Novas evidências dos prejuízos das queimadas à saúde Meio Ambiente

quarta-feira, 24 julho 2019
(Foto: Daniel Beltrá / Greenpeace)

Pesquisadores da UFRN concluem que composto não classificado por Agência Internacional de Pesquisa do Câncer pode causar sérios efeitos na saúde humana

Que as queimadas na floresta amazônica fazem mal à saúde humana, muitas pessoas compreendem e acreditam, mas quantificar e qualificar esses danos tem sido o objeto de estudo do grupo de pesquisa liderado pela professora Sílvia Regina Batistuzzo de Medeiros, do Laboratório de Biologia e Mutagênese Molecular, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), há mais de 10 anos. Segundo as pesquisas, a recorrência das queimadas naquela região pode inviabilizar a saúde não apenas da população local, mas pode espalhar por toda a América Latina.

Em entrevista exclusiva para o Nossa Ciência, Silvia Batistuzzo, que é orientadora permanente em três programas de pós-graduação na UFRN, afirmou que os resultados encontrados confirmaram a hipótese inicial de que o reteno, um Hidrocarboneto policíclico aromático (HPA) não prioritário e nem classificado pela Agência internacional de Pesquisa do Câncer (IARC), contribui para os efeitos observados do Material Particulado total.

Descoberta

E essa é a principal descoberta: o reteno, um HPA abundantemente presente na queima da floresta amazônica pode contribuir sobremaneira para os sérios efeitos na saúde humana, sendo que até agora ele não estava na lista dos vilões. “Apesar da sua prevalência neste tipo de fonte, as agências reguladoras nacionais e internacionais, principalmente a agência de proteção ambiental dos Estados Unidos (US-EPA), não o classifica como prioritário para as avaliações de risco, justamente pela falta de literatura cientifica”, informa a professora. A relevância do estudo pode ser medida por sua publicação na revista Chemosphere, nível A1, o mais alto numa escala de oito na avaliação da Capes, em maio de 2019.

O grupo vem estudando os prejuízos que a poluição do ar pode ocasionar, sobretudo porque este tipo de poluição é considerado como carcinogênica para humanos pela IARC. Em 2017, um estudo publicado pelo grupo na Scientific Reports (Nature) demonstrou que os resíduos da queima da Amazônia que ficam no ar, que os pesquisadores chamam de material particulado ou MP, tinha potencial de gerar estresse oxidativo, dano no DNA e morte celular em células do pulmão humano, em concentração que estava abaixo do limite permitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse material particulado, pelas análises dos conteúdos orgânicos, mostrou que o reteno é o HPA mais abundante podendo contribuir significativamente para os efeitos deletérios observados.

Anormalidades

Resumo dos resultados encontrados no estudo. (Divulgação)

Com base nesses achados, o grupo se questionou: Será que um HPA não prioritário não poderia ter efeitos negativos sobre células do pulmão humano similares ou tão altos quanto outro HPA prioritário como o Benzo[a]pireno? Não poderia o reteno estar contribuindo com a toxicidade observada do extrato orgânico total da queima da floresta amazônica?

Os pesquisadores garantem que respondendo a esta pergunta, eles demonstraram, pela primeira vez que, em células do pulmão humano o RET em concentração ambiental aumenta os níveis de formação de espécies reativas de oxigênio (EROs) principalmente por levar a hiperpolarização da membrana mitocondrial e da massa de mitocôndrias. A concentração ambiental referida é a obtida na queima da biomassa amazônica da amostra coletada em 2012. Além disso, o aumento de estresse oxidativo possibilita o surgimento de danos no material genético, conforme demonstrado pelo aparecimento de uma maior frequência de anormalidades nucleares como micronúcleos, pontes nucleoplasmáticas e brotos nucleares, que são considerados biomarcadores de instabilidade genética.

Mutações genéticas

O resultado obtido indica que o dano no material genético pode ser tão grave, que a célula não tolera e perde a habilidade de se manter ou sobreviver, entrando em processo de morte celular. Foi constatado que a maior concentração de RET (30 ng.mL-1) induziu morte celular, principalmente por necrose.

Outra linha de investigação se concentrou em saber se além das alterações nucleares, poderia o reteno também causar mutações gênicas. Nesse caso a resposta foi negativa. O ensaio padrão usando diferentes linhagens de Salmonella Thyphimurium mostrou que ele não é capaz de induzir mutações em nenhuma linhagem na presença ou ausência de metabolização hepática. “Assim, podemos dizer que o reteno atua como uma genotoxina, capaz de promover instabilidade genética, não pela indução de mutações gênicas, mas sim pela indução de alterações cromossômicas”, explica.

Doenças cardiorrespiratórias em cidadãos paulistanos podem ser agravadas pela ação do reteno liberado pelas queimadas das florestas na Amazônia ou de qualquer fonte de celulose. Essa é uma das conclusões do estudo, que é financiado pelo edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de 2018. Teoricamente, a continuidade das pesquisas está garantida. Na prática, porém, os recursos remanescentes ainda não foram liberados.

Atualmente, o grupo está estudando outros aspectos da toxicidade do reteno em diferentes modelos (in vitro e in vivo) para um maior refinamento dos mecanismos desencadeados pela exposição desse elemento e proporcionar, no futuro, a sua possível inclusão nas análises ambientais.

Para ler o artigo

O artigo “Oxidative stress, mutagenic effects, and cell death induced by retene” com todos os detalhes, como os experimentos realizados, os resultados encontrados e as discussões, está disponível na revista Chemosphere.

Mônica Costa

2 respostas para “Novas evidências dos prejuízos das queimadas à saúde”

  1. Fernando disse:

    Somente uma observação quanto ao título da matéria. Não se trata de um elemento químico, mas de um composto. Mesmo no campo leigo, essas nuances conceituais são relevantes para o acesso à informação científica.

    • NossaCiencia disse:

      Caro Fernando,
      Agradecemos por sua contribuição. Consultamos a professora Silvia Batistuzzo e ela confirmou sua observação e acrescentou: “Composto orgânico é aquele que possui carbono em sua estrutura e o reteno possui várias moléculas de carbono formando um anel policíclico aromático. Elemento químico é um conjunto de átomos, da Tabela Periódica.”
      Já está alterado na matéria.

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