Nordeste tem nova rede de pesquisa sobre a Caatinga Meio Ambiente

segunda-feira, 26 dezembro 2016

Pesquisadores brasileiros e estrangeiros do INCT OndaCBC estudarão emissão e sequestro de carbono no Semiárido

Observar e coletar informações sobre a Caatinga para ajudar na preservação do clima do planeta. Esta é a missão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Observatório Nacional da Dinâmica da Água e do Carbono no Bioma da Caatinga (OndaCBC), a mais nova rede multidisciplinar de pesquisa com sede no nordeste. A rede é composta por pesquisadores nacionais e internacionais que atuam no Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, e desenvolve pesquisas experimentais em dinâmica de água e carbono no Semiárido brasileiro.

De acordo com o engenheiro Antonio Celso Dantas Antonino, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador do OndaCBC, esse é um tema pouco estudado na região, por isso a meta do instituto é reunir os estudos já existentes sobre o assunto e formar novos grupos de pesquisa nas instituições parceiras para conduzir pesquisas de longo prazo em escala regional, sistematizar o conhecimento gerado, formar recursos humanos e subsidiar a formulação de políticas públicas para apoiar a adaptação dos sistemas de uso da terra à variabilidade climática da região.

“Hoje existe uma falta de dados relativos ao estoque de carbono e nitrogênio e sobre as emissões e remoções de gases de feito estufa no bioma Caatinga. As informações sobre os balanços hídricos, diversidade dos solos, vegetação e uso da terra são extremamente fragmentadas. O que prejudica as ações de Governos, associações e agricultores para planejar o plantio de culturas agrícolas e o manejo de rebanhos. Nossa grande meta é justamente gerar os dados necessários para aprimorar essas estimativas”.

Os pesquisadores também pretendem utilizar torres de medidas para verificar os modelos das mudanças no uso da terra, analisar as estimativas sobre a conversão da Caatinga em pastagens e áreas agrícolas, o efeito nos fluxos de CO² e o nível de evapotranspiração, que são processos importantes para o entendimento de como ocorre a emissão e o sequestro de carbono e respectivo impacto na modelagem dos efeitos das mudanças climáticas na região.

Os dados poderão ser usados por todo o planeta. O coordenador explica que o OndaCBC pretende fazer parte de redes internacionais de disponibilização dessa base de dados. “Os modelos de circulação geral da atmosfera usam esses dados, então essas informações são importantes para que possam ser melhoradas todas as simulações, as previsões em termos de planeta. Cada informação que nós fornecemos em termos de planeta e amplia essa base de conhecimento, melhores serão as previsões no futuro do clima e do planeta”, analisa Antonino.

Torres de medidas

O estudo será financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com investimento previsto de três milhões e meio de reais. A pesquisa utiliza torres medidas que estão instaladas nos municípios pernambucanos de Garanhus, Serra Talhada e Petrolina. Os pesquisadores pretendem avaliar a dinâmica da água e de carbono no sistema solo-caatinga-atmosfera e os fluxos de água, energia e CO2 na interface desse sistema nos estados de PE, PB e RN; compreender os diferentes fatores ambientais que regulam a fixação biológica de nitrogênio nas principais culturas de interesse econômico e vegetação nativa do Bioma Caatinga.

Segundo o professor Antonino, cada torre reúne diferentes equipamentos: um anemômetro sônico (instrumento que mede a velocidade do vento) e um sistema que determina a concentração dos gases por infravermelho. A energia para alimentar esses sistemas vem de baterias com painéis solares. “Atualmente, a gente não coloca uma torre dessas por menos de 100 mil reais para fazer esse monitoramento. Por isso na escolha do local nós atentamos também para a questão da segurança, pois não adianta instalarmos a torre num local onde há risco de roubo e depredação dos equipamentos”, revela.

Ele conta que as torres de Garanhus e Serra Talhada foram instaladas em propriedades particulares por questões de segurança. “Nós procuramos de todas as maneiras condições de instalar nossas torres ao lado da Federal Rural (UFRPE) ou da estação do Inpe, em Serra Talhada, mas o que nos desviou de lá foi a vulnerabilidade. Eram áreas boas, mas do ponto de vista de controle não tínhamos garantia, pois são áreas com circulação de pessoas”, explica Antonino.

