A secretária de Educação do RN, Cláudia Santa Rosa fala das ações de reordenamento dos servidores da pasta para alcançar as metas do Plano Estadual de Educação
Mais de 400 mil analfabetos e altos índices de jovens abandonando as escolas no Rio Grande do Norte. Esse é o quadro que a professora Cláudia Sueli Rodrigues Santa Rosa encontra ao assumir a Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do estado (SEEC/RN). Ela é pós-graduada em Psicopedagogia pela UFRN e possui mestrado em Educação pela mesma universidade. O título de doutora em Educação ela conquistou em 2008, também pela UFRN, com estágio na Universidade do Porto (Portugal) e pesquisa na revolucionária Escola da Ponte. Ela se orgulha de contar 26 anos de experiência na rede de educação, o que a faz conhecedora das maiores dificuldades e demandas das escolas do estado.
Nos últimos anos atuou como diretora executiva do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), organização não governamental fundada por ela e outros educadores potiguares. Por meio desse instituto coordenou ações desenvolvidas junto a escolas públicas, destacando-se projetos de promoção da leitura como a campanha “Aqui a gente aprende” e o projeto “Observatório da Educação do Rio Grande do Norte”. Em seu gabinete, no Centro Administrativo do Governo do Estado, em Natal, ela recebeu o Nossa Ciência para falar de seus planos a frente da pasta e do desafio de ajustar a política de pessoal e recursos humanos da secretaria, para solucionar a questão da falta de professores nas salas de aula.
Nossa Ciência: Como a senhora encontrou a pasta da Educação?
Cláudia Santa Rosa – Encontramos uma Secretaria de Educação com muitos programas, projetos de uma importância indiscutível, mas poucos organizados dentro de um programa ou de projetos da própria SEEC. Encontramos uma secretaria que não tem muita clareza de como atingir suas metas. A secretaria olha e trabalha muito em torno de programas e projetos que são oriundos do governo federal, então hoje nós estamos debruçados, por exemplo, no campo da alfabetização, que precisa ser uma preocupação nossa. É um campo bastante caro para a gestão pública porque ela reflete em muitos outros campos e tem a vinculação muito direta com o nosso anseio pela qualidade da escola pública, de alterar indicadores que não são muito favoráveis na nossa educação. Eu não imaginava ser tão difícil, tão complexa a situação da Educação. Eu tenho dito que sou da rede há 26 anos, todos esses anos atuando em escola e a gente sente diretamente nas escolas as dificuldades maiores da educação, porque a educação só faz sentido quando o reflexo de quem atua no órgão central chega às escolas e quando não chega a gente sabe que não está bem. Mas, eu não imaginava ter que conviver com uma burocracia tão pesada que por vezes até nos paralisa, o que requer um planejamento maior ainda, mais bem construído, elaborado com escolhas bem feitas, com menores riscos de erros.
NC – E como está o planejamento orçamentário da secretaria, considerando a crise que afeta o país?
CSR – É um momento bastante complexo para o Brasil todo, não só para o RN, a conjuntura nacional sinaliza dificuldades que esperamos sejam atenuadas, principalmente na área econômica, frustações de receitas, orçamentos previstos que não estão se concretizando. Na Educação nós já temos cerca de 70 milhões do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) de frustações de receitas (não recebidas), porque a queda na arrecadação já acumulou nos últimos meses esse valor. Consequentemente, isso nos impõe a necessidade de escolhas, de um planejamento bastante centrado naquilo que é o essencial.
NC – Quais são as prioridades da secretaria?
CSR – Nesse momento nós estamos olhando para o que tem que ser resolvido para ontem e ao mesmo tempo planejando ações, projetos, programas a serem implantados de modo que a gente possa atingir as principais metas ou pelo menos parte das metas do Plano Estadual de Educação que deverá ser nos próximos 10 anos a nossa bússola. O RN era carenciado de um Plano de Educação, nas últimas décadas nós assistimos o estado não ter um plano estadual de educação e agora nós temos. Um plano que foi elaborado de forma participativa com diversas entidades, com as instituições de ensino superior, com quem mais diretamente se dedica a questão da educação, liderado pelo Fórum Estadual de Educação. É um plano territorial, que se enseja instalar cada vez mais o regime de colaboração entre os entes, por que o plano trata desde a educação infantil até o ensino superior, e nós sabemos a dependência administrativa de cada fatia dessas: a educação básica, a educação infantil com os municípios; o ensino fundamental ainda muito compartilhado entre estado e municípios; a rede privada ainda com todas as etapas; o ensino médio com exclusividade do estado e o ensino superior que deveria ser de exclusividade da união, mas o estado também tem ensino superior. Mas, o PEE está elaborado com metas e essas metas devem ser a nossa bússola e é para elas que a nossa equipe se debruça hoje.
