O professor do IMD/UFRN, Ivanovitch Medeiros Dantas da Silva fala de seu espírito inovador, startups e futuro
Durante uma conversa informal, os alunos perguntaram ao professor como ele tinha se envolvido com a inovação e qual o caminho para inovar? A resposta de Ivanovitch Medeiros Dantas da Silva, do Instituto Metrópole Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IMD/UFRN) foi simples e direta: “sempre tive o espírito inovador”. Como é professor, encontrou o caminho da inovação nas salas de aula. Uma das maneiras, segundo ele, é começar a observar seus alunos de forma individual e começar a fazer pesquisas; seja no campo das ideias, seja no campo da produção.
Assim, ele encontrou em alunos a sua equipe para trabalhos e projetos, que não são poucos. Sendo um fomentador do empreendedorismo e da inovação, o professor tem uma excelente rede de networking. De acordo com ele, todo esse entusiasmo faz com que alunos o procurem e coloquem ideias em prática, fomentando e espalhando a cultura empreendedora.
Com graduação em Engenharia de Computação (2006), mestrado (2008) e doutorado (2013) em Engenharia Elétrica e Computação pela UFRN, há três anos Ivanovitch está no IMD. Ele é responsável por aulas de projetos, sistemas embarcados e sistemas operacionais, e orienta alunos de mestrado e doutorado em engenharia elétrica e computação.
Nessa entrevista para o Nossa Ciência, o professor Ivanovitch fala de sua trajetória e seus principais projetos.
Nossa Ciência: O que é empreendedorismo?
Ivanovitch Silva: Minha visão de empreendedorismo é fazer alguma coisa e não necessariamente criar uma empresa. A empresa é a consequência daquilo que você está fazendo. Na nossa região o pessoal é muito empreendedor e não necessariamente inovador. Eu posso fazer um serviço e ele ter baixo valor agregado e qualquer pessoa pode fazer aquilo e talvez até melhor; mas para mim empreendedorismo é fazer com inovação e fazer o diferente.
NC: Quais são as principais características do empreendedor?
IS: Foco. Primeiro a pessoa tem que ter visão de mercado, de que aquilo pode ser monetarizado. Fazer coisas legais não dá dinheiro, você tem que fazer coisas que podem ser monetarizadas e ser importante para as pessoas; tem esse lado. Mas, não é só ganhar dinheiro, há uma necessidade de se fazer coisas que sejam úteis para as pessoas. E tem que ter foco. Hoje a gente vê os jovens dizendo que quem montar uma empresa fica milionário. Primeiro que ninguém fica milionário da noite para o dia e segundo eles querem fazer várias coisas. Tem que ver a diferença entre multidisciplinar e multitarefa.
Durante o dia, você está fazendo três tarefas. De manhã você está fazendo uma coisa, aí você sai e no final da manhã, você faz outra. Isso já complicou completamente. Você tem que ter foco. É a analogia do camaleão e do polvo. O camaleão ora está verde, mas ele só está verde, depois que ele muda de cor e fica só vermelho. Ele não fica de todas as cores ao mesmo tempo. O polvo não, ele faz várias coisas ao mesmo tempo. Eu acho que a gente tem que ser camaleão. Eu quero criar um celular, vou focar minha energia para criar um celular, depois quando eu acabar, vou fazer outra coisa. É difícil de lidar com isso porque até a nossa realidade não permite, mas eu acho que você tem que focar.
NC: Foco e o conhecimento do mercado são inatas ou adquiridas?
IS: A gente pode até nascer com algumas aptidões, mas tudo se aprende, seja lendo livro ou conversando com alguém mais experiente. Desde que eu entrei no IMD, todo dia eu aprendo alguma coisa nova e depois que comecei a me aproximar mais da Incubadora, de algumas startups, o aprendizado é exponencial.
NC: Seu interesse por empreendedorismo começou no IMD quando você se tornou professor?
IS: Foi e eu comecei meio tarde, mas eu sempre quis criar alguma coisa. Não sei se por problema meu ou por questão do meio, mas na minha formação como aluno de engenharia da computação (currículo lattes) não fui estimulado. Quando eu estava para me formar eu vi que dava para fazer as coisas. Procurei qual era a melhor empresa para se trabalhar na América Latina, mandei meu currículo, fui chamado para uma entrevista e fui contratado pela Kentec / Siemens. Daí, fui morar no Rio de Janeiro. Trabalhamos em vários grandes projetos, inclusive na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Nós fizemos o Manual de Construção da refinaria, era projetar a refinaria e também no Comperj – Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Lá no Rio, o ecossistema de empresas é muito mais agressivo do que aqui no nosso estado e a gente começou a enxergar oportunidades. Caramba, o cara está usando um software na indústria que eu poderia fazer aquele software! Eu vi isso na minha graduação, mas não tinha sacado que se eu fizesse (pausa do entrevistado). Dentro da própria empresa, eu fiz várias viagens para grandes empresas de mineração, aqui usa um hardware que se comunica com caminhão e o caminhão se movimenta sozinho e isso é simples da fazer, eu poderia ter feito, por que eu não faço isso? Ai ‘startou’.
