Grupo discute criação de lei em defesa da caatinga Meio Ambiente

segunda-feira, 18 janeiro 2016

O movimento Defeso da Caatinga garante que este será um instrumento importante para a restauração ecológica deste bioma

Reconhecido como único bioma integral e exclusivamente localizado no território brasileiro, a Caatinga ocupa 56% do território nordestino e encontra-se espalhada por todos os estados da região, mais o norte de Minas Gerais. Secularmente afetada pela degradação ambiental, a Caatinga apresenta sinais de exaustão.

A convivência humana com a natureza tem sido marcada pela degradação ambiental. No Rio Grande do Norte, um movimento chamado Defeso da Caatinga tem discutido propostas de ação para o enfrentamento do problema. A principal proposta é a criação de uma lei em âmbito estadual para estabelecer um fundo, semelhante ao fundo da Amazônia, para restaurar a região.

Nossa Ciência conversou com a coordenadora do movimento, a professora Magda Maria Guilhermino, da Escola Agrícola de Jundiaí, unidade acadêmica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.  

Nossa Ciência – De que trata o Defeso da Caatinga?

Magda Guilhermino – Trata da construção de uma política pública para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas através da restauração ecológica das áreas de proteção ambiental e reserva legal das unidades produtivas da agricultura familiar do semiárido. Para isso se baseia na multidisciplinariedade e na interistitucionalidade com ações voltadas para indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão.

NC – O que significa restauração ecológica?

MG – Não é simplesmente a revegetação das áreas de proteção permanentes ou de reserva legal, conforme diz o Código Florestal. Restauração ecológica é muito mais que isso. Além da árvore e com a árvore vem o inseto, os pássaros, as bactérias, os fungos e nós precisamos de toda a ecologia para que o sistema entre em equilíbrio e volte a funcionar. A gente segue a recomendação dos especialistas em ecologia e tratamos da restauração ecológica.

NC – Desde quando o projeto existe?

MG – Este projeto iniciou-se em 2014 e é fruto da vivência do Geparn (Grupo de Estudos em Produção Animal e Vegetal Sustentável do Rio Grande do Norte), que trabalha com sistemas de produção em unidades agrofamiliares no semiárido desde 2009 aqui no RN e desde 1998 em outros estados como o Ceará.

NC – Quem são os integrantes do Geparn?

MG – Ele é formado por alunos de diferentes cursos de graduação. Hoje temos oito alunos que trabalham com a gente: três do curso de Engenharia Ambiental, uma de Geografia, três de Zootecnia e um de Ciência da Computação. É multidisciplinar porque envolve várias áreas, Ecologia, Agronomia, forragemcultura, bovinocultura e é interinstitucional porque nós precisamos de várias instituições apoiando o Defeso. Os grupos trabalham nas suas equipes e os trabalhos dão – alguns já têm resultados – e darão suporte para apoiar o Defeso da Caatinga.

NC – Quais os objetivos?

MG – Os objetivos principais são a recuperação do bioma Caatinga, seu uso racional e a educação ambiental pelos agropecuaristas familiares que possuem suas unidades produtivas inseridas neste bioma. E a consequência de tudo isto é a mitigação das mudanças climáticas.

NC – Como está formada a equipe?

MG – A equipe é multidisciplinar e interinstitucional e formada por cidadãos da sociedade civil.

NC – Qual é o papel de cada instituição

MG – As instituições têm que apoiar o Defeso no sentido da construção de uma política pública, coisa que nós, enquanto cidadãos não sabemos muito ainda como agir. Nós participamos pouco de uma construção deste tipo, para todos nós é um exercício de participação. E como participar? Exigindo dos nossos governantes a aplicação da lei em defesa da Caatinga. Para isso, tem os fóruns de discussão das questões metodológicas e legais e esse ano a gente vai trabalhar as questões mais voltadas para a legalidade. As instituições nos apoiam de duas maneiras, enquanto cidadãos apoiando o Defeso da Caatinga, exigindo dos nossos governantes a lei e enquanto pesquisadores ou extensionistas, no sentido de nos dar subsídios para aplicação do defeso, na contribuição da recomposição ecológica da Caatinga, nas várias contribuições temáticas que podem ser dadas por essas instituições.

NC – De onde vem os recursos para o projeto e qual o montante?

MG – Em 2015, o projeto contou com verbas de projeto de extensão da Pró-Reitoria de Extensão da UFRN. Este ano, estamos na busca por editais e também já escrevendo alguns.

