Melhores condições de saúde e moradia, novos fármacos e amplas campanhas de informação estão na lista dos especialistas para combater essa doença endêmica no nordeste
Em pleno século 21, o combate a Doença de Chagas ainda é um grande desafio para 21 países, com estimativa de 7 a 8 milhões de pessoas infectadas, 75 a 90 milhões de pessoas em risco de infecção e 14 mil mortes anuais em todo o mundo, principalmente na América Latina. No Brasil, essa doença parasitária tropical, que na fase crônica pode atingir o coração e os sistemas digestivo e nervoso, ainda é endêmica nas regiões norte e nordeste, principalmente na zona rural.
Para a pesquisadora em Saúde Pública Virginia Maria Barros de Lorena que atua na Fundação Oswaldo Cruz de Pernambuco (Fiocruz-PE) a doença de Chagas é um desafio nacional, mas para a região nordeste é ainda mais importante, visto que a população infectada é mais vulnerável. “Nossos desafios vão desde a necessidade de cuidados básicos ao paciente portador da doença de Chagas (e isso inclui melhor condição de moradia, trabalho e saúde) até a descoberta de novos fármacos para o tratamento da doença”, afirma.
O grupo de pesquisa Fiocruz-PE realiza estudos nas áreas de desenvolvimento de marcadores biológicos (para diagnóstico e prognóstico da doença), investigação da imunopatogênese da doença humana, avaliação de resposta imune de portadores crônicos submetidos ao tratamento e estudos de mecanismos imunológicos induzidos pelo fármaco Benzonidazol.
Atenção aos portadores da doença
Já a diretora do Laboratório de Pesquisa em Doença de Chagas (LPDC) da Universidade Federal do Ceará (UFC), professora Maria de Fátima Oliveira, explica que a doença é comum em áreas rurais e acomete mais as pessoas pobres, que residem em moradias inadequadas. Com a migração dessas populações para cidades, há casos registrados também em capitais. Em 2005, ela criou o Serviço de Atenção Farmacêutica aos Portadores de Doença com o objetivo de assegurar ao portador da doença a melhor terapia com Benzonidazol, aumentando a qualidade e a adesão ao tratamento, dessa forma, melhorando desfechos clínicos. A equipe é composta por médicos, farmacêuticos, alunos de graduação e pós-graduação em Farmácia.
“Acredito que o principal desafio da Doença de Chagas é buscar através de inquérito soroepidemiológico na zona rural dos estados do nordeste, aquelas pessoas infectadas que por se apresentar na forma indeterminada não apresentam sintomas e desta forma vivem sem saber que tem a doença, doença que devem ter adquirido décadas atrás já que a transmissão vetorial está sob controle. O paciente diagnosticado na forma indeterminada em geral tem bom prognóstico. Nesta forma o tratamento traz muitos benefícios, retardar a evolução da doença, reduzir a parasitemia e melhorar a qualidade de vida ou mesmo a cura considerando alguns fatores como idade, tempo de infecção, tipo cepa do Trypanosoma cruzi”, explica.
A Doença de Chagas (DC) é causada pelo protozoário T.cruzi e transmitida principalmente por insetos triatomíneos, popularmente conhecidos como barbeiros. A professora esclarece que, além da contaminação pelo barbeiro, as pessoas podem contrair a doença por transfusão de sangue, por via oral (por exemplo, pela ingestão de caldo de cana ou açaí in natura contaminados) ou pela gestação. Há alguns anos, após a divulgação de casos de contaminação de cana e açaí, a vigilância sanitária em relação a esses produtos foi reforçada.
Doença negligenciada
E como os pesquisadores encaram o desafio de erradicar essa doença? A pesquisadora Virginia Lorena afirma que o assunto deve ser tratado com cautela. “Para falarmos em erradicação de doenças transmitidas por vetores é preciso termos muita cautela, pois as diversas espécies de triatomíneos que podem transmitir a doença fazem parte de um habitat natural bastante rico: a interação do agente etiológico (T. cruzi) com o vetor e seus hospedeiros vertebrados deste habitat. Uma erradicação ficaria restrita à utilização de uma vacina eficaz, que possa interromper o ciclo da doença em humanos. Assim, devemos ter como compromisso a melhoria das moradias e condições de saneamento, a vigilância epidemiológica eficiente, e o cuidado com o doente. Acredito que assim, poderemos estabelecer meios eficazes para o controle da doença”, ressalta.
Para o médico Alberto Novaes Ramos Jr., professor do Departamento de Saúde Comunitária, da Faculdade de Medicina da UFC, falar em erradicação é um equívoco. “Erradicar é uma meta em Saúde Pública muito complexa para alcance – somente a varíola alcançou este patamar: incidência zero, sem a necessidade de ações para sustentar este nível. Para uma doença transmitida por vetores, falar em erradicação é errado. No caso da doença de Chagas, os vetores (triatomíneos, popularmente chamados de barbeiros ou “chupões”) fazem parte da nossa biodiversidade, em diferentes ecossistemas, mantendo a circulação de Trypanosoma cruzi em mamíferos silvestres. A transmissão oral da doença é um exemplo de que falar em erradicação é um equívoco”, esclarece.
Ramos Jr. reforça que há a necessidade de se enfrentar as grandes falhas da ciência, de mercado e de saúde pública relativas às Doenças Tropicais Negligenciadas (DNTs) em geral, não apenas a doença de Chagas. “Por exemplo, em termos de métodos diagnósticos e opções de tratamento para casos humanos, identificação de portadores, estratégias de reabilitação, bem como de iniciativas para desenvolvimento inclusivo com vistas a superar o ciclo de pobreza. Insere-se também o desenvolvimento de estratégias para controle efetivo de vetores e reservatórios e de vigilância ambiental”, aponta o médico.
A professora Fátima faz um alerta quanto à falta de grandes campanhas para que a população tome conhecimento que esta doença existe, e pode voltar com força se não tiver um interesse político. “A organização não governamental Iniciativa de desenvolvimento de medicamentos para doenças negligenciadas (DNDI) está fazendo uma campanha sobre a doença de Chagas na Copa do Nordeste é uma bela iniciativa, pois atinge todas as classes sociais do nordeste. Falta divulgar a doença Chagas nos meios de comunicação de forma intensa e extensa. Além da dificuldade para erradicar os vetores que vivem no peridomicílio das residências (área existente ao redor de uma residência, num raio não superior a cem metros) do nordeste”, afirma.
Manter programas de controle de DC de forma contínua também é apontado pela diretora do LPDC como uma das formas de ajudar a erradicar a doença. “Apresentar programas de melhoria das habitações construindo novas casas de alvenaria rebocadas. Manter o peridomicílio e domicílio sempre bem limpo. Tive a oportunidade de observar na zona rural que a comunidade constrói a nova casa, mas não derruba a casa velha porque utilizam para guardar a safra (feijão e milho e às vezes palhas) ou para fazer ninho para deitar galinha ou seja a casa velha continua sendo um abrigo adequado para o barbeiro.
Deixe um comentário