As torres foram instaladas em áreas de Caatinga contíguas com pasto, pois, do ponto de vista acadêmico, a ideia é poder avaliar a vegetação nativa e o pasto, que representa uma modificação dessa vegetação, ou seja, um uso diferente da terra. “Levamos certo tempo para encontrar os locais. Na região do agreste, em Garanhus, por exemplo, escolhemos uma área que é praticamente a última, uma das poucas áreas remanescentes de Caatinga nessa região agreste aqui de Pernambuco. Além da questão acadêmica, consideramos o ponto de vista da logística, teriam que ser áreas com acesso fácil e que fossem seguras porque a torre em si, a estrutura não é cara, mas os equipamentos instalados são. Essas torres requerem uma manutenção pesada para mantê-las funcionando. É um trabalho enorme montá-las, mas é um trabalho maior ainda mantê-las. Cada torre está também mantendo dissertações e teses, temos alunos envolvidos com seus trabalhos de pós-graduação”, detalha o coordenador.

Políticas públicas

O professor Antonino explica que os dados climáticos, ecohidrológicos e da ciclagem biogeoquímica de carbono são coletados nas torres a cada 15 dias. Durante as coletas, os pesquisadores também realizam alguma manutenção nos equipamentos, quando necessário. “Além das torres, nós temos no entorno parcelas que medem uma série de outras variáveis. Como as informações são extremamente importantes e raras, nós procuramos associá-las com o máximo de outras informações do sistema para que possamos ter, do ponto de vista acadêmico-científico, o maior proveito”, conta.

De acordo com os pesquisadores, cada vez mais a Caatinga vem sofrendo modificações do uso. Ao longo do tempo, o sistema normal realizado pelo agricultor era o desmatamento, a queimada, o plantio e cultivo por alguns anos, depois passava para pasto e finalmente a área era abandonada. Os estudos do INCT OndaCBC vão permitir conhecer os estoques de carbono na biomassa, acima e abaixo da superfície do solo, além de revelar quanto representa esse estoque na vegetação nativa, numa área degradada ou quando muda para pasto. “Com nossa pesquisa vamos procurar responder algumas questões, como por exemplo, como é que a Caatinga se comporta ao longo das estações? Será que ela é uma fonte ou um sumidouro? Como está se comportando a vegetação do ponto de vista do sequestro ou não do carbono da atmosfera? Isso vai ser extremamente relevante”, explica Antonino.

Para determinar como esse conhecimento gerado será de fato útil para a elaboração de políticas públicas, o professor Antonino aponta dois pontos que preocupam os governantes: a questão da mitigação e a adaptação dos efeitos do clima. “Para sugerir políticas, é fundamental conhecer o alvo de suas intervenções. Nesse aspecto nosso trabalho vai ser extremamente importante, sobretudo quanto às informações sobre o comportamento da vegetação. Na questão da mitigação, nossos dados vão ajudar a avaliar se vai ser feito reflorestamento, se vale preservar ou não determinada área que se mostra mais com características de sumidouro do que fonte de carbono, por exemplo”, sugere.

Próximos passos

Ainda segundo o coordenador do OndaCBC, a questão das mudanças climáticas é mundial e está fazendo com que todos os países se mexam, pois é algo que afeta a todos, ricos e pobres. Essa questão envolve interesses econômicos fortes, pois há formas de compensação do ponto de vista de emissão e sequestro de carbono, mecanismos que permitem que recursos sejam transferidos de um país para outro, de forma a compensar as emissões de carbono. Tudo isso envolve financiamento e transferência de recursos. “Agora para que esses projetos sejam realmente implementados você vai ter que ter essas informações, saber qual é o seu estoque de carbono, e que isso possa ser atestado de forma confiável. O Brasil como nação tem feito isso, já começou a fazer seu inventário nacional”, revela Antonino.

Os planos para 2017 e próximos anos incluem a conclusão de um sistema de acesso remoto aos dados das torres de medidas, a padronização da instrumentação e análise de dados das torres, estabelecendo o número de sensores que cada uma deve ter. “Estamos tentando um sistema para que tenhamos certo controle a distância, em tempo real, de alguns parâmetros e que possamos, em caso de problemas nas torres, fazer alguma intervenção imediata. Vamos estabelecer a maneira de coletar, tratar e calcular os fluxos de forma extremamente padronizada para que cada um possa ter as informações da rede. O objetivo é que esse INCT seja uma base importante de evolução do pesquisador e do grupo. Nossa ideia é que esse instituto não deixe de atuar nunca mais, seja permanente. Queremos criar essa sinergia, onde cada pesquisador, onde cada instituição só tenha a ganhar, a crescer”, afirma Antonino.

O OndaCBC é uma rede multidisciplinar de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Instituto Nacional do Semiárido (INSA), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Universidade de Pernambuco (UPE), Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Universidade Texas A&M e Duke dos EUA, Guelph, do Canadá,  Institut de recherche pour le développement (IRD) e ENTE, da França.

Edna Ferreira

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