NC – Há outros apoiadores?

MG – Toda sociedade civil nos apoia, pois a construção de uma política pública se dá com o apoio de todos.

NC – Qual o balanço de 2015 deste projeto?

MG – Fizemos em 2015, seis fóruns de discussão sobre a política pública Defeso da Caatinga, nos municípios de Macaíba, Parelhas, Carnaúba dos Dantas, Currais Novos e Caicó, participaram em torno de 500 pessoas, e mais importante que isso foi o número de instituições envolvidas, 25 instituições governamentais e não governamentais. A proposta foi amplamente discutida e tivemos grandes avanços na metodologia proposta com apoio essencial da Emater.

NC – Como está estruturado o documento que está sendo redigido? Quais os principais pontos? Qual a previsão de término?

MG – O documento está sendo redigido por vários parceiros baseado nos resultados dos fóruns. Os principais pontos são as condições para o recebimento do subsídio pelo agricultor familiar e os órgãos que estarão envolvidos na aplicação desta lei. A previsão de término deste documento é para o segundo semestre de 2016, se tudo correr bem.

NC – Qual seria o montante necessário para o subsídio a agricultores familiares para a revegetação da área e origem dos recursos? 

MG – Há duas ideias em relação à origem dos recursos. Uma é que seja um fundo. Assim como existe o Fundo da Amazônia, se criaria o Fundo da Caatinga. E a outra é que seja um desconto de todos os usuários de recursos naturais, como as mineradoras, as cerâmicas. A Secretaria de Tributação iria recolher em função da Caatinga. Mas isso é o que está para ser discutido esse ano.

NC – Qual a importância dessa lei?

MG – A lei vai ajudar sobremaneira na recuperação da Caatinga, um dos biomas mais degradados do Brasil, e ajudar no seu uso racional e na educação ambiental da nossa sociedade.

NC – Quais são as principais contribuições da lei que está sendo proposta para a conservação do bioma Caatinga? Há metas e prazos?

MG – A ideia é que o agricultor familiar receba o subsídio na medida em que ele execute essas ações agroecológicas. Quanto às metas e prazos, nós vamos construir esse ano porque o ano de 2015 foi muito difícil por causa da escassez hídrica, da crise política. A sociedade ficou um pouco desestabilizada e teve uma depressão no ânimo desses agricultores. Então, não sabemos exatamente a questão de metas e prazos. A gente pensa que vamos trabalhar para que a partir do segundo semestre, a gente já tenha um documento mais próximo da lei.

NC – A Lei será de caráter estadual ou nacional? Há parlamentares que já foram sensibilizados para o tema?  

MG – A lei será estadual, mas obviamente que tem que ser nacional, pois um bioma não é privilégio de um único local. O bioma Caatinga abrange os estados do nordeste e o norte (do estado) de Minas Gerais. Alguns parlamentares já foram sensibilizados para o tema, mas não sei se tenho autorização para dizer quais são. Como isso e um embate que requer recursos financeiros, a coisa é mais complicada.

NC – Sabe-se que o desmatamento da Caatinga potiguar tem as cerâmicas entre seus principais agentes. Há propostas para esse segmento?

MG – A proposta é que as cerâmicas possam contribuir para a composição desse fundo, que é para construir o subsídio.  

NC – Considerando que o semiárido abrange grande parte do território nordestino, há integração com outras organizações e universidades que atuam na defesa do semiárido ?

MG – A gente está falando muito com Pernambuco, mas não temos nada ainda muito certo. Quem tem nos apoiado bastante é o pessoal da Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco), que trabalhou com a preservação das áreas do Rio São Francisco que foram desmatadas.

NC – Quais as próximas etapas, os planos para o futuro?

MG – Vamos começar com um grande seminário com parceria com a FAPERN (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte),com o professor Manoel Lucas, onde estarão presentes na mesa de debates os vários interessados.

NC – Há alguma programação de fóruns para 2016?

MG – Em 2016, não serão feitos mais fóruns. Já foram feitos seis em 2015.

NC – No campo da pesquisa, o que a senhora destacaria como grande contribuição do Geparn?

MG – Nós trabalhamos muito com o reuso de água das casas dos produtores pra irrigação de palma para uso animal. Trabalhamos na conscientização do problema ambiental, na organização do manejo do sistema de produção animal para que haja uma diminuição no impacto ambiental da produção animal, principalmente bovinos. Esse ano, estamos trabalhando com energia solar.

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