Especialistas alertam para os desafios de ampliar as pesquisas e consolidar as áreas de conservação permanente deste bioma
A Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro, predominante na região do Semiárido e ocupando cerca de 900 mil quilômetros quadrados, o que corresponde a 11% do território nacional e 70% do nordeste. Hoje, no Dia Nacional da Caatinga, há motivos para comemorar ou ainda há muito trabalho pela frente? A convite do Nossa Ciência, especialistas no assunto fazem um balanço da situação desse bioma. Ampliar as pesquisas de bioprospecção, consolidar as áreas de conservação permanente e buscar alternativas econômicas sustentáveis estão entre os desafios apontados.
Esse bioma engloba de forma contínua parte dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. Durante muito tempo a Caatinga foi descrita como ecossistema pobre em espécies. No entanto, estudos recentes apontam o contrário. A flora já levantada registra aproximadamente mil espécies, das quais um terço são espécies endêmicas (exclusivas). Estima-se que o total de espécies vegetais alcance 2 mil a 3 mil. Além das plantas, mamíferos, peixes, aves, répteis e anfíbios superam mil espécies com um nível de endemismo bastante variado. É desse patrimônio biológico que o sertanejo obtém madeira, carvão, carnes, frutas, plantas medicinais, fibras, mel e forragem para os rebanhos.
Para o diretor do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), o engenheiro agrícola Salomão Medeiros, há pontos positivos que são merecedores de comemoração, mas é preciso avançar muito mais na questão da conservação e da biodiversidade da Caatinga. “É um bioma ainda pouco conhecido em termos de potencialidades, é preciso avançar, por exemplo, na questão da bioprospecção de plantas da Caatinga. O INSA articula uma rede de pesquisa que vem estudando aplicações de plantas para fins de cosméticos, óleos essenciais e medicamentos”, afirma.
De acordo com Medeiros, além de avançar nas pesquisas, é preciso consolidar as áreas de preservação permanente. “A nossa caatinga foi muito explorada principalmente para fins energéticos e de pecuária, então é necessário que se dê alternativas para essas atividades. No INSA trabalhamos com três espécies de palmas resistentes a pragas que podem servir como alternativa de alimento para o rebanho do semiárido. Então, quando você fornece alternativas, você reduz a pressão dentro da caatinga e consequentemente reduz o desmatamento e a degradação”, explica.
No dia dedicado a homenagear a Caatinga, o professor Renato Garcia, coordenador do Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental (Nema) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), revela que há sim o que comemorar, principalmente nas questões relacionadas à população que vive na região do semiárido. “Numa sociedade onde a questão ambiental é polarizada e que possuem setores que afirmam que conservar é atrasar o desenvolvimento, o trabalho jamais cessará. Mas temos muitos pontos a comemorar, o primeiro e óbvio é que a vida das pessoas que habitam a Caatinga melhorou sensivelmente. Com pessoas possuindo uma melhor qualidade de vida ações ambientais se tornam mais viáveis, uma vez que trabalhar conservação da natureza em bolsões de extrema pobreza e/ou fome é, em minha opinião, muito mais difícil”, afirma.
Dados do INSA apontam que o mau uso e ocupação da terra pelo homem têm, há tempos, levado um estresse ambiental à caatinga sem precedentes na história. As razões principais seriam o uso da mata nativa para lenha e carvão e o avanço de polos agropecuários. De acordo com estudos do instituto, entre 2002 e 2008, foi removida da caatinga o equivalente a 1.657.600 campos de futebol. “O desafio é reconhecer os limites do ambiente, todo ambiente tem suas limitações. Não estamos sabendo respeitar o bioma Caatinga. Por isso, é importante conhecer mais, vivenciar mais para conhecer esses limites”, destaca Salomão Medeiros.
Situação preocupante
O professor do Nema/Univasf tem mestrado e doutorado em Ecologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e trabalha com Caatinga desde 2008. O núcleo comandado por ele é responsável pela execução de dois planos ambientais da transposição do rio São Francisco, o programa de conservação de fauna e flora (especificamente o subprograma de monitoramento das modificações na composição, diversidade e cobertura da vegetação) e também o programa de recuperação de áreas degradadas vinculadas a obra.
