Comunidade científica nordestina lamenta fim da representação do ministério na região e afirma que é necessário garantir uma política nacional forte de ciência, tecnologia e inovação para o país
A extinção da Representação do Ministério de CT&I no Nordeste – ReNE, está dividindo as opiniões da comunidade científica nordestina. De um lado aqueles que não veem mais função no espaço, de outro os que acreditam na importância do papel de articulador regional da ReNE. Apesar de posições opostas, os dois grupos concordam num ponto: é necessário definir uma política nacional forte de ciência, tecnologia e inovação para garantir o desenvolvimento do país.
O governo federal publicou, em 18 de outubro deste ano, o decreto nº 8.877 que define uma nova estrutura regimental e um novo quadro de cargos para Ministério de Ciência, Tecnologia Inovação e Comunicações (MCTIC), que na prática extinguiu a ReNE, junto com seu Conselho Consultivo. Considerada mais uma medida polêmica da gestão do presidente Michel Temer, a decisão engrossa o pacote de mudanças nas estruturas de alguns ministérios, visando reduzir custos e enxugar a máquina administrativa.
Criada pelo Decreto nº 5.886 de 06 de setembro de 2006, como unidade descentralizada, dotada de flexibilidade e autonomia gerencial, cabia a ReNE exercer um papel de articulação, mobilização, acompanhamento e avaliação das ações do ministério na região, potencializando suas ações de modo a:“participar ativamente do desenvolvimento e modernização do país, atuando como núcleo indutor de novas tecnologias de caráter estratégico que permitam promover o progresso e o avanço tecnológico voltados para o desenvolvimento social/econômico/ambientalmente sustentados e a melhoria de qualidade de vida da região nordeste.”
Contraponto
Na contramão da medida, dados dos últimos dez anos sobre a política de ciência, tecnologia e inovação no nordeste demonstram que a atuação da região impactou fortemente a base científica. De 2009 a 2013, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) aumentou em 68,8% o número de publicações na base Scopus, passando de 3.216 para 5.429 artigos. A Universidade Federal do Ceará (UFC), por sua vez, passou de três pedidos de patente, no biênio 2008-2009, para 26 no biênio seguinte, de acordo com o Ranking Universitário Folha, de 2014. No ranking das universidades que mais cresceram em número de pedidos de patentes figuram outras duas: a Universidade Federal de Sergipe (UFS), que passou de cinco para 24 pedidos no mesmo período, e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que pulou de três para 14 pedidos.
Para o professor aposentado do Centro de Informática da UFPE, Silvio Meira, a ReNE teve um papel atuante e articulador, quando Sergio Rezende foi o ministro de Ciência e Tecnologia, tendo sido responsável pela discussão de projetos importantes. “Mas nos últimos cinco anos essa atuação desapareceu. Daí pra frente não fez a menor diferença a existência ou não da ReNE. Fico até surpreso de saber dessa extinção, pois não sabia que ainda existia”, opina.
Ainda de acordo com ele, é necessário que o país tenha uma politica nacional de CT&I, pois sem isso uma representação regional não adianta nada. “Se houvesse uma verdadeira agência com recursos para estabelecer ações ao redor de programas regionais, em problemas como questões do semiárido, por exemplo, mas isso não estava acontecendo com a ReNE. Grandes corporações globais estão cada vez mais tirando suas bases locais e concentrando a tomada de decisão, trabalhando conectados em rede. Essa é a tendência mundial, algo que não temos hoje e não tivemos nos últimos anos”, analisa Meira
Consequências
O pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Jorge Falcão, diz que a instituição vê com preocupação o encerramento das atividades e fechamento da representação no nordeste do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. “Tal iniciativa se insere no bojo de um conjunto de medidas que têm atingido a provisão de recursos orçamentários do MCTI nos últimos anos, com reflexos para toda a política nacional de pesquisa e inovação, e em especial para o nordeste”, afirma.
