“O gestor tem que ser decisivo nas iniciativas e discreto na divulgação” Educação

quinta-feira, 1 dezembro 2016

Edílson Amorim, reitor da UFCG, faz um balanço de sua gestão revelando os principais avanços e entraves enfrentados nos últimos quatro anos

Ao se despedir de seu mandato como reitor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), o professor José Edílson Amorim fez um balanço de sua gestão, destacando os principais avanços e apontando os possíveis desafios a serem enfrentados por seu sucessor. Graduado em Letras pela então Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e com Mestrado e Doutorado em Literatura pela mesma instituição, Amorim revelou nessa entrevista ao Nossa Ciência que pretende, depois de deixar o cargo, “reaprender a dar aulas e reaprender a pesquisar com os alunos” e se preparar para a aposentadoria.

Depois de passar oito anos na vice-reitoria e completando quase quatro anos como reitor, Amorim conta que sob sua administração a universidade expandiu e ganhou três novos campi. A UFCG conta hoje com 17.110 alunos, 1.514 professores, 1.394 técnicos distribuídos em sete campi. Ele relata os momentos difíceis de redução orçamentária, mas desabafa “me orgulho de ter enfrentado a crise sem desmobilizar nenhuma banca. Não deixamos de apoiar nenhum professor em sua atividade de pesquisa e realizamos tudo o que tínhamos programado para a pós-graduação”.

Para o futuro, ele aposta numa maior aproximação da universidade com a iniciativa privada, mas com a ajuda de intermediários. De acordo com Amorim, a universidade pública também precisa aprender a patentear mais. “Somos muito tímidos ainda na área de patentes, mas estamos começando a amadurecer. Essa timidez mostra que sabemos fazer pesquisa, mas não sabemos ser camelôs de nossa própria arte”.

Amorim será sucedido por Vicemário Simões, que foi seu vice-reitor e foi eleito pela comunidade acadêmica ontem (30).

Nossa Ciência: Final de mandato professor, que marca o senhor acha que sua gestão vai deixar na universidade?

Edílson Amorim – Eu participo da administração pela terceira vez, fui duas vezes vice-reitor, num momento bastante eufórico de crescimento da matriz orçamentária, por conta de um primeiro momento de expansão chamado pelo MEC de Expansão Fase 1. Com essa expansão nós criamos três novos campi universitários: na cidade de Cuité, fronteira com o Rio Grande do Norte; outro na fronteira com Pernambuco, Sumé; e outro na cidade de Pombal, na cidade onde nasceu o economista e humanista mundialmente conhecido Celso Furtado. Logo depois da Expansão Fase 1, nós quase que duplicamos as vagas da universidade, criamos muitos outros cursos, vagas de graduação, com o programa Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). É claro que com esse impulso dado pela expansão da graduação houve também a expansão da pós-graduação. Nós duplicamos, saímos de 10 doutorados para mais de 20, de 15 mestrados para mais de 40. Hoje temos mais de 60 cursos no programa de pós-graduação e cito esse programa porque é aí que se situam os grandes projetos de pesquisa. Não que só haja pesquisa na pós-graduação, mas a pesquisa de vulto claro que se inicia na graduação a partir de programas e processos individuais, sobretudo o Pibic (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica ), programa de iniciação científica do governo federal com contrapartida das universidades.

NC: Como o senhor enfrentou a restrição orçamentária que afetou o país inteiro este ano?

EA: Neste ano, e isso foi significativo para nossa gestão, houve uma diminuição de verbas muito grande das agências que fomentam a pesquisa no âmbito do governo federal: Capes e CNPq. No caso do CNPq houve uma diminuição de 100 bolsas de Pibic e nós conseguimos replanejar o nosso orçamento para cobrir, para que a universidade não perdesse qualidade no âmbito das pesquisas situadas na graduação. Da mesma forma o Proap (Programa de Apoio à Pós-Graduação), que é uma rubrica destinada ao apoio da pós-graduação, seja ajuda de custo, seja ajuda para a pesquisa, formação de bancas de mestrado e doutorado. Esse ano o corte foi de 70%, e nós com o nosso orçamento não desmobilizamos nenhuma banca, não deixamos de apoiar nenhum professor em sua atividade de pesquisa e realizamos tudo o que tínhamos programado para a pós-graduação.

NC: Que característica destacaria na sua gestão do ponto de vista acadêmico e administrativo?