Na opinião de Garcia, a caatinga engloba diferentes aspectos, como uma grande variedade de tipos vegetacionais, o que confere um grande grau de complexidade para avaliar a situação do bioma como um todo. “O que sabemos de forma geral é que a caatinga perde aproximadamente de 200 a 300 mil hectares de cobertura vegetal por ano, hoje ainda restam aproximadamente 50% de sua cobertura vegetal original, sendo que dentro dessa quantidade existem vegetações com diferentes graus de alteração. Creio que a situação da Caatinga não seja menos preocupante que a dos demais biomas brasileiros, onde a sociedade deve se manter atenta pois as pressões de desmatamento se mantem ou crescem numa velocidade muito superior às ações de recuperação ou conservação. Um ponto que podemos afirmar com segurança é que ainda faltam Unidades de Conservação de uso restrito nesse bioma, além de um plano efetivo de conservação”, resume.
Desafios
O professor da Univasf aponta outros pontos merecedores de comemoração, como o rápido aumento no conhecimento sobre a Caatinga, mas alerta que ainda há problemas a resolver. “Antes um quase vazio de pesquisa científica, a Caatinga vem recebendo cada vez mais atenção da comunidade acadêmica. Isso tem uma forte relação com a criação de diversas Universidades Federais e Estaduais na região, atraindo um corpo técnico de alta qualificação o que tem causado um forte impacto sobre o conhecimento do Bioma. Entretanto, temos muitos problemas a resolver, alguns deles também vêm acompanhando a melhoria de vida da população, como exemplo podemos citar a ampliação da demanda e da exploração do recurso hídrico já escasso naturalmente na Caatinga”, pondera.
Os especialistas afirmam que há muitos desafios pela frente e acreditam que é possível manter a melhoria da qualidade de vida da população sertaneja com políticas e ações que não acelerem a perda da cobertura vegetal. “Com a entrega de algumas obras em andamento como a Transnordestina e a transposição do rio São Francisco um novo ajuste econômico e possivelmente fundiário ocorra. Esse ajuste não deve ocorrer a revelia dos novos conhecimentos sobre a ecologia da Caatinga, novos e descuidados ciclos econômicos podem pressionar uma explosão demográfica nas cidades aumentando a pressão sobre recursos. Também podem ocasionar em médio prazo um aumento na quantidade de áreas degradadas, ressaltando que a recuperação de áreas degradadas na Caatinga é um dos maiores desafios científicos do Bioma”, alerta.
Segundo Garcia, é preciso enfrentar o difícil desafio de gerar tecnologia para criação do rebanho caprino e bovino na Caatinga, pois o sobrepastejo em vários setores já demonstra seus impactos e possivelmente algumas espécies vegetais podem estar em forte caminho para extinção local. “Esses desafios podem e devem ser enfrentados, mas serão muito mais rapidamente vencidos com uma sociedade capaz de ver na Caatinga toda sua beleza e riqueza, se libertando das visões antiquadas que colocavam a Caatinga como ambiente pobre e abandonado, o que definitivamente ela não é”, afirma.
Sobre o Dia Nacional da Caatinga
O Decreto Federal de 20 de agosto de 2003, publicado no Diário Oficial da União, seção 1, edição 161, página 5, de 21 de agosto de 2003 institui o Dia Nacional da Caatinga, a ser comemorado no dia 28 de abril de cada ano. A data homenageia o professor João Vasconcelos Sobrinho (1908-1989), pioneiro na área de estudos ambientais no Brasil. O Dia Nacional da Caatinga foi celebrado oficialmente pela primeira vez no Seminário “A Sustentabilidade do Bioma Caatinga“, ocorrido nos dias 28 e 29 de abril de 2004 em Juazeiro, na Bahia.
Veja também:
Simpósio vai discutir o bioma Caatinga
Grupo discute criação de lei em defesa da caatinga
Publicação revela situação do esgotamento sanitário no Semiárido
Deixe um comentário