NC – A senhora mencionou que a secretaria também atuará na alfabetização, mas essa etapa não é de responsabilidade dos municípios?
CSR – Eu explico. Nós não temos como conter a questão do fluxo escolar irregular, alunos que estão, por exemplo, com 17 anos ainda no ensino fundamental. Se não resolvermos a questão da alfabetização desde a base, porque as crianças quando não são alfabetizadas pelo menos nos primeiros anos da vida escolar delas, há uma tendência a ocorrerem mais adiante retenções, reprovações que podem gerar evasão escolar. Isso gera esse desencontro entre a idade do adolescente e o ano de escolaridade e é extremamente caro, em termos de despesas, de investimento também para a sociedade, porque você tem uma mesma criança, um mesmo adolescente que poderia levar nove anos no ensino fundamental levando 11, 12, 13 anos, quando não se evade. Nós temos muita clareza de que é preciso fortalecer a alfabetização das crianças de modo que elas se alfabetizem cada vez mais cedo para podermos consolidar o currículo, a implementação do currículo nas demais etapas/anos de escolaridade sem ter que precisar alfabetizar uma criança que está no quinto ou sexto ano. Essa é a realidade que nós temos.
NC – E qual é o planejamento que a SEEC está realizando com relação à alfabetização?
CSR – A secretaria está estruturando um projeto de alfabetização das crianças, que está vinculado ao pacto nacional, ao PNAC, que é o Pacto Nacional pela Alfabetização das crianças. Entendemos que esse programa federal precisa se somar ao que existe no estado, mas o estado precisa ter o seu projeto de alfabetização de crianças, então nós estamos nesse momento estruturando projetos na área de alfabetização voltados para aqueles que não foram alfabetizados nos primeiros anos de escolaridade, adultos e idosos. Nós teremos pelo menos dois projetos para atender esse público, pessoas com quem o estado brasileiro tem uma dívida social. A alfabetização, nesse momento, para a secretaria é uma prioridade no âmbito das metas. O RN ainda tem mais de 400 mil analfabetos e aqui estou falando apenas de analfabetismo absoluto. Temos um terceiro projeto no campo da alfabetização e letramento que é a Política estadual de promoção da leitura, com diversas ações. O estado tem um plano estadual do livro e da leitura e a gente quer juntar o projeto de alfabetização das crianças, o de formação de leitores, de promoção da leitura, dois projeto na área de alfabetização de pessoas acima de 10 anos. E esses quatro projetos vão integrar a política do RN na área de alfabetização. Só conseguiremos conter as taxas de analfabetismo se eu alfabetizar desde criança. E a política de promoção da leitura vem para dar lugar à função social da leitura e da escrita, a compreensão que todos esses públicos tem que ter da importância do código. Daí, precisamos democratizar o acesso ao livro, o acesso a essa cultura escrita. Nos próximos meses, vamos lançar essa política envolvendo esses quatro projetos voltados para a alfabetização e o letramento desde a criança, inclusive em articulação com as redes municipais que estão iniciando a vida escolar das crianças.
NC – Dentro desse plano focado na alfabetização, há algum projeto de incentivo/estímulo à capacitação dos professores responsáveis por essa etapa do ensino?
CSR – Sim, a formação dos professores sempre transversalizando todas as ações. Agora nós vamos fazer um trabalho muito forte de potencializar os coordenadores pedagógicos das escolas para que eles assumam a liderança do projeto político-pedagógico de cada escola. Isso para a parte dos projetos que envolvem a formalização da escola: turma, alunos, porque um dos projetos de alfabetização de pessoas que não se alfabetizaram na infância é um projeto com alguns aspectos inovadores, mas que ainda estão sendo gestados. Vamos trabalhar de outra forma, os coordenadores terão um outro papel o de liderar o projeto pedagógico da escola e fazer uma parte da formação desses professores, porque nem sempre a secretaria de educação terá como chegar, de forma contínua e sistemática o ano inteiro, aos professores diretamente, pois envolve um expressivo número de professores. Em parceria com as instituições de ensino superior vamos garantir um percentual de vagas para cursos de especialização, de mestrado. Já conversamos com a UERN e estamos agendados com o reitor dos institutos federais e com a UFRN. Vamos conversar com todas as instituições de ensino superior, tanto elas vão estar em parceria conosco no projeto de alfabetização de pessoas que não se alfabetizaram na infância como também na área de formação de professores, serão sempre nossos parceiros. Nossa ideia é que o professor verticalize a formação em especializações e mestrados.
