise de biomassa. A pirólise é um processo que trabalha com qualquer tipo de rejeito (ou biomassa), elevada a altas temperaturas essa biomassa volta ao estado de hidrocarbonetos, que pode ser separado em frações de gasolina e diesel. “Ou seja, o que era lixo pode virar combustível, é o que chamamos de logística reversa”, define Francisco de Assis da Silva Mota, professor do Departamento de Engenharia de Produção da UFPI e um dos coordenadores do grupo.

O Geapi existe há três anos e reúne pesquisadores das áreas da Engenharia química, Engenharia de Produção, Engenharia Mecânica, Automação industrial e Química. O grupo é multidisciplinar e se destina a buscar tecnologias para o mercado envolvendo toda parte de engenharia básica. “Nós temos a integração do conhecimento, trabalhamos com alunos de todas as áreas para que eles trabalhem juntos quando chegarem ao mercado de trabalho, pois se você parar para pensar é assim que funciona na indústria. Lá o profissional tem que trabalhar com todos e pegar um pouco de cada um para que saia um produto”, explica Mota que é o responsável por projetos de plantas pilotos e automação de unidades.

Primeira no Brasil

Na pirólise de biomassa toda a matéria é aquecida para “quebrar” todas as ligações em frações de hidrocarbonetos. Em altas temperaturas se forma um gás, que depois tende a voltar a ser líquido resultando em combustíveis. O professor Mota explica que o Geapi usa o sistema de separação chamado de torre termo-equilibrada, que é o diferencial do trabalho do grupo. “Essa torre tem um equilíbrio termo-dinâmico internamente, que tende a separar frações dos fluídos que nós queremos. Essa torre é o nosso diferencial e é a primeira no Brasil com essas características, um sistema de separação que foi projetado especificamente para isso, porque diferente de outras plantas de pirólise, a nossa planta tende a separar todas as frações que nós desejamos. Ela foi toda desenvolvida na UFPI, já foram feitos alguns testes e agora vão ser realizados os testes reais em regime contínuo”, adianta o coordenador.

A coordenação do grupo também conta com o professor Francisco Francielle Pinheiro dos Santos e a equipe de pesquisa é formada pelo professor Francisco de Tarso Caselli, além dos pesquisadores visitantes Auceliane Andre da Silva Lima,Renan Alves Viegas, André Sales e Jackson de Quiroz Maldeira.

Custo reduzido

O Geapi recebe recursos do Governo Federal. “Já recebemos até o momento cerca de 900 mil reais para o desenvolvimento industrial. Nós fizemos uma torre com um sistema que diferente de outras gastamos um quinto do valor, o que seria um milhão e meio custou em torno de 100 mil reais, porque nós fizemos toda a parte de Engenharia. Em qualquer projeto o caro não é o material de início e sim o capital intelectual que é investido no sistema. O Geapi reuniu um engenheiro mecânico, químico, de automação, pegou toda a carta de engenharia, todos da universidade”, explica Mota.

O professor Mota lembra seu desejo antigo de trabalhar com biomassa e da oportunidade surgida com o edital do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, sobre o reaproveitamento de biomassa para geração de energia. “Todos os rejeitos acabam sendo utilizados como biomassa, folhas de árvores, bagaço de cana, entre outros. Com o edital do CNPq resolvemos encarar o desafio. Capazes nós somos, vamos fazer algo diferente, uma coisa nova, vamos realmente colocar isso num padrão que possa ser replicado em outros centros. Ganhamos o projeto e com isso foi possível construir o sistema. E dentro desse mesmo recurso já foi desenvolvido um segundo módulo, uma planta para a produção de bioquerosene para aviação. Já fizemos toda a sala de automação da planta e fizemos outro módulo que vai pegar o óleo formado e separar em frações compatíveis com o querosene de aviação”, afirma Mota.

Repasse da tecnologia

A torre termo-equilibrada, que é o diferencial do Geapi, utiliza rejeitos de bagaços de côco, mas numa próxima etapa o grupo pretende testar o lodo de uma estação de tratamento de esgoto. “Também trabalharemos com o sobra do processo de extração do óleo de peixe, que é um material proteico e está sendo pesquisado para essa produção. Então, nós temos uma gama de possibilidades de testar tudo o que tem nesse equipamento e vamos testar”, planeja.

O grupo está testando a produção de briquetes – é a biomassa compacta, que substitui a lenha em fornos, por exemplo. Segundo Mota, restos de madeira de poda de árvores também podem ser compactados e transformados em briquetes.

Mota ressalta que hoje grande parte das plantas estão sendo compradas pelos centros universitários. Diante da experiência bem sucedida do Geapi, o professor planeja ensinar o “caminho das pedras” para quem precisa. “Queremos, pelo grupo, abrir para outras universidades o nosso projeto, para que elas não gastem um milhão, mas apenas 100 mil. Gastem 150 mil e colocaremos plantas em outros centros universitários. O importante é buscar essa integração na universidade, como numa empresa que tem e usa vários profissionais para gerar um produto. Eu não posso dominar sua área e você a minha, mas juntos teremos um produto. O Geapi é isso um grupo multidisciplinar capaz de gerar produtos, não só produzir o meu artigo e o seu artigo, mas um produto que possa ser comercializado e que venha a ser dissipado, deixando nossa marquinha naquele local”, acredita.

Universidade e indústria

O coordenador do Geapi acredita que hoje está mudando a questão de importância dos artigos científicos publicados. “Não bastam quantos artigos você tem, mas o que se pode produzir, algo palpável. Quando uma empresa vai buscar a parceria de uma universidade, o empresário vai querer saber se você é capaz de produzir observando o seu ambiente de trabalho. Então, nossas plantas estão lá com profissionais de automação, de mecânica. Uma planta desenvolvendo novas plantas e se tiver alguma falha numa planta que está rodando hoje vai ser corrigida. É isso que estamos propondo em nosso grupo de pesquisa, que saiam profissionais capacitados tanto para abraçar o campo acadêmico, ele terá produção científica a altura. Os alunos tem que sair capacitados a gerar ideias que realmente sejam absorvidas pelo mercado científico ou industrial, em termos de engenharia”, ressalta.

No entanto, Mota demonstra certa preocupação quanto aos recursos futuros que garantam a continuidade do trabalho do grupo. A crise que atingiu o país em 2016 causou uma redução nas verbas de fomento. “A quantidade de recursos reduziu muito, pouquíssimos editais foram lançados pelo CNPq, que é o principal órgão de fomento do Brasil para financiar a pesquisa. As empresas também estão sofrendo, porque pesquisa é algo caro. O que estamos fazendo para reduzir esse impacto é desenvolvendo projetos aguardando recursos que possibilitem a concretização dos mesmos. Por exemplo, temos um projeto de uma planta completa com tudo que se possa imaginar dela: tamanho, peso, altura, tudo, só não podemos, infelizmente, construir, mas o projeto está pronto, esperando que se abram novos editais ou convênios que venham a apoiar essa pesquisa”.

Edna Ferreira

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