Pesquisadores ouvidos por Nossa Ciência veem retrocesso na fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações
A fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com o Ministério das Comunicações, adotada pelo governo interino Michel Temer, tem gerado severas críticas por parte da comunidade científica. Entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e universidades federais de todo o país divulgaram cartas ressaltando a importância da manutenção dos investimentos em ciência e da preservação do MCTI.
Na última quinta-feira, dia 2/6, foi a vez da comunidade científica do Natal se manifestar sobre o assunto. Um panelaço foi realizado numa esquina movimentada da capital potiguar e reuniu professores, estudantes e outros simpatizantes à volta do MCTI. Com faixas, cartazes e usando máscaras do físico Albert Einstein e do presidente Michel Temer, cerca de 100 manifestantes, protestaram contra a fusão dos ministérios.
Para Sidarta Ribeiro, neurocientista e professor titular do Instituto do Cérebro, essa fusão representa um retrocesso muito grave. “Precisamos não apenas que o ministério seja recriado, como também que ele tenha o orçamento integral. Temos que lutar para que a ciência tenha 2% do PIB (Produto Interno Bruto). O Brasil é um país continental e se não tiver isso terá um futuro muito ruim, um futuro em que não se agrega valor ao que é feito aqui e se vende tudo a preço de banana. É preciso também que o ministério seja chefiado por alguém da ciência, por um cientista ou uma cientista. É inadmissível que um ministério tão estratégico para o futuro do país seja chefiado por pessoas que não são do ramo. E isso é de interesse de todos os brasileiros, o brasileiro quer vacina, antibióticos, querem usar transporte eficaz e não poluente, os brasileiros querem usar cosméticos que não causem alergia nem choque anafilático. E tudo isso está em risco no momento em que a ciência sofre os ataques que está sofrendo”, opinou.
Questionado sobre um possível fortalecimento das agências de fomento – Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) – no lugar do ministério, Sidarta Ribeiro discorda e alerta para uma perda de foco. “A existência de certos organogramas de certos ministérios é uma questão do Estado. O Estado tinha desde 1985 um ministério para focar em C&T, quando esse ministério deixa de existir e passa a ser uma secretaria, por exemplo, o foco passa a ser menor, por definição. Agora tivemos a emergência do Zika vírus e num espaço de dois meses foram dois artigos na Science e um na Nature, todos feitos por brasileiros. Nós temos um parque tecnológico implantado invejável, assim como nosso material humano que é resultado de décadas de investimentos em recursos humanos através da Capes, do CNPq coordenados pelo MCTI. Então, me parece um retrocesso muito grave, por isso”, afirmou o neurocientista.
Fortalecimento da Capes e CNPq
No artigo Pensando alternativas para o gerenciamento da Ciência, publicado no Nossa Ciência, o professor Ronaldo Angelini propõe que o fortalecimento das agências Capes e CNPq possa gerar mais resultados que a manutenção do ministério.
Presente a manifestação, a professora Lucymara Fassarella Agnez, da Renorbio (Rede Nordeste de Biotecnologia), alerta quanto aos riscos aos programas ligados ao MCTI. “Vários programas são ligados ao MCTI, se você fundir os ministérios essas coisas podem se perder. Por exemplo, os Fundos Setoriais têm ações que são ligadas diretamente ao MCTI, não necessariamente passa pelo CNPq. O MCTI é imprescindível e juntar com Comunicações, são áreas que não tem a ver. Uma secretária forte, não supriria esse papel? Não é o que estamos vendo. As indicações não estão sendo técnicas, isso é preocupante. É um ministério que precisa existir. Ao tirá-lo, você está desvalorizando uma área, está colocando em segundo plano o que é ciência e tecnologia”, apontou.
Preocupado com o futuro do país e com os rumos de sua própria carreira, o estudante de Mestrado em Ciência, Tecnologia e Inovação da UFRN, Tiago Tobias apoia a volta do MCTI. “Esse corte vai manter o nosso país importando tomógrafo e exportando esparadrapo. A gente precisa avançar em inovação tecnológica para que não sejamos refém das grandes empresas e grandes monopólios. O corte do ministério representa sim um retrocesso e uma grande dificuldade para a inovação do país”, reforça. Ainda segundo ele, o fortalecimento das agências até poderia ser uma possibilidade, mas com ressalvas. “Se isso realmente acontecesse eu até concordaria, mas a política que eu estou vendo e as decisões que estão sendo tomadas não vão nesse sentido. Então não adianta dizer que vai fortalecer a Capes e o CNPq, isso não é uma verdade. Se estão cortando o ministério o que dirá o que vai acontecer com as agências”.
“Ciência e Tecnologia são pilares para a soberania de um país. Não há crescimento sem elas. A fusão deste ministério com o de Comunicação mostra que o governo em exercício não dá a devida importância a elas. Relega a Ciência e tecnologia a um segundo plano. Qual a relação entre estas duas pastas? Não consigo ver a relação, muito menos o benefício de uma fusão como esta”, opinou a professora Silvia Batistuzzo de Medeiros, também da Renorbio.
Sobre a criação de uma secretaria de C&T ligada diretamente à presidência, a professora disse que estes ministérios precisam ser autônomos. “A fusão levará a divisão de orçamento e consequentemente redução em investimento. Como levar melhorias à saúde, a cura de doenças, a produção de satélites, aviões, máquinas para diagnósticos, entre muitos outros exemplos, sem ciência e tecnologia?”, questionou. Para a pesquisadora, estas áreas são estratégicas para o crescimento de um pais e por esta razão, não podem ser relegadas a um segundo plano.
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