EA: Essa vocação acadêmica que nós imprimimos à instituição em tempo de crise foi a grande marca que vamos deixar para a nova gestão. Além disso, do ponto de vista da administração de um modo geral nós não desmobilizamos um só posto de trabalho, não deixamos de apoiar nenhum evento de caráter local, regional, nacional e internacional. Nós realizamos pelo menos oito eventos de caráter internacional na minha gestão. Realizamos um congresso internacional de música trazendo músicos do mundo inteiro, eu cito música, porque nós poderíamos privilegiar a parte de tecnologia e deixar de lado um pouco a parte artística, mas nós buscamos equilibrar. Da mesma forma que realizamos um evento na área de energia limpa e na área do petróleo, realizamos na área artística.

NC: Algum setor recebeu menos investimentos durante a crise orçamentária?

EA: O fortalecimento do perfil acadêmico teve mais destaque na nossa gestão do que a construção, por exemplo, porque o período anterior de 2005 a 2012 foi de euforia orçamentária e aí sim a universidade construiu muitos prédios, contratou muita gente, seja servidor técnico, seja servidor docente, construiu muitos laboratórios e salas de aula. De 2012 pra cá diminuiu muito o ritmo, não paralisamos obras, mas diminuímos o ritmo de construção com essa estabilidade de orçamento, em relação ao crescimento. E de 2013 a 2016 foi decrescente. Hoje, estamos com os valores nominais de 2012 e se você considera dois tipos de inflação a do IPCA, que mede o custo de vida para a sociedade, seja a do crescimento do sistema interno/universitário mesmo assim nós não desempregamos, não desmobilizamos nenhum programa acadêmico. Por isso me dou por satisfeito na tarefa de ter administrado uma universidade em período de crise, com orçamento decrescente, e ter mantido o perfil acadêmico e a inserção regional dessa universidade no nordeste.

NC: Além do orçamento decrescente, que outros entraves, dificuldades foram colocadas para a universidade nesses quatro anos?

EA: Nós temos uma expansão em curso, essa expansão não se consolidou, essa foi a grande dificuldade. E nessa mudança de governo, sem partidarizar, tivemos muitas dificuldades no governo anterior, a crise não começou no governo Temer, a crise começou em 2013/2014, portanto no governo liderado pela presidente Dilma. A diferença que eu percebo é que o governo anterior vinha com uma linha só, desde os dois governos anteriores de Lula, não sei se pela facilidade de já conhecermos os caminhos da burocracia em Brasília, o diálogo era maior. O diálogo com o atual governo está começando a se construir e espero que se consolide. Outra dificuldade, além da redução orçamentária, foi a dificuldade de diálogo com o Ministério da Educação, que eu também espero se consolide. A legislação, mesmo com todo o avanço social que tivemos nos últimos tempos, tem ainda entraves burocráticos muito grandes. A Lei de Inovação recentemente aprovada é um exemplo. Espero que o governo retire todos os vetos, para que haja um diálogo mais produtivo entre as instituições públicas e a iniciativa privada. A universidade não deve ter medo do mercado. Nós formamos pessoas para a sociedade, nós formamos cidadãos, formamos pessoas para trabalhar no mercado real, no mercado existente. Fazemos pesquisas para o mundo que está aí, precisamos ter uma melhor relação que resguarde mais o caráter público da instituição com uma legislação que seja menos burocrática na captação de recursos oriundos de outras agências que não as federais. Outro entrave é a Lei de Licitações – Lei 8.666 – a universidade não pode trabalhar com essa lei, algumas áreas de pesquisa em saúde, o hospital universitário não pode comprar um celular pelo mesmo mecanismo legal para comprar um navio.

NC: O que pode ser feito para melhorar esse quadro de entraves?

