Ex-ministro Sérgio Rezende espera que o MCTI volte e traga com ele recursos mais significativos para os cientistas brasileiros
Convidado a proferir a aula inaugural do segundo semestre letivo de 2016 do Programa de Pós-Graduação em Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o ex-ministro de Ciência e Tecnologia, professor Sérgio Rezende, esteve em Natal no dia 10/8 e falou com exclusividade ao Nossa Ciência. A palestra foi realizada no auditório do Instituto Internacional de Física (IIF) da UFRN.
Sérgio Machado Rezende é formado em Engenharia Eletrônica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Concluiu mestrado e doutorado em Física no renomado Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. Ele foi ministro da Ciência e Tecnologia de 2005 a 2010. Enquanto ministro, o professor foi um dos articuladores e incentivadores da implantação na UFRN do Instituto Internacional de Física, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento tecnológico e científico do país, notadamente nas regiões Norte e Nordeste.
Preocupado com o momento político do país, Sérgio Rezende afirma que o governo interino vem demonstrando não valorizar a ciência, a tecnologia e a inovação, e acredita que apesar disso Michel Temer e sua equipe deverão ser confirmados em breve.
Nossa Ciência: Como o senhor está vendo o atual cenário político no Brasil?
Sérgio Rezende – Os caminhos políticos são muito tristes, estamos vivendo um retrocesso na democracia do Brasil. Nos sistemas parlamentaristas quando o primeiro ministro não vai bem, ele é trocado, é uma coisa natural. É o Congresso que faz isso ou a população vota nos congressistas e eles então decidem quem é o primeiro ministro. Mas, num regime presidencialista, os presidentes são eleitos para um mandato e quando esse mandato é impedido de ser cumprido nós temos um retrocesso na democracia.
Acho que está muito claro hoje, para a sociedade, que as acusações contra a presidente Dilma não têm o menor fundamento, que na verdade é um processo político. No entanto, temos que reconhecer que o governo dela não vinha bem. Ela não conseguiu, pela própria forma dela conduzir as coisas e por seu ministério, ter uma articulação boa com o Congresso. E nós temos um Congresso muito específico, no qual os congressistas precisam ter suas demandas atendidas e o governo Dilma não fez isso. De modo que é um retrocesso político, um retrocesso na democracia no Brasil.
NC: E como ficam a ciência, a tecnologia e a inovação do país nesse processo?
SR – O governo interino – que acho será confirmado brevemente – demonstrou que não valoriza a ciência, a tecnologia e a inovação, porque no momento em que faz uma fusão do MCTI com outro, o das Comunicações, e nós tínhamos uma informação anterior de que seria com o ministério da Indústria e do Comércio, tanto faz, seria o mais conveniente por questões políticas. Ao fazer isso, o governo está demonstrando que não valoriza a ciência e os argumentos usados não são válidos, um deles é para economia de recursos. Ora, os ministérios têm seus funcionários, seu custeio, tem seus orçamentos e eles praticamente não foram alterados, a única coisa que aconteceu é que se extinguiram alguns cargos: ao invés de dois ministros, só temos um, no lugar de dois secretários executivos só tem um, ou seja, é uma economia irrisória.
NC: Estão faltando recursos para a ciência no Brasil?
SR – Eu costumo dizer que no Brasil o problema da economia não é da falta de recurso, é da má utilização dos recursos. E o que chama mais atenção é que o MCTI tem um orçamento para esse ano de aproximadamente 5 bilhões de reais, o ministério da Educação tem um orçamento bem maior, 90 bilhões, e o da Saúde tem 100 bilhões. Agora esses três ministérios muito importantes somados dão 200 bilhões de reais por ano. Ora, o que a união está pagando dos juros para o sistema financeiro com uma taxa Selic que está no momento 14,25% ao ano, o governo está pagando 540 bilhões de reais. O Brasil tem hoje a maior taxa de juros real do mundo, e não é maior, é muito maior. Assim que o Banco Central, há duas semanas, manteve a taxa Selic alguns jornais, em suas seções de Economia, mostraram que a taxa real de juros hoje no Brasil é 8% ao ano, o país que está em segundo lugar é a Rússia com 3% e depois a Indonésia com 2,6%. Então, não há justificativa hoje para termos uma taxa de juros tão alta, porque ela em geral é aumentada pelos países para esfriar a economia e diminuir a inflação, se diminuir a demanda, a inflação diminui. Só que a economia no Brasil está quase paralisada, o nosso Produto Interno Bruto vem caindo há dois anos, então não adianta manter a taxa de juros tão alta. Essa taxa de juros está realmente drenando recursos da União para o sistema financeiro como um todo e fazendo com que o Brasil esteja nessa recessão. Ao invés de enfrentar problemas reais, que existem, o governo acena para a população que está fazendo a máquina mais eficiente, fazendo essa fusão de ministérios que é mais um jogo de cena.
NC: Como o senhor viu essa fusão do MCTI com o Ministério das Comunicações?
SR – Para nós da comunidade científica ela [a fusão ministerial] tem um significado muito ruim, ela quer dizer que a ciência não é importante para esse governo. Então, a comunidade científica e tecnológica tem toda razão de estar apreensiva, não sabemos o que vai acontecer num futuro breve. Logo esse governo deverá estar confirmado e nós devemos nos mobilizar, protestar e esperar que numa mudança ministerial, que eventualmente vai acontecer quando ele [Temer] for confirmado presidente, que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação volte a ser individualizado com seus programas e espero que nós voltemos a ter recursos mais significativos do que temos hoje.
NC: Em artigo publicado no Nossa Ciência, o professor Ronaldo Angelini, da UFRN, propõe que o fortalecimento das agências de fomento pode gerar mais resultados que a manutenção do MCTI. O que o senhor acha disso?
SR – Ter mais recursos para CNPq e Finep, esse desconforto seria minorado. A importância de ter um ministro da ciência e tecnologia é porque o ministro dialoga com o presidente da República, então, ele pode participar de políticas mais amplas. Eu tive a felicidade de participar disso com o presidente Lula que valorizava a área. Vários programas que nós tivemos não eram programas do ministério, muito menos só das agências. As agências fortalecidas elas são importantes, mas se cada uma atuar por conta própria nós não temos realmente uma política. A política de ciência, tecnologia e inovação deve estar articulada com a política industrial, de saúde, porque todas essas áreas precisam de inovação. A importância de se ter um ministério é essa de ter um ministro que dialogue com o presidente e com os outros ministros. Muitas vezes se faz um paralelo do Brasil e outros países, por exemplo, os EUA que tem uma ciência muito forte e não tem ministério. É verdade, isso porque eles começaram a fazer ciência muito antes, as universidades deles são muito antigas e a ciência tem um papel importante no desenvolvimento do país.
As agências de fomento tendo bastante recursos isso é suficiente para a comunidade científica ter condições de fazer o seu trabalho. Só que o Brasil não está nessa situação, para nós, é importante ter um ministério, um ministro de CT&I, por que esse ministro pode fazer política com outros ministérios. No Brasil, nós precisamos de um órgão maior que faça a coordenação entre as agências de fomento e com os outros ministérios.
NC: Qual o perfil ideal para o ministro de CT&I: administrador, cientista ou político?
SR – Nós já tivemos ministros cientistas que não foram bons ministros e já tivemos políticos que foram ótimos a frente da pasta. Então, isso depende muito da pessoa, da capacidade, da habilidade e da articulação. Nós precisamos, sim, de um bom ministro prestigiado pelo presidente da República e pelo governo como um todo.
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