Estudos genômicos na UFBA podem ajudar a esclarecer se a resposta imune é de curto prazo ou não
Uma questão essencial ainda a ser respondida nesta pandemia de Covid-19 é se a imunidade induzida pela infecção causada pelo vírus SARS-CoV-2 será duradoura, ou se seguirá o padrão visto para outros coronavírus sazonais, onde a resposta imune pode ser de curto prazo.
O professor Luis Pacheco, do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da UFBA reforça a importância dos estudos realizados no estado, que ajudam a confirmar o que pode ser o primeiro caso de reinfecção documentado no país, através de sequenciamentos genômicos dos vírus SARS-CoV-2 presentes nas amostras de pacientes, além de outras descobertas. No estudo do caso, um profissional da área da saúde residente em Aracajú apresentou sintomas de Covid-19 em dois momentos diferentes e teve testes confirmados de RT-PCR positivos em um intervalo de quase dois meses entre um exame e outro.
As amostras coletadas do paciente foram enviadas para análises genômicas na UFBA, onde a metodologia de sequenciamento genômico completo do vírus SARS-CoV-2 tem sido utilizada para estudar diferentes aspectos relacionados à pandemia de Covid-19, no estado. Nesse contexto, informa o professor, o estudo genômico pode contribuir bastante, “pois podemos saber se um segundo evento sintomático de um mesmo paciente foi causado por um vírus da mesma linhagem que causou a primeira infecção ou se foi causado por uma linhagem do vírus SARS-CoV-2 geneticamente distinta, o que sugere um evento de nova infecção, verdadeiramente”.
Esse projeto de sequenciamento integra o Plano de Enfrentamento da UFBA à pandemia de Covid-19, apoiado pelo Ministério da Educação, coordenado pelo professor Luis Pacheco, e que integra uma rede baiana de cooperação em análises genômicas que conta também com a coordenação dos virologistas e professores da UFBA, Silvia Sardi e Gubio Soares e do professor Eric Aguiar, do Laboratório de Bioinformática de Vírus da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
Linhagens virais
Pacheco explica que o que difere essas chamadas “linhagens virais” são mutações na sequência genômica viral, algumas das quais já são bem definidas, ao passo que outras novas estão sendo descritas a cada dia. É importante notar que, ele destaca, “para que esses estudos de reinfecção sejam viáveis, é necessário que seja feita coleta de amostras clínicas dos pacientes estudados, nos dois eventos de infecção, o que não acontece comumente, pois muitos pacientes não coletam amostras de swab nasal quando têm sintomas leves, e a maioria não faz acompanhamento médico após se curar de um primeiro evento de infecção”.
Os trabalhos derivados da colaboração UFBA-UESC foram também destaque em uma notícia publicada na Espanha. No artigo publicado pelo instituto espanhol Idival, é destacada a contribuição dos pesquisadores baianos nos estudos genômicos que levaram ao melhor entendimento da resistência a antibióticos em bactérias patogênicas emergentes.
No estudo com o grupo espanhol, foi utiliada uma abordagem genômica para auxiliar em duas etapas: identificação correta dos agentes causadores de infecções por bactérias multirresistentes a antibióticos e identificação dos mecanismos moleculares responsáveis por esses perfis de resistência. No futuro próximo, acredita o professor, essas análises genômicas podem auxiliar a detecção mais rápida do perfil de resistência a antibióticos de uma bactéria causadora de uma infecção similar a essas, que são primariamente oportunistas e afetam pessoas hospitalizadas e/ou imunossuprimidas.
A bactéria estudada nesse trabalho, acrescenta Pacheco, é principalmente causadora de infecções do trato urinário. Agora, seguimos colaborando com o grupo espanhol, coordenado pelo Prof. Jesús Navas (Universidad de Cantabria), no estudo de outras infecções bacterianas emergentes.
Novidades e descobertas
Com base nas informações do professor Luis Pacheco, uma das novidades do estudo específico, realizado em Sergipe e coordenado pelo médico professor Roque Pacheco, é o fato de terem identificado indivíduos que tiveram infecções com sintomas em dois momentos distintos e tiveram testes diagnósticos confirmados nos dois eventos. Destaca-se que a maioria desses indivíduos estudados são profissionais da área da saúde, os quais têm uma exposição maior ao vírus do que a população em geral.
