Tema multidisciplinar, os estudos de desastres reunem especialistas de diversas áreas.
Um incêndio na favela em Natal (RN), um desmoronamento de terra em área urbana na região serrana do Rio de Janeiro, um tsunami do outro lado do pacífico, a queda do avião que levava os jogadores e dirigentes da Chapecoense e uma carreta carregada com materiais perigosos agrícolas, tombada na estrada, próximo a um rio. Qual é a relação entre todos esses eventos? Todos são desastres e que causam grandes danos humanos e materiais, alguns irreversíveis, a populações, aos governos, às organizações sociais e ao meio ambiente.
“Ele não é um fenômeno natural, é produzido pelas pessoas, pela sociedade, a partir de suas escolhas, de sua economia, de seus modelos econômicos e da forma como lida com a população, constrói as cidades, os centros urbanos”, define o engenheiro civil Ricardo José Matos de Carvalho, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e coordenador do Grupo de Extensão e Pesquisa em Ergonomia (Grepe).
Estudo desenvolve indicadores de riscos de desastres ambientais
Aspecto multidisciplinar
O professor explica que o desastre pode ocorrer por ameaça natural, como chuva em abundância ou terremoto, mas também em função da ação humana, por suas políticas industriais, atuação na área marítima, aérea, nuclear. E por abranger tantos e tão diferentes aspectos, a área de Redução de Riscos de Desastres (RRD) tem uma conotação multidisciplinar, a partir de diferentes pontos de vista.
No Brasil, mais de 90% dos desastres relacionados a fenômenos naturais são inundações, deslizamentos de terra e seca, que são também os temas mais estudados; já nos desastres tecnológicos, os rompimentos de barragens tem sido muito estudados. No Nordeste, há estudos sobre os desastres relacionados à seca no semiárido, inundações nas bacias hidrográficas e os deslizamentos de terra em áreas do litoral oriental. Para o professor Lutiane, a RRD foca mais no pré-desastre e é um tema muito novo no Brasil, por isso, há muito o que crescer em relação à pesquisa.
Ele explica que na região nordeste, há mapeamentos de suscetibilidade a seca e inundações. “Mas numa escala de detalhe, os mapeamentos são realizados para avaliar o risco de deslizamentos em áreas de acentuada declividade, caso do bairro Mãe Luiza em Natal, áreas de alagamentos e inundações”, pontua.
Pesquisas em desenvolvimento
As pesquisas realizadas poderão ser utilizadas para definição de estratégias de atuação e planejamento em defesa civil na cidade. “Da nossa parte, no Georisco, fizemos mapeamentos de risco para Natal (dissertação de Marysol Medeiros) e em Mãe Luiza (dissertação de Yuri Macedo). Nesse momento temos um projeto em colaboração com a Defesa Civil de Natal para a produção de um banco de dados sobre desastre e um sistema de informação geográfica (SIG) sobre as ocorrências em Natal”.
No Gepre, entre os estudos, o da aluna de Mestrado Louizy Almeida vai tentar identificar de que maneira os resíduos que são depositados pela comunidade no seu próprio bairro podem agravar os riscos de desastres. Hoje se tem muitos estudos sobre os resíduos dos desastres, mas tem poucos estudos sobre a deposição de resíduos sólidos como agravante de desastres. “Estudando a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) e a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei 12,608/2012), verificamos que há uma segregação dessas duas políticas e queremos demonstrar a importância de integrar as duas políticas”, enfatiza a mestranda.
Outra pesquisa em andamento no grupo pretende criar um aplicativo colaborativo para facilitar as comunicações entre defesa civil e comunidade e outros órgãos como SAMU e corpo de bombeiros. Pelo sistema, a comunidade vai poder postar fotos e vídeos, por exemplo, sobre acúmulo de lixo ou indicar a localização de lixo carreado depois de uma chuva; vai ser possível também o cadastro com endereço e localização de pessoas mais vulneráveis na hora de uma evacuação de emergência, no caso de idosos, pessoas com deficiência e crianças.
