Estudo da Embrapa revela que essa é uma das culturas que melhor se adaptam ao aumento de gás carbônico na atmosfera e ainda reduz efeitos negativos da seca
Elevação de CO2 aumenta produtividade média e ainda reduz efeitos negativos da seca, revela pesquisa inédita. A mandioca é muito eficiente em minimizar os efeitos da seca quando cultivada sob elevada concentração de gás carbônico (CO2). Esse efeito positivo do CO2 é maior do que o observado em outras culturas. A descoberta está em um estudo inédito realizado em parceria entre a Embrapa e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) que submeteu a mandioca a essas duas condições, simultaneamente, para verificar seu comportamento diante dos efeitos das mudanças climáticas que vêm ocorrendo no planeta. Resultado especialmente importante por se tratar de uma cultura de subsistência para muitas famílias, especialmente na região semiárida do Nordeste brasileiro.
Na maior parte das culturas, o aumento na concentração atmosférica de CO2 é benéfico para a produtividade. Porém, a elevação desse gás na atmosfera provoca redução das chuvas e aumento da temperatura, efeitos que tendem a prejudicar o desempenho produtivo. No entanto, nesse estudo internacional, pesquisadores concluíram que concentrações elevadas de CO2 aliviam o efeito inibitório da seca sobre a fisiologia e crescimento das plantas de mandioca.
“Com base nos dados do trabalho, é possível fazer a seguinte analogia: suponha que uma área comercial de mandioca irrigada produza 50 mil quilos de raízes enquanto uma área comercial de tamanho idêntico não irrigada produza apenas 17 mil quilos. Ao aumentar-se a concentração de CO2 nas duas áreas, a irrigada produzirá 58,5 mil quilos, acréscimo de 17%, e a área de plantio cultivada sob seca resultará em 36 mil quilos de raízes, um aumento de 112%”, esclarece o pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) Jailson Lopes Cruz, responsável pelo estudo.
Sendo assim, a cultura, que já é importante para o Brasil e para a África, mostra-se ainda mais estratégica em regiões cuja situação de déficit hídrico será intensificada pelas mudanças que estão ocorrendo no clima, já que, sob elevado CO2, é capaz de alcançar produtividade média maior, ainda que sob severas condições de escassez de água. Entretanto, os pesquisadores ressaltam que a produção sob estresse hídrico é sempre menor se comparada às áreas irrigadas. A diferença da mandioca é que a elevação de CO2 atmosférico faz com que a produtividade das plantas sem água cresça proporcionalmente mais em relação às que contam com água sob as mesmas condições.
Primeiro estudo sobre CO2 com seca em mandioca
O diferencial desse trabalho, realizado em casas de vegetação do USDA, no âmbito do Programa Embrapa Labex (laboratórios virtuais da Empresa no exterior), foi verificar como a mandioca reage à elevação na concentração de CO2 na atmosfera quando cultivada sob condições de déficit hídrico. Esse aspecto é importante, já que a maioria dos estudos tem sido realizada sob boas condições hídricas, isto é, não estuda a interação entre o CO2 e a escassez de água, como pontua Cruz.
A concentração atual de CO2 na atmosfera está por volta de 407 ppm de CO2 (na época do estudo, em 2011, era de 390 ppm), e a expectativa é que essa concentração aumente significativamente nas próximas décadas. O que os especialistas fizeram foi comparar a produção de matéria seca da mandioca quando cultivada sob duas concentrações de CO2 (390 e 750 ppm) e duas condições hídricas (bem irrigado e déficit hídrico).
“Quando as plantas foram cultivadas sob a concentração de 390 ppm de CO2, o déficit hídrico reduziu a produção de raízes tuberosas em quase 70%. Isso permite dizer que o déficit hídrico que induzimos nesse estudo foi realmente forte, semelhante ao que normalmente ocorre em condições de campo das regiões semiáridas”, afirma Cruz. Posteriormente, os especialistas fizeram a seguinte comparação: 750 ppm de CO2com déficit hídrico versus 390 ppm de CO2 também com déficit hídrico. “O aumento verificado na produtividade média de matéria seca das raízes tuberosas foi de 112% (ver gráfico) em favor da mais alta concentração de CO2”, informa Cruz, responsável pelo estudo publicado em 2016 no jornal internacional Scientia Horticulturae.
Matéria seca das raízes tuberosas das plantas de mandioca cultivadas sob 390 ou 750 ppm de CO2 e condições bem irrigadas (BI) ou sob déficit hídrico (DH)
Produtividade e estresse
Já sob boas condições hídricas, o aumento de produtividade das raízes tuberosas, devido ao incremento do CO2, girou em torno de apenas 17% (ver gráfico). O estudo indica, assim, que o aumento da produtividade de raízes foi proporcionalmente maior em plantas sob déficit hídrico.
Márcio Porto, fisiologista da Embrapa Mandioca e Fruticultura e precursor no Brasil de pesquisas que estabeleceram alguns dos mecanismos de tolerância à seca da mandioca, ressalta aspecto inédito do trabalho: “Obviamente plantas sob estresse produzem menos do que plantas bem irrigadas tanto com o CO2alto quanto com o CO2 mais baixo. A importância desse estudo é verificar que a produção de matéria seca das raízes tuberosas foi incrementada tanto em plantas com estresse como sem estresse, mas esse aumento causado pelo CO2 foi proporcionalmente maior em plantas cultivadas sob estresse [112%] do que em plantas sem estresse [17%]. Esse é o primeiro trabalho evidenciando essa relação positiva em mandioca”, salienta Porto.
Para um dos principais ecofisiologistas de mandioca da atualidade, que por muitos anos atuou no Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat), na Colômbia, Mabrouk El-Sharkawy, esse trabalho é muito bem-vindo, pois são extremamente escassas as informações sobre a resposta da mandioca às mudanças climáticas. “Assunto de extrema relevância, tendo em vista que a mandioca é uma cultura alimentar importante para o mundo, em áreas tropicais e subtropicais”, frisa.
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