Depois eu entrei no mestrado e passei um tempo fora no exterior. Essa parte do empreendedorismo é muito mais aguçada nos alunos, mas eu vi isso nos alunos de graduação que eu tinha contato. Quando acabei o doutorado, entrei no IMD, como professor, e o foco do instituto é inovação. Então eu pensei, agora eu tenho que inovar, mas como é que eu vou inovar? Eu não fui treinado para isso! Então, eu tenho que me auto treinar e eu comecei a procurar pessoas inovadoras. Estudar o que as pessoas estavam fazendo.
NC: Qual sua área como professor do IMD?
IS: Sistemas embarcados. Um celular, por acaso liga, mas faz muitas outras coisas. Também um carro, que por acaso anda, mas daqui a pouco ele vai fazer milhares de coisas. E essa área é interessante porque você consegue tirar suas ideias do papel .
NC: Empreendedorismo e cidades inteligentes. Qual é a conexão?
IS: Total. A cidade por muitos anos vem usando um modelo reativo, que é um modelo deficiente. Tem violência na rua, está muito poluído, o trânsito está ruim e para cada um vai se criando soluções. A cidade inteligente segue o modelo proativo, ela faz as coisas antes delas acontecerem, mas qual é o problema disso? A cidade pode ser vista como um sistema de sistemas e esses sistemas não falam entre si. O pessoal do trânsito não fala com o pessoal do meio ambiente. No momento em que eles conversam entre si, você pode fazer correlações dos dados e identificar os problemas e isso que é o entrave central das cidades inteligentes. Claro que tecnologias serão desenvolvidas para criar um poste inteligente, que fica monitorando se as ruas estão escuras ou não, para desligar. Monitorar o trânsito para saber onde o ônibus está. Os ônibus têm o GPS, eu poderia abrir meu celular e ver onde o ônibus está e só sair para a parada no momento em que ele estivesse passando. Mas por que isso não está implantado? São entraves políticos, porque não tem uma lei que obrigue as empresasa terem esse tipo de serviço.
NC: Os ônibus de Natal, por exemplo, têm GPS?
IS: Eu não sei se 100% têm, mas todos os que eu vejo tem. Isso é um mercado para o futuro.
NC: O Brasil e o nordeste vão criar tecnologias importantes?
IS: Eu acredito muito no nordeste. Eu sou muito fã da iniciativa dos IFs – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Acredito que essa vai ser uma das grandes revoluções do nordeste. Nas cidades no interior, o sujeito só tinha (opção) de duas realidades ou fazia Administração ou fazia Letras e não é que sejam cursos ruins, tem mercado de trabalho para eles. Mas só isso? Se a pessoa nasce com aptidão para a tecnologia, não tinha essa possibilidade, mas agora tem. O cara lá no interior de Currais Novos, Pau dos Ferros tem condição de fazer um aplicativo e colocar isso no mundo para vender. Isso demora a mudar a roda, os grandes investimentos estão na região sul (do Brasil), mas coloque uma década. Eu acredito que essa geração dos IFs vai revolucionar bastante a sociedade. Em menos de três anos, a gente já vai ver casos de sucesso dessa geração. O pessoal lá no interior aprendendo a programar, aprendendo a fazer hardware e isso a longo prazo terá um ganho muito significativo para a sociedade.
NC: Qual é o seu papel junto às startups?
IS: Com a Ciência Ilustrada, do (médico) Francisco Irochima tem muita experiência em empreendedorismo. A conversa começou informalmente e percebemos que poderíamos desenvolver coisas juntos. Estamos desenvolvendo um produto inovador para a área de segurança dos carros, temos o protótipo e estamos em fase de apresentação para os clientes. É um mercado em franca expansão porque há muitos carros na rua. Ele é um produto porque não vai só rastrear os carros, ele rastreia de uma maneira diferente, através de imagens. O produto se chama ‘goose’.
A gente coloca esse dispositivo no carro e se ele for roubado os outros carros identificarão o seu carro. Você não precisa de rastreador, porque o rastreador não estará no seu carro, e sim nos outros carros. Através disso ele será localizado, praticamente em tempo real, muito mais rápido do que com o sistema da polícia hoje. Eu tive a ideia e o pessoal da empresa viu como tirar isso do papel, foi ai que a gente motivou alunos com capacidade de fazer isso.