NC – E nesse plano de verticalização da formação dos professores há previsão de melhorias salariais?
CSR – A demanda da secretaria e para o governo do estado é garantir o plano de cargos e carreira, porque não faz sentido a gente estimular o professor a verticalizar sua formação em cursos de pós-graduação, strito sensu ou latu senso, se não tivermos uma política que reconheça e remunere esses professores de forma compatível. Para isso, nós estamos olhando e debruçados, e correndo o risco de até em algum momento não tomarmos as medidas tão simpáticas, à política de pessoal e recursos humanos da secretaria. Nesse momento é o meu foco de atenção, porque já está muito claro que não serão os sucessivos concursos e convocações de professores que solucionarão os problemas gravíssimos de falta de professores nas escolas. Nós já compreendemos algumas dinâmicas dentro da pasta e já há sensibilidade do governador do estado de que é preciso austeridade na condução da politica de pessoal e recursos humanos da secretaria.
NC – Que medidas serão tomadas?
CSR – A secretaria de Educação precisa ter o controle de seus servidores, e os servidores da Educação precisam servir mais a Educação. Temos muita gente cedida a outros órgãos, a outros poderes. O governador já sinalizou com um decreto, não só para Educação, de que aqueles servidores que estão cedidos, para permanecer cedidos aquele órgão terá que arcar com a remuneração, se for de interesse das partes, o órgão terá que assumir. Para a SEEC, o órgão assumir resolve em parte o nosso problema, pois na verdade precisamos do servidor de volta, mas pelo menos com os servidores cedidos pela Educação, já será significativo que os órgãos assumam esses servidores. Mas, estamos vendo que não será bem assim, pois alguns servidores já começam a retornar. E nós vamos começar também a provocar, lembrar o decreto, provocar o órgão, lembrando que há servidores cedidos, pedindo que o servidor retorne dentro do prazo estabelecido pelo decreto ou que o órgão se posicione se vai assumir o ônus dessa cessão. Nesse momento, buscamos a gestão de pessoal e recursos humanos da secretaria para entender com quem nós vamos epodemos contar, quem não está servindo à educação que precisa vir servir; quem está servindo fora do lugar que deveria servir deve pensar que a prioridade 1,2,3, 4 é a escola. É inadmissível que uma pessoa convocada em concurso recente já esteja fora das escolas. Isso tudo nós estamos nos debruçando para garantir o desenvolvimento de uma política de alfabetização que pega desde a infância até o idoso. Para isso, precisamos de gente servindo à Educação, precisamos que todos os professores estejam com suas cargas horárias completas, não é aceitável um professor que tem que cumprir 20 horas, cumprindo menos. Ele precisa cumprir a carga horária integral. Por isso estamos fazendo esse alinhamento, esse reordenamento em total sintonia com o governador, que deseja que a Educação funcione e que a autonomia integral dada à secretária é para que sejam tomadas as medidas necessárias, ainda que desagrade a alguns. Não atingiremos algumas metas do Plano Estadual de Educação se não arrumarmos a questão de pessoal da secretaria, porque eu não posso garantir qualidade de ensino se não tem o professor na escola.
NC – E os planos para o ensino médio?
CSR – Também é prioridade dessa secretaria o ensino médio, é a etapa que é de responsabilidade exclusiva do estado. Temos o desafio de garantir professores em todas as escolas, isso é o básico do básico. O esforço é para garantir o professor em sala de aula, conter as taxas de abandono escolar, ou seja, para que os adolescentes permaneçam na escola, que eles encontrem sentido para permanecerem na escola. Estão sendo dados passos bastante avançados nas diretrizes curriculares para o ensino médio e fundamental para que todos os professores tenham clareza do que precisa ser ensinado. Vamos entrar com publicidade educativa, o governo está sendo bastante sensível com relação às verbas para a publicidade educativa, para comunicação. Não são recursos da Educação, são da Comunicação Social do governo. Vamos tentar nos comunicar com esses jovens para que eles percebam a importância de continuar na escola, para conter o abandono, para isso é preciso ter um currículo interessante, os professores, a escola tem que funcionar dignamente. Para isso temos alguns compromisso e metas nessa direção quanto à educação profissional estamos trabalhando para que em 2017 estarem funcionando os sete centros de educação profissionalizante que estarão prontos até o final deste ano. Dois deles foram inaugurados ainda no governo passado, um em Extremoz e outro em Ceará Mirim, mas somente os prédios foram inaugurados. Agora é que estamos fazendo licitações para mobiliários, equipamentos, laboratórios. Estamos estruturando os projetos político-pedagógicos dos centros, minutando a legislação para que eles existam, regimento escolar, enfim tudo o que é necessário para eles funcionarem.