EA: Estou com equipamentos aqui que precisam de 30 mil reais para licitar, não dispensa licitação, só tem uma firma que faz a manutenção desse equipamento, e eu tenho que fazer uma licitação normal submetida aos mesmos mecanismos quando só tem uma empresa no país que faz a manutenção desse equipamento. Vou ficar 3, 4 meses com esse equipamento parado. Não que o gestor público não careça de vigilância, carece sim, os escândalos estão aí, por isso a sociedade precisa cobrar que sejam auditadas todas as universidades com maior rigor, sobretudo naqueles processos em que há dispensa de licitação nas áreas da saúde e atendimento à pesquisa de ponta. Que os primeiros processos sejam esses, mas que a lei mude, que a lei permita mais agilidade na contratação de serviços e na aquisição de equipamentos e implementos para pesquisa. Realmente são entraves legais, mas que seja uma melhor lei de inovação, de licitação para que as universidades tenham uma melhor saúde, digamos assim, tenham um fluxo mais tranquilo para trabalhar na área de assistência à saúde, por um lado, e na pesquisa de ponta por outro. Além de restrições orçamentárias, há a restrição legal, a lei de licitações de um lado e a lei de inovação precisam melhorar por outro.

NC: Há quase um senso comum de que há uma distância entre a academia e a indústria, um verdadeiro gap, entre o conhecimento produzido pela academia e a indústria que transforma esse conhecimento em produto. O senhor concorda? Como a instituição poderia ajudar a diminuir esse espaço?

EA: Eu concordo que há de fato esse distanciamento. As universidades desde que foram criadas tem uma vocação bacharelesca, isso vem mudando, mas temos uma vocação acadêmica voltada para nós mesmo, a universidade vive isso, de fato há isso. Do outro lado, não é que não haja na universidade uma mentalidade empreendedora, há, mas não na medida da ansiedade do mercado, da iniciativa privada. É claro que a iniciativa privada gostaria que houvesse um professor, um estudante que saísse direto da universidade para a linha de produção, ainda não existe isso, mas tem crescido muito. A universidade não é uma instituição empreendedora por natureza, mas como uma instituição de formação ela tem que estar atenta à mudança do mundo da indústria que está em constante transformação. O dono da indústria lida com mecanismos de compra sem licitação, ele tira o dinheiro do bolso, compra e substitui o equipamento dele por um mais moderno, muitas vezes concebido no interior da universidade. Mas como a universidade não sabe fazer negócios, acho que deva se estabelecer um campo de interseção e esse campo dever ser preenchido pelas fundações de apoio e pelas incubadoras.

NC: As fundações estaduais?

EA: Sejam as fundações estaduais de amparo à pesquisa, por exemplo, sejam as fundações como entidades civis de direito privado com os próprios pesquisadores, mas, sobretudo as estaduais que tem um papel fundamental e até outras fundações como a Embrapii, empresa brasileira de pesquisa e inovação industrial, do governo federal. Ou seja, elementos intermediários que aproximem a experiência de mercado que a universidade não tem, com a experiência de formação que o mercado não tem. Daí, que se construam mecanismos para esses dois entes estarem em interação sem que a universidade perca seu caráter formador, sem que o pesquisador precise trabalhar para a indústria. Ele trabalha para a universidade como pesquisador e como formador, mas que ele possa se aproximar dos pesquisadores que estão lá no chão da fábrica e trocar experiências. Que as horas de trabalho, de pesquisa, isso se chama extensão universitária, que o pesquisador se dedica dentro da universidade, possam em parte ser dedicadas lá fora e possam trazer pessoas de fora também. Isso tende a aumentar. Por exemplo, Santos Dumont está associado às primeiras pesquisas e experimentos que deram origem a aviação, sem dúvida nenhuma, mas não só isso, ele inventou o relógio de pulso que era mais prático para quem estava pesquisando. Ele inventou do relógio ao avião e não tem nenhuma patente, veja como era amadora a iniciativa de Santos Dumont, ele não tem nenhuma patente registrada no nome dele. Ao contrário, Willian Boing, que era um pesquisador americano um pouco mais jovem que Santos Dumont e começou a trabalhar com financiamento do pai que era da área da mineração, muito rico. Ele fez um protótipo que deu origem ao avião Boing que conhecemos hoje.

NC: A diferença entre eles foi a capacidade empreendedora?

EA: Por isso que deve-se criar um intermediário entre a percepção amadora como a de Santos Dumont e uma percepção empreendedora como a de Willian Boing. A universidade tem que formar cidadãos, isso é verdade. A universidade tem que ter uma formação holística/geral, é verdade, mas tem que formar para o mundo de hoje. Tem que aprender o que não sabe fazer, com a experiência da indústria. Algum mecanismo tem que ser feito sem que a universidade perca seu caráter de agente de formação, se abra mais para a atividade da indústria, a atividade de mercado.

Veja a continuação dessa entrevista aqui

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