O que fazer quando se está insatisfeito com as dificuldades em inovar? Foi desse dilema instigante que nasceu a ideia da agência de fomento Vale das Dunas (VD), que acaba de ser criada em Natal (RN). Ela é uma instituição privada e seu objetivo é apoiar projetos transformadores para a sociedade e que tragam desenvolvimento local. Reunidos em torno dessa proposta estão o médico oftalmologista Francisco Irochima, a física Zulmara Carvalho, que é professora da Escola de Ciências e Tecnologia (ECT) da UFRN, o professor Gláucio Brandão, coordenador de mestrado de inovação da ECT, o MPInova e os contadores Elionay Duarte e Victor Almeida.
“Nos reunimos para conversar sobre a dificuldade que é inovar e se desenvolver em um dos estados mais pobres da federação, pertencente à região mais pobre do país e estando este país classificado como de terceiro mundo”, conta Brandão que lembra a forma despretensiosa do encontro. “E se criássemos a nossa própria agência de fomento? E se agrupássemos outras pessoas com o mesmo pensamento? E se garimpássemos projetos transformadores para a sociedade e que trouxesse desenvolvimento local? E de tanto “E se?”, resolvemos colocar a mão na massa!”, relembra Brandão, que é o diretor executivo da VD.
O primeiro passo foi criar o estatuto e de acordo com Irochima, presidente da agência, com vistas a um amplo escopo e flexibilidade de atuação, a VD teve como base os estatutos de referência nacional, alicerçados nos marcos regulatórios atuais, de agências de fomento, de agências de desenvolvimento, de instituições de apoio e de aceleradoras. “Claro que tudo adequado para o nosso cenário. Para isso deixamos o estatuto o mais abrangente possível sem limitar a entrada de nenhum projeto, seja ele de elevada tecnologia ou de discreto investimento, mas com elevado impacto”, ressalta.
Inovação em rede
O grupo que compõe a VD é eclético: profissionais das áreas de saúde, engenharias, física, administração, economia, contabilidade, produção, jornalismo, para citar alguns. Possuem inserção grande em universidades, sistema-S (Sebrae, SENAI, SESC, FIERN), entidades nacionais e internacionais e, somadas as experiências, décadas de orientação de pessoas e de projetos em muitas as áreas do conhecimento. No primeiro encontro, a equipe se reuniu para tentar resolver o problema de pacientes que perderam o globo ocular por traumas ou tumores, uma vez que há três anos o SUS não disponibiliza as próteses oculares.
No ano passado, tomando como exemplo o projeto das próteses oculares, Irochima acionou sua rede de conhecimento e conseguiu em um tempo mínimo, considerado os padrões burocráticos públicos e privados das empresas nacionais, desenhar a peça, orientar um estudante da UFRN em sua modelagem em impressora 3D e, em um punhado de dias, ter a peça em mãos. Com o acesso que tem a centros médicos, com o auxílio de colegas, implantou a prótese no cliente, dando-lhe uma nova vida.
“A inovação está aí: na forma de acionar a “rede” e ter o produto entregue a contento, com custo mínimo quando comparado aos resultados. Se conseguirmos inserir o ente mantenedor, o qual poderá, por exemplo, ser uma empresa que direciona seu imposto por meio dos mecanismos existentes para este fim (Lei da Informática, do Bem, da Micro e Pequena Empresa etc.), um órgão público via cessão de recursos, um filantropo, fechamos o circuito e temos um novo modelo de negócios social e auto-sustentável. E ajudaremos em muito o Estado!”, anima-se o professor Brandão.
Recursos
A agência Vale das Dunas é um organismo de captação e execução de recursos e projetos. De forma que, na sua fase nascente, os recursos financeiros serão captados a partir de projetos. “Uma vez que é uma associação civil de direito privado sem fins econômicos, a expectativa é que, a médio prazo, o lucro da agência seja executado na sua atividade fim. Os prazos estão vinculados às especificidades de cada projeto. A origem dos recursos para financiamento dos projetos será da rubricas de isenção de impostos relativos à inovação tecnológica, bem como editais públicos e privados nacionais ou internacionais”, esclarece Irochima.
De acordo com o professor Brandão a nova agência será parceira de incubadoras. Sendo híbrido, o estatuto da VD viabiliza sua atuação como agência de fomento, agência de desenvolvimento, instituição de apoio e aceleradora. Além disso, já está se desenhando um novo papel para a ela: o de catalisadora de spin-offs (derivadora de empresas) sociais.
“Assim, trabalhando ombreada com incubadoras e entidades semelhantes (aceleradoras, por exemplo), ao invés de entregarmos produtos ou soluções estanques a uma entidade tradicional demandante (públicas, privadas ou mistas), a VD estimulará a criação de estruturas vivas, projetos que consigam se autosustentar por mais tempo, ao invés de um único produto ou processo. Propomos então para a VD um papel de estimuladora de spin-offs dedicadas! Este estímulo pode ser feito no meio demandante, em uma incubadora, em um ente privado, ONG etc”, explica Brandão.
Seleção de projetos
O grupo da VD explica que os projetos serão selecionados por perfil inovativo e pela perspectiva de alcance social. “Identificaremos projetos que tenham um perfil de desenvolvimento científico/tecnológico, agregamos nosso conhecimento, ou buscamos quem os tenha em nossa rede, e identificamos o grau de escalabilidade que este projeto possa vir a ter. Ou seja: qual a possibilidade de alcance de massa, ou a complexidade, o que nos remete a um alvo, de preferência, social. Se o projeto/problema se encaixa nessa descrição, é um forte candidato”, detalha Gláucio Brandão.
Ainda segundo o coordenador do MPInova, o grupo percebeu há algum tempo que a forma de os empreendimentos apresentarem uma mínima chance de vida estava diretamente ligada à capacidade de se reinventar. “Como isto não é simples para entidades grandes e tradicionais, propomos um modelo ágil, que seja capaz de criar processos que possam ser inseridos nessas entidades de forma menos traumática, promovendo assim sua evolução. Imagine uma “empresa de proveta” sendo gerada fora do problema para depois ser inserida nela. Em termos mais modernos, queremos desenvolver soluções do tipo “célula-tronco”, e depois jogar para a sociedade. Criamos, então, uma spin-off (empresa nascida de outra) que vai “entrar” no empreendimento convencional e promover a mudança, promover a inovação”, exemplifica.
Alguns projetos já estão albergados na VD: próteses oculares, produção de fármacos com integração da indústria e pequeno produtos rurais, consórcio de energia limpa e renovável e vale das dunas edu – ensino em saúde. Além de parcerias já estabelecidas com a Ophthalmos Indústria Farmacêutica, de São Paulo e com a UNI-RN no Projeto de Estimulação Precoce em crianças com microcefalia. “Estes são os projetos já nascidos que servirão para a modelagem de negócios para outros, da mesma área, e de outras áreas estruturantes de nossa sociedade. É só aguardar!”, anuncia Brandão.
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