É o que garante o criador da teoria que se contrapõe à do brasileiro vira-lata
“O principal motivo do ódio da classe média ao PT foi esse partido ter possibilitado o acesso de parte das classes populares às fontes de prestígio, como as universidades, e que antes eram exclusivas da classe média. Do contrário, como explicar o porquê dessas pessoas não estarem agora, nas ruas protestando, se a corrupção é escandalosamente muito maior e comprovada com vídeos e áudios?” Essa é uma das muitas questões apresentadas pelo sociólogo Jessé Souza, durante palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na sexta (7), para lançamento de sua mais recente publicação A classe média no espelho que tem como subtítulo sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade.
Para uma plateia que superou em 50% a capacidade do auditório do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Ciências Sociais (NEPSA), que é de 100 lugares, o potiguar, que hoje é referência nacional com uma teoria geral da sociedade brasileira, falou durante cerca três horas. Pontuou as bases fundamentais da sua obra de mais 40 anos, mas centrou a discussão nos achados desse livro. O A classe média no espelho teve início em 2015 e completa a análise das classes sociais no Brasil, com os anteriores Ralé Brasileira, Batalhadores Brasileiros e o best-seller A elite do atraso.
Brasileiro vira-lata
Lixo, arrogância, burrice, imbecilidade, bobagem são alguns adjetivos usados pelo sociólogo para definir o conteúdo do que hoje é tido como os clássicos da sociologia brasileira, entre os quais Sergio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro e Roberto DaMatta. A crítica ácida é direcionada à teoria dos 3P, Personalismo, Patrimonialismo e Populismo, como fonte dos problemas do Brasil e originários, em última análise, da descendência portuguesa, de onde viria não só o DNA, mas também a corrupção sistêmica como elemento estruturante do caráter nacional. “O sentimento do brasileiro vira-lata em oposição ao americano virtuoso”, na concepção de Souza é a armadilha que destroça a auto-imagem do povo brasileiro e que permite ao mercado, o grande vilão do enredo, ficar com a riqueza da nação, enquanto 200 milhões de brasileiros não têm nada.
Para o autor, é na batalha das ideias que se define a dominação de uma sociedade. Ele argumenta que até 200 anos atrás era a religião que explicava o mundo e que esse papel foi assumido pela ciência. “No mundo moderno, é a ciência que explica a vida. O indivíduo não cria as ideias, ele as recolhe. Quem domina são os afetos.”
O medo da média se proletarizar é o medo de perder prestígio e importância, é o medo da polícia chegar na sua casa, derrubando a porta
Ele explica que a classe média, assim como as outras classes sociais, não pode ser compreendida pela renda e sim como uma formação objetiva, emocional dos indivíduos com a reprodução dos privilégios. Prestígio e reconhecimento são as principais armas na guerra social. Isso significa que na forma como as pessoas se auto avaliam e avaliam os outros a moralidade é mais importante do que dinheiro e poder. A classe média pensa ter mais afinidades com a elite e procura desesperadamente distanciar-se das classes populares. “O medo da média se proletarizar é o medo de perder prestígio e importância, é o medo da polícia chegar na sua casa, derrubando a porta”, explica.
Sociedade imbecil
Para mostrar a diferença de tratamento dado aos pobres no Brasil e em outros países, cuja formação original não tenha sido baseada na escravidão, Jessé afirma que “na Alemanha, por exemplo, a injustiça com um cidadão pode derrubar um governo. No Brasil, se uma Ferrari atropelar e matar um trabalhador que vai numa bicicleta, não acontece nada. Na Alemanha, a polícia não pode entrar na casa de um pobre esculachando, mesmo que seja imigrante, não pode!”
Antes de encerrar a palestra para participar do aniversário de 95 anos de sua mãe, que mora em Natal, Jessé Souza afirmou que “o mundo é montado pela mentira, uma mentira irracional, que entra no corpo, vira carne, vira osso, vira reflexo. E que isso ocorre com cada indivíduo e com a sociedade.” E somente assim, entendendo que nós somos emoção e afeto, se pode explicar “como uma sociedade inteira pode ser feita de imbecil ao entregar seu patrimônio ao ladrão”, referindo-se à atual situação brasileira, após o golpe de 2016 e a eleição da ultradireita, defensora dos privilégios de 1% da população em desfavor dos demais 99%. Ao final, proferiu a frase que dá título a essa matéria.
O evento foi realizado pelo Adurn Sindicato e pela Cooperativa Cultural Universitária.
Mônica Costa
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