Pesquisa desenvolvida no ICe-UFRN amplia a possibilidade de terapia direcional no tratamento do câncer usando quinoxalinas e nanopartículas de ouro
Apesar do avanço da ciência, o câncer ainda é uma das doenças mais temidas da humanidade. A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS), estimou 18 milhões de novos casos no ano passado, com crescimento de 28% nos últimos seis anos. Isso significa que um em cada cinco homens e uma em cada seis mulheres no mundo desenvolverá câncer durante a sua vida. Por se tratar de uma doença de múltiplos fatores causada pelo acúmulo de mutações genéticas que levam à proliferação anormal de tecidos, é difícil traçar um único caminho para o tratamento do câncer. Contudo, novo estudo publicado no New Journal of Chemistry por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) abre caminhos para a realização de tratamentos mais efetivos usando o direcionamento de nanopartículas.
A decodificação da seqüência do genoma humano possibilitou à Ciência localizar os genes mais freqüentemente mutados diretamente correlacionados às proteínas superexpressas no crescimento de tumores cancerosos. Isso foi fundamental no avanço e aparecimento de novas pesquisas e tratamentos contra a doença. Uma delas é a terapia direcionada que permite atacar somente as células cancerosas, ao contrário da quimioterapia que também afeta as células normais e provoca muitos efeitos negativos à saúde dos pacientes. Acontece que este tratamento é ainda muito complexo e caro, o que dificulta sua popularização.
No novo estudo, os cientistas modificaram, de forma simplificada, nanopartículas de ouro através da inserção, em sua superfície, de quinoxalinas sintetizadas. Além disso, usando simulação molecular (in silico), observaram que esta mutação permite atacar, com grande eficiência, células cancerosas por meio da terapia dirigida. Menores que 100 nanômetros, as nanopartículas de ouro são produzidas, como o próprio nome sugere, a partir do ouro. Elas são tão pequenas que podem, por exemplo, transportar medicamentos para o interior das células sem perfurar as membranas celulares. Também podem ser carreadas para partes específicas do corpo humano em intervalos controlados.
Já as quinoxalinas são agentes antitumorais e anticancerígenos capazes de inibirem enzimas envolvidas na proliferação, motilidade e diferenciação do câncer. Devido a sua vasta gama de aplicações que inclui luminescência e biomedicina, são identificadas algumas vezes como “moléculas reconhecedoras de tumores”. Com o título “Funcionalização de nanopartículas de ouro com dois derivados de quinoxalina à base de aminoálcool para direcionamento de fosfoinositídeos 3-quinases (PI3Kα)”, a pesquisa foi desenvolvida na UFRN e envolveu os institutos de Química (IQ-UFRN) e do Cérebro (ICe-UFRN), em parceria com os laboratórios de Bioinorgânica e Cristalografia, do departamento de Química da UFSC, e de Microscopia Aplicada à Ciência da Vida, do Inmetro. Ao todo, dez pesquisadores trabalharam no estudo: Janine Araújo, Fabrício Menezes, Heloiza Silva, Davi Vieira, Sérgio Ruschi Silva, Adailton Bortoluzzi, Celso Sant’Anna, Mateus Eugenio, Jannyely Neri e Luiz Gasparotto, coordenador do estudo.
Autodestruição celular
Segundo o professor Luiz Gasparotto, as nanopartículas de ouro se aquecem quando submetidas à luz de determinados comprimentos de onda, o que pode instigar o suicídio celular a partir do calor. “A ideia central é concentrarmos nanopartículas de ouro na região do tumor, de modo que a aplicação de luz aqueça a região tumoral, levando apenas células doentes ao suicídio”, explica.
A grande questão é que as nanopartículas de ouro não sabem que devem colar apenas em células tumorais. É neste ponto que entram as quinoxalinas. Estudos computacionais mostraram que duas quinoxalinas têm excelente afinidade por determinadas células tumorais e, por isso, “grudam” muito bem em determinados tipos de cânceres. “Os cálculos teóricos indicam uma forte tendência de interação dessas quinoxalinas com o sítio ativo da enzima-alvo, com os aminoácidos que apresentam as interações mais fortes sendo iguais aos de outros ligantes já reportados na literatura”, contextualiza Sérgio Ruschi, do Laboratório de Neurobiologia Celular e Molecular, do ICe-UFRN.
Sabendo disso, os pesquisadores inseriram quinoxalinas na superfície das nanopartículas para que estas fossem direcionadas a reconhecer os tumores. Um ponto importante neste trabalho é o fato de as quinoxalinas serem produzidas em laboratório de maneira muito simples e barata, o que facilita sua produção em larga escala. A metodologia tipicamente utilizada é a inserção de anticorpos na superfície das nanopartículas, mas este é um processo complexo, caro e muito sensível. “A grande contribuição deste trabalho é em termos de simplicidade e custo. Mostramos que há um caminho interessante na produção de compostos antitumorais. O fato de não usarmos anticorpos é um excelente atalho para uma futura produção em larga escala”, diz Luiz Gasparotto.
Novas abordagens
O próximo passo da pesquisa será a aplicação das nanopartículas em células tumorais in vitro e in vivo, utilizando camundongos como modelo animal. Outros desdobramentos são estudos computacionais de novos candidatos a reconhecimento tumoral baseados em quinoxalinas. Há ainda interesse do grupo na produção de outras partículas, como, por exemplo, as de prata, para baratear ainda mais o custo de produção.
Fonte: Ascom/ICe-UFRN
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