Há um esforço mundial para que o desastre seja estudado de forma interdisciplinar e interprofissional e também envolvendo as comunidades vulneráveis nos estudos, no desenvolvimento de modelos metodológicos e das tecnologias que elas deverão usar. “É importante que as comunidades afetadas ou vulneráveis possam contribuir, informando suas problemáticas, suas dificuldades e quais são suas potencialidades”, defende o professor Ricardo. Em sua opinião, o desenvolvimento de modelos do comportamento das comunidades pode ajudar aos programas públicos do gerenciamento de desastres e proteção e defesa civil a saber como podem contar com a comunidade e a aperfeiçoar, treinar, capacitar melhor essa comunidade para o enfrentamento. “Afinal quando ocorre um desastre é a comunidade a primeira a estar no local, ela pode fazer a comunicação de risco, facilitar o trabalho de evacuação, fazer os primeiros socorros”, lembra.
Associação Brasileira de Pesquisa Técnico-Científica e de Inovação em Redução de Riscos de Desastres
A Associação Brasileira de Pesquisa Técnico-Científica e de Inovação em Redução de Riscos de Desastres (ABP-RRD) é um dos desdobramentos da Rede Brasileira de Redução de Riscos de Desastres. Iniciada em 2013, a ABP-RRD tem como principal propósito incentivar, valorizar e reconhecer o papel da comunidade científica nas ações e planos voltados à redução de riscos de desastres.
A atual gestão é presidida pelo professor Roberto Guimarães, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduado em Engenharia Civil pela UFBA, com mestrado e doutorado em Engenharia Civil pela COPPE/UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Entre 11 e 13 de outubro foi realizado II Congresso Brasileiro de Redução de Riscos de Desastres na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O evento teve aproximadamente 500 inscritos e recebeu 109 artigos completos.
Próximo encontro
O II Congresso renovou o compromisso da comunidade científica com as questões ligadas ao campo de RRD, destacando a contribuição dos pesquisadores das diversas áreas do conhecimento para que o país possa efetivamente cumprir os compromissos firmados no Marco de Ação de Sendai, adotado em 2015, em Sendai, Japão, durante a Terceira Conferência Mundial das Nações Unidas para a Redução de Riscos de Desastres.
O próximo congresso está previsto para outubro de 2019 na Universidade Federal do Pará (UFPA). Um dos membros da diretoria é o professor Edson Rocha, da UFPA, que assumiu a Diretoria Acadêmica.
Seminário
Em Natal, nos dias 25 e 26, vai ocorrer o 5º Seminário Multidisciplinar sobre Desastres (Sem Desastres), com o tema “os riscos de desastres e a necessidade de uma governança resiliente”. De acordo com os organizadores, o evento pretende mobilizar os poderes públicos, membros e líderes de comunidades vulneráveis a desastres e de organizações não governamentais para discutir sobre a problemática dos riscos de desastres e as pesquisas e ações de extensão desenvolvidas pela comunidade acadêmica sobre o tema. Ao estimular maior cooperação entre todos os envolvidos, poderão ser pensadas estratégias, políticas e ações, que tornem Natal e o estado do Rio Grande do Norte integrados e resilientes na gestão de riscos de desastres.
E são diversas as abordagens teóricas no seminário, que reúne a colaboração de três grupos de pesquisa da UFRN, oriundos das áreas de Engenharia, Geografia e Psicologia. O Grupo de Pesquisa Dinâmicas Ambientais, Risco e Ordenamento do Território (Georisco), coordenado pelo geógrafo Lutiane Queiroz de Almeida, professor do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia; e o Psicodesastres, coordenado pelo psicólogo Pitágoras Bindé, professor do Departamento de Psicologia, além do Grepe. Numa rara ação multidisciplinar gerando frutos na academia, no evento haverá o pré-lançamento do Núcleo de Pesquisa sobre Desastres – NUPED, que será um núcleo de pesquisa criado a partir da experiência de colaboração dos três grupos de pesquisa citados.
Mônica Costa
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