Para Christian Müller, diretor do departamento de Estratégia e Gerenciamento do Conhecimento do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico, entre 30 mil e 50 mil refugiados aptos a entrar no ensino superior chegaram à Alemanha em 2015. Experiência na integração de refugiados por universidades alemãs será apresentada durante a 28ª edição da Conferência Anual da Associação Brasileira de Educação Internacional, entre os dias 16 e 20 de abril.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), até dezembro de 2014, o número acumulado de deslocamento forçado em todo o mundo atingiu 59,5 milhões de pessoas. Deste total, 19,5 milhões se tornaram refugiados. Em 2015, mais de um milhão de migrantes e refugiados entraram na Europa.
As estatísticas do ACNUR não deixam dúvidas sobre a urgência do gerenciamento de uma das maiores crises humanitárias da história. Como a Alemanha tem sido um dos principais destinos dos que pedem asilo na Europa, o país acabou assumindo protagonismo na concepção de programas e iniciativas que visam facilitar a integração dos refugiados na sociedade.
Essa preocupação de integrar os refugiados também passou a fazer parte da agenda das universidades alemãs, experiência que membros do Centro Alemão de Ciência e Inovação de São Paulo (DWIH-SP) apresentarão durante a 28ª edição da Conferência Anual da Associação Brasileira de Educação Internacional (Faubai), que reunirá em Fortaleza, entre os dias 16 e 20 de abril, representantes de diversas instituições de ensino superior do Brasil e do mundo.
O tema da edição deste ano da Conferência FAUBAI é a Responsabilidade Social na Internacionalização da Educação Superior, assunto que norteará a programação do evento, com sessões paralelas, workshops e conferência plenária.
A integração dos refugiados nas universidades será discutida em duas sessões do dia 19 (terça), que contarão com a presença dos alemães Christian Müller, diretor do departamento de Estratégia e Gerenciamento do Conhecimento do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), de Stephan Hollensteiner, da Aliança Universitária do Ruhr (UA Ruhr), e Sören Metz, da Universidade Técnica de Munique (TUM).
Segundo Sören Metz, na TUM os refugiados são integrados com status de alunos ouvintes e podem fazer algumas matérias e cursos de língua de graça. Metz ressalta a importância do envolvimento do corpo acadêmico no acolhimento desses estudantes, tema que ele também abordará no próximo dia 19. “Os alunos da TUM estão trabalhando fortemente na integração dos refugiados, principalmente por meio do Buddies for Refugies Program, no qual cada refugiado tem o seu buddy (amigo), um aluno regularmente matriculado, cujo papel é ajudá-lo com questões relacionadas às aulas e ao cotidiano.”
Na entrevista a seguir, Christian Müller, do DAAD, antecipa ao DWIH-SP algumas abordagens da sua fala na FAUBAI sobre os principais desafios da integração dos refugiados e o envolvimento do corpo acadêmico alemão com esta causa humanitária.
Como tem sido feita a integração de refugiados nas universidades alemãs? Eles são integrados, inicialmente, como alunos visitantes? São eles que têm procurado as instituições?
Christian Müller: Muitas universidades abriram vagas para alunos visitantes, em muitos casos também sem cobrar as taxas que costumam praticar. Em alguns casos, inclusive, as universidades estudaram possibilidades de creditar pontos (ECTS), o que normalmente não é o caso para alunos visitantes, e também os possibilitaram de participar de exames. Porém, isso não resolve a aspiração de muitos dos refugiados. Eles querem cursar programas regulares de graduação e pós-graduação, e em muitos casos chegam a procurar reconhecimento de um grau acadêmico já obtido no país de origem. Até recentemente, o número de refugiados que têm procurado informação sobre isso está claramente aquém do volume de pessoas que estimamos como interessadas no ensino superior. É visível que ainda falta informação. Também, a situação das pessoas em busca de abrigo na Alemanha se caracteriza por um período longo de espera até a obtenção de uma autorização de estadia e uma aceitação oficial como refugiado. Assim, deve haver um número alto de interessados, cuja situação legal ainda não está regularizada e por isso não se aproximaram das universidades. O DAAD calcula entre 30 mil e 50 mil o número de pessoas aptas a entrar no ensino superior, considerando apenas o grupo de refugiados que chegaram no país em 2015.
Como as universidades têm gerenciado desafios pontuais da integração, como limitação da língua, ausência de documentação, diferenças culturais e, em especial, a situação emocional e social desses estudantes?
CM: Primeiro, a ausência de documentação não parece ser um problema expressivo. Muitos refugiados digitalizaram seus documentos e os mandaram para uma nuvem ou simplesmente trouxeram no smartphone. Também, na maioria dos países o sistema de correios ainda funciona. Em relação à língua, sem dúvida esse é o maior desafio. Embora muitos sírios da classe média e com um bom nível de ensino falem inglês, isso não se refere à maioria deles e dos refugiados vindos de outros países. Aprender alemão será crucial para a integração tanto no ensino, como na sociedade. Em muitas universidades, observamos iniciativas de voluntários (estudantes, professores e funcionários do quadro administrativo) que oferecem cursos de alemão ou assistem a refugiados que já participam de cursos regulares. Para ampliar a oferta regular e profissional dos centros de língua nas universidades, será necessário um financiamento substancial. Iniciativas de voluntários também são dirigidas à integração social e cultural com “buddy programs” e imersão cultural por meio de eventos culturais, esportivos, musicais e outros.
Foi criado algum fundo privado ou público para financiar bolsas de estudo para esses estudantes?
CM: Não. Além de um programa do DAAD, de 2014, que proporcionava 271 bolsas para sírios estudarem na Alemanha, não há um programa especifico de bolsas. Os cursos de graduação e, em sua grande maioria, também de pós-graduação, são gratuitos nas universidades alemãs. O governo decidiu abrir um acesso especial a bolsas de custo de vida para refugiados dentro do programa de bolsas federais chamado “BaFöG”. Assim, para a grande maioria dos refugiados haverá ensino gratuito e um sustento mínimo para cursar uma universidade.
Como tem sido a aceitação e o envolvimento da comunidade acadêmica alemã em relação à integração dos refugiados na universidade?
CM: Observamos um comprometimento da academia (estudantes, professores) com este desafio social e político da Alemanha. Também observamos que dentro da sociedade cresce uma preocupação em relação à questão se “a Alemanha vai dar conta” deste número grande de pessoas e suas necessidades. Há, e estamos alertas sobre isto, o crescimento de uma força política da direita, com alguma inclinação para xenofobia e racismo. Isto tem de ser levado em conta com muita seriedade. No entanto, as universidades se entendem como lugares de vanguarda na internacionalização, na procura do entendimento com outras culturas e pessoas de outras sociedades.
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