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quinta-feira, 11 maio 2017

Protocolo da sobrevivência

Para chegar ao Acordo de Pesca, celebrado pela comunidade científica da região como um dos principais avanços na preservação da biodiversidade, pescadores e pesquisadores percorreram um longo caminho. Durante os anos de 2010 e 2011, foram realizados encontros que definiram, em uma carta-proposta, regras para preservar o estuário e a sobrevivência das comunidades. As pesquisas científicas eram o marco zero do protocolo.

“Daí, lembra a bióloga Francinalda Rocha, da ONG Comissão Ilha Ativa, nasceu o Projeto Pesca Solidária”. Ela conta que os pescadores queriam conhecer a área onde moram, o estoque pesqueiro e as espécies que vivem no estuário. Para atender a demanda, a Embrapa e as universidades Federal e Estadual do Piauí entraram no projeto estudando a qualidade da água e os principais peixes que habitam o estuário, como a tainha (Mugil curema), bagre-camboeiro (Sciades herzbergii), bagre-amarelo (Aspistor luniscutis), carapitango (Lutjanus jocu) e a pescada-amarela (Cynoscion acoupa).

Quando o time de cientistas entrou em campo em 2014, o pesquisador Alexandre Kemenes, da Embrapa, começou a monitorar a qualidade da água no estuário. Com uma equipe de estudantes, ele percorreu quilômetros dos rios Timonha e Ubatuba, desde as nascentes, na Serra da Ibiapaba, no Ceará, checando a temperatura, oxigênio dissolvido, pH e condutividade elétrica, transparência e turbidez. “De um modo geral, as condições ambientais desse ecossistema são boas”, conclui Kemenes.

A alimentação, reprodução e a diversidade de espécies foi outra etapa do estudo que envolveu os pesquisadores da Embrapa, UFPI, UESPI e CIA. Ao todo, foram identificadas 184 espécies. O professor Filipe Melo, da Universidade Estadual do Piauí, identificou 89 espécies, usando, uma vez por mês, o arrasto, que é uma rede em forma de funil. A diversidade das espécies e o ambiente preservado chamaram a atenção dele. “Foi enriquecedora a experiência”, destaca.

Na outra ponta da pesquisa de identificação das espécies esteve a bióloga Kesley Paiva, da ONG Comissão Ilha Ativa. Em praticamente dois anos, toda semana, ela buscou informações dos pescadores em quatro pontos de desembarque de barcos com peixes no Piauí e Ceará. “O trabalho foi uma aposta no futuro dos estoques pesqueiros da região”, disse.

Principais espécies encontradas no estuário, a tainha, o bagre-camboeiro, o bagre-amarelo, o carapitango e a pescada-amarela, consumidas em larga escala no País, foram estudadas pelos pesquisadores Alitiene Pereira, da Embrapa, Cezar Fernandes e Edna Cunha, da Universidade Federal do Piauí. Em um trabalho de fôlego, que resultou no livro A Pesca no Estuário do Timonha e Ubatuba, os cientistas mostram, em detalhes, todo o ciclo reprodutivo das espécies, alimentação e a diversidade dos peixes e de outros animais aquáticos.

http://aquasis.org/

A vida no estuário Timonha e Ubatuba

Chegar ao estuário dos rios Timonha e Ubatuba é mais que uma aventura. É carimbar o passaporte para um paraíso que ainda guarda uma riqueza ambiental como poucas no Brasil. A 400 quilômetros de Teresina e 500 quilômetros de Fortaleza, o estuário é um dos principais berçários de peixes e crustáceos do Nordeste, habitat de espécies marinhas em extinção, como o mero, a tartaruga marinha e o peixe-boi marinho.

Situado a oito quilômetros da praia de Barra Grande, no litoral do Piauí, o estuário é parte da “Rota das Emoções”, um roteiro turístico ligando ainda os estados do Maranhão e Ceará. O local concentra a segunda maior área de mangue do Nordeste, com cerca de 11 mil hectares. A primeira é no Delta do Rio Parnaíba (PI), com 29.701 hectares.

“O estuário integra a Rota do Atlântico para aves migratórias que vêm de outros continentes em busca de alimentos”, diz o jornalista e pesquisador Chico Rasta, que é um estudioso da área e participou ativamente do Projeto Pesca Solidária, fotografando peixes, tartarugas, aves e praticamente todo o trabalho dos cientistas.

Uma das preocupações dos pesquisadores do Projeto Pesca Solidária é com a ameaça de extinção do peixe-boi marinho (Trichechus manatus), que vem perdendo espaço costeiro de reprodução e berçário, devido às capturas acidentais. Segundo um estudo da Aquasis, publicado no livro Peixe-boi marinho: biologia e conservação, de 2016, ainda existem cerca de 1.104 exemplares desse animal entre o litoral do Norte e do Nordeste do Brasil.

A bióloga Liliana de Oliveira Souza, da ONG Comissão Ilha Ativa, ressalta a importância dessa espécie na conservação de estuários em todo o País: “A importância do peixe-boi marinho, em qualquer ambiente aquático, é muito grande. Os animais aquáticos dependem dele para a sobrevivência. Na verdade, ele é um indicador de saúde do ambiente. Tanto a urina como as fezes dele servem de alimentação para os outros animais e fazem o controle biológico do ambiente”.

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