NC: E em que etapa está esse projeto?
IS: Temos reuniões marcadas com algumas seguradoras. É um dispositivo pequeno, de fácil instalação no carro e ele tem uma câmera. A gente usa os dados abertos da Polícia Federal, do Serpro e sabemos se o carro foi roubado ou não. Se passar um carro na frente do seu, a gente sabe se ele é roubado. Há algumas câmeras na cidade, chamadas portais, são cinco ou seis, que quando você passa, a Polícia sabe se o carro é roubado ou não. O que a gente está fazendo é transformar esses portais em milhares.
NC: Como é a sua contribuição nesses projetos?
IS: O mercado não é a academia. A academia está acostumada com prazos longos, um ano, dois anos e ao final não sabe se vai ter um resultado. No mercado tudo é para ontem. Você tem a ideia, tem que apresentar para o cliente e já fazer, no mercado o tempo é curto e a academia não está preparada para isso. Os alunos também não. O mercado quer rápido, mas para fazer rápido é preciso uma equipe muito boa e com experiência naquela área. Na computação o tempo é rápido. Às vezes você consegue prototipar uma ideia rapidamente, obviamente não é um produto final e já mostrar para o cliente, mas ele precisa ver funcionando e ele aposta nisso. E é isso que a gente está fazendo. Tive a ideia do produto, procuramos as empresas para tirar do papel e motivamos alunos com capacidade de fazer, de desenvolver. Não são todos os alunos, alguns precisam ser estimulados, outros já têm isso de forma nata. Quando eles percebem que é possível (criar algo) parece que rompe uma barreira, eles viram empreendedores.
O grupo de pesquisa do qual eu participo já vem trabalhando nessa parte da indústria há 10 anos e a startup Logup é a segunda empresa do grupo. Eles trabalham com a parte de historiador de dados, visualização. A indústria tem vários sensores que vão dizer a temperatura, o nível da água. Eles pegam esses dados e jogam num banco de dados e mostram para o gerente para saber como está a planta industrial. Eles têm um produto bem robusto, já é usado na Petrobras. Esse mercado de cidades inteligentes é um mercado muito interessante para eles. Atuamos mais no meio de campo, vendo as oportunidades e apresentando para eles. Funcionamos como uma escada para eles ou como elo entre pessoas. É bem gratificante poder fazer isso.
NC: Como fica a questão das patentes desses projetos?
IS: A própria Universidade está estimulando (o depósito de) patentes. Mas a patente não é de graça, tem um custo envolvido, e eu não posso patentear qualquer coisa porque senão a universidade vai à falência. Nesse semestre eu vou ministrar uma disciplina de projetos e no final, o aluno tem que desenvolver um produto e inscrever uma patente, ou seja, tem que ser inovador. Em geral, as pessoas nem sabem como inscrever uma patente e é importante estimular isso até para que eles se protejam.
Eu sou muito estimulado com essa parte de inovação e empreendedorismo. Com a nova lei de inovação, agora há espaço para professores participarem de empresas, mas o grande papel do professor é ser uma escada para os alunos, estimular para eles poderem crescer.
Eu sempre tive a docência em mim, sempre tive vontade de ensinar, de estimular as pessoas a crescer e ser melhores profissionais. Desse ponto de vista, no instituto, eu acredito que posso também tocar dezenas de pessoas e talvez minha contribuição seja muito maior do que se eu fosse criar uma empresa.
NC: Como será o futuro?
IS: O futuro já está sendo agora. O pessoal vê o futuro com uma visão linear, o que é um erro, porque é preciso uma visão exponencial, o crescimento é muito rápido. Em dois, três anos a gente vai ver carros andando na rua sem motorista e a gente vai ver quebras de paradigmas. Vai chegar um ponto que as pessoas vão colocar um óculos de realidade virtual e dizer: eu quero Paris. Então, a pessoa carrega (o óculos) e fica vendo Paris. E isso pode chegar a um ponto que talvez nem valha a pena ir realmente a Paris. Não sei se isso vai ser bom ou ruim. Essa parte de nanotecnologia, bioinformática são áreas promissoras. Eu tenho muito contato com as startups e estou vendo que eles estão fazendo coisas de alto valor agregado, que não é apenas um serviço é algo que agrega valor às empresas e aos clientes deles. Os clientes querem manter os lucros e economizar os gastos e quem focar em produtos assim, vai se dar bem.
Deixe um comentário