Novo método antecipa diagnóstico da esquizofrenia Saúde

segunda-feira, 5 fevereiro 2018

Pesquisadores descobrem relação entre fala desorganizada e o transtorno psiquiátrico, o que pode ajudar a confirmar o diagnóstico com pelo menos seis meses de antecedência. Metodologia poderá ser adotada pelo SUS

Um método mais rápido para diagnosticar a esquizofrenia. A partir da observação da fala desorganizada em pacientes, pesquisadores desenvolveram uma metodologia que pode ajudar a confirmar o diagnóstico do transtorno psiquiátrico com pelo menos seis meses de antecedência. O discurso anormal foi registrado já no primeiro contato com a equipe médica.

De acordo com a pesquisadora Natália Mota, do Instituto do Cérebro (ICe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), autora do estudo esse método consiste em analisar relatos orais de um sonho e de uma imagem afetiva para verificar o grau de conectividade na trajetória das palavras espontaneamente faladas pelo paciente, gerando um índice que chamado de “índice de desorganização”. Como vencedor da 16ª edição do Prêmio de Incentivo em Ciência, Tecnologia e Inovação do Sistema Único de Saúde (SUS), na categoria “Trabalho Científico Publicado”, metodologia poderá ser adotada pela rede pública de saúde.

“Atualmente o diagnóstico se faz a partir da percepção pelo psiquiatra de sinais e sintomas característicos presentes no comportamento do paciente no momento da entrevista ou relatado pelo paciente ou por acompanhantes. Esses sintomas devem estar presentes por pelo menos 6 meses para se fechar um diagnóstico, sendo prudente acompanhar de perto o quadro para ver como evolui. Nós coletamos áudios de pacientes durante a primeira consulta com o psiquiatra em sua primeira busca por ajuda e seguimos esses pacientes por 6 meses para verificar como eram diagnosticados. Observamos que a análise da desorganização da fala detectada nesse áudio ainda na primeira entrevista já poderia isoladamente indicar o diagnóstico de esquizofrenia com bastante acurácia. Esse é um método mais rápido, livre de interpretação ou viés subjetivo do avaliador e totalmente quantitativo”, explica.

Com o estudo iniciado em 2014, os pesquisadores entrevistaram 21 pacientes em seu primeiro contato clínico buscando ajuda para sintomas de psicose de início recente, além de outros 21 participantes saudáveis, como grupo controle da pesquisa. Acompanhados durante seis meses para estabelecer um diagnóstico mais formal, os cientistas utilizaram a análise de grafos de discurso – ferramenta computacional que caracteriza a trajetória de palavras usadas para relatar sonhos ou memórias recentes – como avaliação psiquiátrica complementar dos voluntários.

Ponto de partida

A pesquisadora Natália Mota explica que a inspiração maior para o estudo foi a observação de sintomas psicopatológicos frequentes em esquizofrenia chamados de desordens do pensamento. “Esses sintomas trazem em sua fenomenologia a ideia de que o pensamento desorganizado gera um discurso aberrante, de maneira que a trajetória das palavras relatadas pelos pacientes seguiriam um curso aberrante. Daí veio a ideia de estudar essa trajetória de palavras de maneira quantitativa, utilizando a teoria de grafos como ferramenta matemática”, detalha.

A teoria dos grafos é um ramo da matemática que estuda as relações entre os objetos de um determinado conjunto. Os pesquisadores usaram estratégias computacionais para mensurar, de forma precisa e sem interpretações, sintomas psiquiátricos importantes, o que é realizado nas clínicas psiquiátricas há décadas, porém, de forma subjetiva. A análise de grafos é rápida e de baixo custo, o que possibilita seu uso como exame complementar a avaliação psiquiátrica.

“O método da pesquisa é uma tradução matemática para a descrição psicopatológica das desordens do pensamento comuns na esquizofrenia, mostrando poder discriminativo substancial, e representando a tradução bem-sucedida de ciência básica para a aplicação de tecnologia capaz de fomentar a avaliação clínica”, explica Natália.

Natália recebendo o Prêmio do SUS, em Brasília. Foto: Divulgação.

Reconhecimento nacional e internacional

Publicada na Revista NPJ Schizophrenia, do grupo Nature, a descoberta foi também a grande vencedora da 16ª edição do Prêmio de Incentivo em Ciência, Tecnologia e Inovação do Sistema Único de Saúde (SUS), na categoria “Trabalho Científico Publicado”. Além da pesquisadora Natália Mota, a pesquisa contou com a participação do neurocientista Sidarta Ribeiro (ICe/UFRN) e Mauro Copelli do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Começamos essa linha de pesquisa aqui na UFRN, em colaboração com UFPE há mais de 10 anos, publicando resultados em psicose e desenvolvimento cognitivo saudável há pelo menos cinco anos”, conta Natália.

A pesquisa foi toda desenvolvida no ICe-UFRN no laboratório do professor Sidarta Ribeiro, em intensa colaboração com professor Mauro Copelli da UFPE durante o mestrado e doutorado de Natália Mota. “Nós idealizamos o método, testamos em uma população crônica, em crianças com desenvolvimento saudável e por fim em adolescentes durante os primeiros sinais de sofrimento mental. Aqui em Natal realizei a coleta de dados e nós três em conjunto realizamos as análises necessárias. Somos um time em trio funcionando há dez anos com muita afinidade.”, ressalta a pesquisadora.

Atualmente, o grupo de pesquisadores pretende seguir investigando em uma população maior esse e outros métodos quantitativos que auxiliem o diagnóstico. Como vencedor do prêmio do SUS, o método poderá ser utilizado na rede de saúde pública. “Ainda não há uma previsão para isso, mas estamos trabalhando para oferecer aos profissionais de saúde mental uma ferramenta útil para sua prática em situações como a que encontramos em qualquer dispositivo do SUS e esperamos disponibilizar em breve”, adianta Natália.

Instituto do Cérebro-UFRN. Foto: Divulgação.

Ciência no nordeste

Mesmo diante das dificuldades enfrentadas durante a realização do estudo como a falta de recursos e a precariedade nos serviços de saúde mental que não são plenamente potentes para atender toda população que precisa de acompanhamento, a pesquisadora acredita na ciência desenvolvida no nordeste.

“Ser cientista no nordeste é um desafio possível com o crescimento das universidades do qual fui testemunha. Fiz toda minha formação aqui, medicina, residência médica, mestrado e doutorado. Posso dizer que vi a UFRN crescer e cresci junto com ela. A visão de internacionalização foi fundamental para que eu pudesse ter contato com o que estava acontecendo na fronteira científica lá fora e aprender a produzir ciência aqui com padrão internacional. Precisamos cada vez mais investir em soluções para os nossos problemas com os recursos que temos disponíveis em nossa realidade, e para isso precisamos ter uma universidade forte, promovendo busca de soluções eficazes e viáveis”, afirma.

Edna Ferreira

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