Ildeu Moreira, presidente da SBPC, fala da importância da adesão das entidades científicas ao evento desta terça-feira no Congresso Nacional, em Brasília
Nesta terça-feira, dia 10 de outubro, entidades científicas e acadêmicas de todo o País estão sendo convocadas para atividades conjuntas em Brasília, no Congresso Nacional. O objetivo é pressionar o governo a aumentar o orçamento previsto para 2018 e reivindicar o descontingenciamento de recursos de 2017 para ciência, tecnologia e educação pública superior.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) está mobilizando todas as associações científicas a ela afiliadas a enviarem representantes ao evento, e convida também os dirigentes de instituições de pesquisa e ensino a participarem. Mais de 25 entidades já confirmaram que estarão presentes às atividades: 11 sociedades científicas, outras oito instituições representativas da área de educação e C&T nacionais e oito institutos de pesquisa brasileiros.
Em entrevista ao Nossa Ciência, o presidente da SBPC, o físico Ildeu de Castro Moreira falou sobre a necessidade da adesão da comunidade científica às manifestações e comparou os recursos aplicados em C&T pelo Brasil e outros países.
Nossa Ciência: O que você espera para esse evento?
Ildeu de Castro Moreira: A ideia é que os representantes das sociedades científicas também estejam lá para discutir esse momento e o orçamento para o ano que vem. Essas sociedades científicas são da área de Física, de Comunicação, de Química, de Zoologia, Botânica, Educação, Ciências Sociais, Filosofia, Geologia, todas as áreas, mas a gente precisa estar mais integrado a fazer um trabalho de mobilização mais intensa junto da própria comunidade científica, da própria academia. Estamos vivendo esse momento crítico em que recursos para bolsas do CNPq, da Capes estão em pauta, que os recursos são diminuídos drasticamente, no entanto, a gente nota que a mobilização dos próprios estudantes que tem bolsa e que vão depender esses recursos para seus projetos futuros, para sua carreira se mobilizam muito pouco.
NC: A comunidade científica parece estar muito distanciada das manifestações…
ICM: Eu concordo, mas não é só a comunidade científica, são todos os setores da sociedade brasileira. A sociedade do Brasil está muito fragmentada, está muito sem esperanças e não tem movimentos políticos nucleadores, não tem projetos de nação mais claros e tem um projeto de desconstrução de políticas que estavam no caminho de se construir um país menos desigual. O Brasil sofre de tentativas de acesso de avançar, de ser desenvolvimentista, de diminuir as desigualdades e ao mesmo tempo vêm as reações que tentam reprimir isso e definem outra estratégia para o país. Eu gostaria que a comunidade científica tivesse muito mais ativa, que os estudantes tivessem muito mais ativos como foi nas décadas de 1960, 1970 – um fenômeno não só no Brasil, era no mundo inteiro, essas coisas passam por processos mais globais. A SBPC está empenhada em fazer uma mobilização da comunidade científica. Essa ação no Congresso Nacional no dia 10 de outubro é para tentar convencer parlamentares da importância da ciência e tecnologia. Às vezes quando a gente faz audiências públicas no Congresso Nacional, vão alguns parlamentares de vários partidos que já são nossos parceiros importantes, mas também vão poucos outros e às vezes os que vão são lideranças de partido para, digamos, marcar uma posição. O problema é que na hora de votar o orçamento, as medidas, esses votam em contraposição ao que a gente está querendo! Às vezes (eles) têm um discurso que até é favorável – e os políticos são hábeis nisso – mas na hora de construir as políticas públicas adequadas, na hora de apostar nisso, muitas vezes tomam posição oposta.
NC: Como está a ciência brasileira?
ICM: É importante ressaltar que nos últimos anos, a partir de 1998 até a primeira década desse milênio, mais ou menos, com a definição de política pública para a ciência e tecnologia, houve um crescimento substantivo de recursos, que resultou em crescimento da produção científica brasileira, hoje a maior da América Latina. Em 20 anos, a formação brasileira de doutores passou de 3 mil para 16 mil doutores por ano; a gente espalhou instituições de pesquisa, universidades, institutos federais no país inteiro e isso quebrou um pouco aquela desigualdade regional brutal que o Brasil sempre teve e ainda tem muito. Mas esse processo agora está sofrendo um retrocesso muito forte, a gente está preocupado que nos próximos 20 anos isso se desmonte.
NC: A continuidade disso não está garantida?
ICM: Nesse momento, não. As universidades públicas estão penduradas. Aqui no Rio de Janeiro temos o caso drástico das universidades estaduais parando por meses por falta de pagamento dos salários dos professores e funcionários. Um desmonte brutal. Isso vai ter consequência séria nos próximos anos. A construção da ciência, tecnologia e educação demora, para se criar um grupo de pesquisa de qualidade, que seja internacionalizado, que tenha credibilidade fora, que publique artigos de qualidade, que impacte, que comece a gerar coisas que possam gerar produtos importantes para a sociedade, ou métodos ou metodologias ou resultados importantes para a sociedade, isso tudo demora tempo, mas para desconstruir é fácil, é só cortar o dinheiro, em três ou quatro anos tudo se liquida, porque os jovens mais capazes vão fugir da área, alguns vão se refugiar no exterior, que tem condições muito melhores.
NC: O que se percebe quando se compara a atitude do Brasil com a de outros países?
ICM: Os países que estão em crise, apostam na ciência e tecnologia para sair disso e nós estamos fazendo o caminho contrário. A Alemanha teve um crescimento científico substantivo nos últimos anos, melhorou muito de qualidade da sua ciência, fez uma renovação nas universidades, hoje a produtividade, o impacto dos trabalhos da ciência alemã hoje por pesquisador é maior do que nos Estados Unidos e isso porque houve uma consciência social da importância de se colocar muito recurso nisso. O recurso que o Brasil coloca na ciência e tecnologia comparado com França, com Alemanha, com Coreia, com Japão, com China, com Estados Unidos é lá embaixo. Nós estamos na faixa de 1% do PIB (Produto Interno Bruto), eles estão na faixa de 2,5% a 3% e na Coreia, 4%. No Brasil tem uma distorção muito grave porque o setor privado aplica pouco em Pesquisa & Desenvolvimento. Do total aplicado, 60% vêm do poder público, sobretudo federal, mas também estadual e municipal e só 40% vêm do setor privado. Em outros países do mundo essa proporção é completamente invertida. No Japão, por exemplo o poder público investe proporcionalmente parecido com o Brasil, mas lá o setor privado aporta muito mais. O mesmo ocorre na China, nos Estados Unidos, na Alemanha. Mas o poder público tem o papel essencial de ser o estimulador e bancar a infraestrutura da universidade, a formação de recursos humanos. Outra vez a Alemanha é um bom exemplo. A Alemanha agora está transformando todas as universidades em gratuitas, e tem aquelas escolas superiores técnicas que são muito boas. Eles estão entrando para competir num outro nível.
Saiba mais:
Mônica Costa e Edna Ferreira
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