Alguns indivíduos tiveram também um segundo quadro sintomático severo, similarmente ao que foi observado em estudos recentes de reinfecção nos EUA e no Equador. “Particularmente, para dois dos indivíduos estudados foi possível realizar o sequenciamento dos genomas virais, em razão da disponibilidade da amostra”, explica Pacheco.
À medida que os estudos iam se desenvolvendo, novas e importantes observações eram anotadas Foram identificadas, por exemplo, mutações em todas as sequências genômicas, quando comparado às primeiras sequências genômicas de referência de SARS-CoV-2.
“Algumas dessas mutações já são bem conhecidas e estão distribuídas em vírus circulando globalmente. Outras, no entanto, são ainda raramente encontradas em vírus circulantes. Algumas só foram descritas até o momento em outros vírus que estão circulando no Brasil, por exemplo”, esclarece Pacheco.
O professor saliente que é importante notar que mutações na sequência genômica que codifica a proteína spike são muito raras. “Essa sequência é a base de várias das vacinas que estão atualmente em teste, então não há atualmente indícios de que essas novas mutações que estão surgindo venham a afetar de forma significativa a eficácia das vacinas em teste”.
A principal contribuição das pesquisas genômicas na área de desenvolvimento de vacinas para Covid-19 será no aspecto de permitir o acompanhamento das variações genéticas no vírus SARS-CoV-2 que possam eventualmente afetar a eficácia das vacinas. As evidências atuais indicam que os diferentes candidatos vacinais são eficazes. Contudo, o processo de desenvolvimento, teste e efetiva aprovação regulatória de uma vacina é tradicionalmente longo, na opinião dele.
“Até que seja possível fazer vacinação em massa, o rastreamento e isolamento de casos utilizando métodos de diagnóstico eficientes continuarão sendo muito importantes. Nesse sentido, o uso de estratégias de epidemiologia molecular baseadas em sequenciamento genômico serão muito úteis”, conclui o professor.
Daqui para o futuro
Após a realização desse projeto associado, espera-se gerar um conjunto de sequências genômicas de linhagens de SARS-CoV-2 circulantes em transmissões locais de Covid-19 no estado da Bahia. Tais sequências genômicas, explica Pacheco, “servirão como base para análises de vigilância epidemiológica molecular que informarão aos serviços de saúde, por exemplo, sobre a origem dos vírus circulantes, bem como as características de espalhamento do vírus na população e, particularmente, sobre a eficácia das medidas de controle que têm sido adotadas”.
Um exemplo interessante foi o estudo em que foi mostrado a detecção do vírus SARS-CoV-2 no gato e no seu dono, o que parece ser o primeiro registro com sequenciamento genômico desse tipo na América Latina. Esse estudo foi uma colaboração com o médico veterinário e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz George Albuquerque, e encontra-se em etapa de publicação em periódico científico internacional – está publicada em versão Preprint, ainda aguardando a revisão pelos pares. Nessa semana, o professor Luis Pacheco teve um outro trabalho realizado em parceria com grupo da Harvard University, nos EUA, aceito para publicação. Neste trabalho, é desenvolvido um método de diagnóstico de infecções virais utilizando smartphones, biotecnologia e inteligência artificial, inclusive para detecção do vírus SARS-CoV-2.
Pesquisas genômicas são tradicionalmente caras, por diferentes razões. A principal é a total dependência de tecnologias estrangeiras, sendo preciso importar todos os equipamentos e reagentes necessários. Outra razão é a necessidade de recursos humanos altamente treinados para conseguir realizar as análises laboratoriais e dos dados gerados nesse tipo de estudo. “Na atual situação no país, em que temos encontrado dificuldades para atrair financiamentos para pagar bolsas de pós-doutorado, fica muito difícil manter tais recursos humanos qualificados”, alerta Pacheco.
Fonte: Boletim Edgar Digital/UFBA
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