De acordo com Falcão, a região nordeste tem lutado por apoio específico nesses últimos anos, e tem traduzido o apoio em produção nos mais diversos domínios – desde a ampliação do parque de unidades construídas até aumento do efetivo de pesquisadores, publicações e patentes. “A retirada desse apoio traz consequências para um processo histórico que ainda tem muito o que caminhar. A UFRN, em sua trajetória nos últimos anos, é um exemplo vivo do que se construiu e ampliou no contexto dos apoios vigentes, processo que não teria certamente ocorrido caso medidas de restrição de investimentos como as que se implementam agora tivessem sido adotadas no início desse período histórico. Sem absolutamente fugir à responsabilidade gerencial-contábil que todo o setor público enfrenta neste momento, a UFRN chama a atenção do poder público para a distinção crucial que é preciso fazer entre despesa e investimento – este último fundamental para alavancar o desenvolvimento sustentado do país a médio e longo prazos”, alerta Falcão.
Retrocesso
O último coordenador geral da extinta Representação Regional no Nordeste do MCTI, José Bertotti, se mostra inconformado com a medida, dizendo que sequer foi consultado. “Eu considero isso um retrocesso do ponto de vista da implantação de uma política de desenvolvimento de ciência e tecnologia. Uma política nacional que olhe as peculiaridades regionais. A ReNE teve um papel fundamental para elevar a qualidade e a quantidade da CT&I no país e os números mostram isso”, desabafa. Ele atuou na coordenação de agosto de 2015 a julho de 2016 e reforça que a representação regional é um instrumento de articulação com um olhar mais atento para o local.
Segundo ele, a extinção da ReNE, a fusão dos ministérios de CT&I e Comunicações são ações que colocam em risco o desenvolvimento do país, podendo levar a um retrocesso, afastando o Brasil do resto do mundo. “A CT&I é necessária como subsídio para a melhoria da vida e para que os países possam elevar o potencial de desenvolvimento. Os mais desenvolvidos são os que mais investem em ciência e tecnologia e inovação. É preciso que o Brasil acorde para isso”, ressalta.
Debate aberto
Questionado sobre uma justificativa para a medida de extinção da ReNE, o MCTIC, por meio de sua Assessoria de Comunicação Social, enviou a seguinte nota: “O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) informa que após o reestruturamento do ministério, em 16 de novembro deste ano, a representação do MCTIC na região nordeste deixou de existir. Atualmente, o ministério só possui escritório de representação na cidade de São Paulo. A reestruturação levou em consideração que São Paulo é um polo de pesquisa e desenvolvimento de ciência e tecnologia, contendo várias de suas entidades vinculadas, com proximidade a outros estados que também abrigam entidades vinculadas e outros institutos de pesquisa.”
Em artigo publicado no Jornal da Ciência, o professor titular da UFPE, José Antônio Aleixo da Silva declarou que não poderia haver notícia pior para o nordeste. “A extinção da ReNE corrobora com a quebra de continuidade na execução da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. É uma medida que vai no sentido oposto do que se espera, de um momento em crise econômica, onde os países investem em C&T visando produzir conteúdo inovador na produção de bens e serviços”. Ele acredita que a bancada nordestina no Congresso Nacional reagirá sobre a medida.
E a reação veio. A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), da Câmara dos Deputados aprovou no final de novembro, requerimento da deputada federal Luciana Santos (PCdoB-PE) para realização de audiência pública para discutir a extinção da ReNE.
Audiência pública
Em sua página na internet, a deputada publicou sobre a importância do debate. “É mais do que essencial que se debata a necessidade de intervenção nas áreas de ciência e tecnologia para que não haja, principalmente, abandono de avanços tão importantes para o país. Além do que a pesquisa, a ciência, a tecnologia e as inovações são ferramentas que as grandes economias sempre utilizaram e priorizaram como respostas a crises econômicas”, defende Luciana.
A data do encontro ainda não foi definida pela secretaria da CCTCI, mas estão na lista de convidados para o debate Inácio Arruda, secretário de Estado da Ciência e Tecnologia e Educação Superior do Estado do Ceará, José Bertotti, coordenador geral da extinta Representação Regional no Nordeste do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Sérgio Rezende, ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, e Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciência.
Bertotti está preparando uma apresentação sobre o que foi realizado durante sua gestão na ReNE para participar da audiência pública aprovada pela CCTCI. “Temos no país uma assimetria de concentração de universidades e grupos de pesquisa, que estão na maioria na região sudeste. Quando se implementa uma política forte para desenvolver o país de acordo com suas potencialidades, isso permite o desenvolvimento das diferentes regiões”, afirma.
Edna Ferreira
Deixe um comentário