NC – A comunidade está sendo ouvida, quanto a escolha dos cursos dessas escolas profissionalizantes?
CSR – Todo o estudo de demanda dos cursos está sendo realizado nas comunidades onde os centros foram construídos ou serão construídos, para que os cursos tenham estreita relação com as vocações de cada lugar, para que faça sentido. Além dos centros, há as escolas integradas ao ensino técnico profissionalizante, queremos estruturar uma rede com 16 escolas já existentes, mas com potencial para ampliar nessa direção, pois cada vez mais esse currículo tem que fazer sentido para o jovem, o ensino médio tem que fazer sentido, atendendo às necessidades desse jovem, que muitas vezes abandona porque se desencantou com a escola ou pela necessidade de ingressar no mercado de trabalho. E por vezes ingressa no mercado informal porque não tem uma formação, não está preparado para esse ingresso. Nessa direção estamos trabalhando com algumas parcerias para cursos profissionalizantes à distância, pretendemos cada vez mais utilizar essas plataformas. Estou estudando uma proposta de 15 mil vagas em cursos profissionalizantes para atingirmos tanto os jovens de ensino médio quanto os que estão na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Enfim, o ensino médio precisa ser mais bem cuidado pela Secretaria de Educação, porque afinal de contas é etapa que é de responsabilidade exclusiva do estado e o nosso Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é lá em baixo. Na última edição nós conseguimos a proeza de cair de 2.8 para 2.7.
NC – Como seus 26 anos de trabalho na rede escolar, como essa experiência vai lhe ajudar agora como secretária? Como é estar do outro lado do balcão?
CRS – Eu tenho confirmado a cada instante como a minha experiência nas escolas tem me ajudado a não me contaminar com aquela coisa de olhar sempre a partir do lugar, do amplo, do geral, mas olhar e entender as necessidades que a escola sente e diz. Me ajuda a entender que aquilo que o diretor da escola está dizendo que é prioridade para a escola realmente é o que precisa ser feito. E não ficar olhando que esse problema atinge também outras escolas. Ter vindo da escola, a minha experiência me ajuda a entender que há equipes nas escolas que fazem o que tem que ser feito na escola, que é garantir a qualidade e quando demandam a secretaria, esta tem que olhar cada caso individualmente e não massificar, ter um olhar massificado – vou esperar resolver o problema de todas e o seu estará junto, com o problema de todas. Claro que tenho que olhar o todo, mas eu não posso esquecer o individual, das partes também. Ter vindo da escola me ajuda a não perder de vista o que nos move que é o estudante, isso eu digo sempre quando me reúno com minha equipe. O que me move é o aluno, o estudante que está lá na escola aguardando o resultado do nosso trabalho, do investimento que ele e toda a família dele, que toda a sociedade faz. Esse é o retorno que precisa ser dado, com serviços de qualidade.
NC – Há planos de ações específicas para despertar o interesse de crianças e jovens pela ciência?
CSR – Cada vez mais a secretaria tem procurado fortalecer o trabalho com as feiras de ciência e o protagonismo de muitos alunos e professores tem revelado trabalhos premiados nacionalmente e internacionalmente. As feiras são uma forma bacana de estimular essas invenções e o olhar criativo dos jovens. A Secretaria tem em sua equipe um professor com doutorado voltado a organizar essas feiras. Em parceria com o Instituto Metrópole Digital (IMD/UFRN) nós vamos chegar a todas as escolas de Natal, que integram a primeira Direc (Diretoria Regional de Educação e Cultura), com a internet de fibra ótica, isso vai permitir que as escolas ampliem as suas possibilidades de explorar as tecnologias da informação e da comunicação.
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