Como as universidades do nordeste estão enfrentando a crise? Educação

segunda-feira, 7 agosto 2017

Cortes de pessoal, criatividade, planejamento e muita expectativa faz parte da resposta de cinco reitores de instituições federais nordestinas entrevistados pelo Nossa Ciência

Como as universidades do nordeste estão enfrentando os cortes de recursos? Nossa Ciência fez essa pergunta a cinco reitores de federais nordestinas: Pernambuco, Maranhão, Ceará, Bahia e do Semiárido. De forma unânime todos demonstraram muita preocupação quanto ao futuro de suas instituições. De acordo com eles, o contingenciamento está ameaçando os três pilares das universidades públicas: o ensino, a pesquisa e a extensão. O cenário é de cortes de pessoal, obras paralisadas, laboratórios sem material, projetos de pesquisa interrompidos.

Mas, eles também apontaram o lado “bom” da crise, quando na hora do aperto o planejamento, as soluções criativas e o compartilhamento de espaços se tornaram instrumentos de enfrentamento da escassez.

Para fechar o ano letivo de 2017 com as despesas pagas, os gestores esperam que o governo federal libere agora em setembro 100% do orçamento destinado às universidades. Caso contrário “isso pode ter um efeito cascata muito danoso e comprometer o próprio projeto de universidade pública de qualidade”, alertam.

Anísio Brasileiro – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Nós fizemos uma ação intensiva de redução do consumo de energia, no uso da água, de reorganização da gestão da universidade de tal maneira que nós possamos construir edificações que atendam a várias unidades para unificar as atividades construtivas ao invés de fazer um prédio para cada laboratório. Então, de um lado foi uma rearrumação no nosso custeio de tal maneira que os recursos pudessem sobrar para bolsas, temos uma política intensiva de bolsas para que os nossos estudantes em situação de vulnerabilidade possam permanecer na universidade.

Ao mesmo tempo, estamos buscando outras fontes de recursos como, por exemplo, projetos com a Petrobras, com a Finep, com a iniciativa privada, de maneira que possamos manter a capacidade instalada de pesquisa e de funcionamento da universidade. A UFPE num aspecto geral está bem, nós vamos terminar o ano bem, mas nós sabemos que como todas universidades nós estamos sofrendo no que diz respeito ao financiamento dos laboratórios, a manutenção. Então, há que se apoiar fortemente o CNPq, a Capes, a Finep e as fundações locais para que os recursos não sofram descontinuidade.

Redução na contratação

Houve uma orientação do governo federal de redução de 20 a 25%, nós reduzimos a nossa contratação de terceirizados e estamos reorganizando toda a parte de segurança, os contratos de limpeza urbana. Estamos trabalhando com menos, mas tentando fazer mais. Os nossos pró-reitores de administração, de planejamento, as nossas equipes técnicas com profissionais que não são docentes, são servidores públicos muito competentes, capazes de enfrentar as dificuldades da conjuntura e buscar novos financiamentos para fortalecer as faculdades públicas do Brasil.

Nair Portela – Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

A questão dos cortes eles são cruciais para o desenvolvimento de toda universidade, em todas as ações. Então, você vinha de um avanço, um progresso com a expansão das universidades e de repente você para no meio dessa caminhada. Como fica tudo? Nós estamos com obras paradas, obras que foram criadas em cima de um projeto de expansão da universidade, com criação de novos cursos, com vagas para professores. Esse contingenciamento de recursos está atrapalhando todo o desenvolvimento da instituição. Então, você tem obras paradas, professores precisando ser contratados e não tem vaga, os cursos que precisam de novos espaços e nós não temos recursos para construir novas salas. Afora, a dificuldade de você gerenciar uma crise sem limites, porque você tem os fornecedores que precisam ser pagos, os cortes são fortes em cima dos recursos de custeio e nós temos que manter a instituição, tem luz, água, alimentação, bolsas de alunos, que hoje pelo perfil diferenciado das universidades nós temos muito mais alunos carentes que há dez anos, e eles precisam de apoio para permanecer na universidade. A política de permanência precisa ser fortalecida e com esse contingenciamento nós não podemos fazer essa cobertura. Com certeza a gente vai ter mais evasão, mais dificuldades. Esse momento é muito difícil, o governo precisa repensar os cortes drásticos em cima das instituições federais, afinal nós estamos lutando por ensino, pesquisa e extensão que precisam ser priorizados para o país. As universidades respondem pelo maior contingente de pesquisa do país, com esses cortes que são estruturais fica difícil você gerenciar. Então, todas as universidades estão passando por uma crise muito forte, que não pode continuar.

Corda bamba

Nós estamos na corda bamba até quando setembro chegar. Se não tiver o repasse que normalmente é dado para fazer a cobertura das despesas até o final do ano, a universidade não tem recursos para continuar outubro, novembro e dezembro. As universidades estão correndo o risco se não tiver esse repasse para garantir a funcionalidade da instituição.

Temos buscado parcerias com empresas, com organismos da sociedade civil, trabalhando com a comunidade, uma aproximação com as secretarias de estado, dos municípios, enfim órgãos governamentais e não governamentais. Na hora da dificuldade você reúne as forças.

Mesmo diante disso tudo, ninguém está desanimado, a gente alimenta uma expectativa positiva. A universidade não está parada, está funcionando com os professores produzindo de forma intensa. Estamos queimando uma “gordurinha” que ainda temos recente, mas daqui a pouco isso acaba, pois os laboratórios precisam de manutenção. Então, a nossa preocupação é essa, mas a nossa condução é de que a gente não desanime e continue trabalhando e fortalecendo as nossas ações para responder à sociedade.

Henry Campos – Universidade Federal do Ceará (UFC)

Aperto existe sem dúvida, mas isso exige que melhoremos nosso planejamento, definir melhor nossas prioridades já que não é possível fazer tudo. Nós tivemos a felicidade de que esse momento também coincidiu com a implantação, na nossa universidade, da Secretaria de Governança e, portanto de uma política de governança. Isso leva obrigatoriamente a uma racionalidade maior na administração, uma reflexão maior sobre várias questões que podem resultar em economia, desde questões de custo efetividade, busca de mais eficiência, de compartilhamento de espaços e também de recursos, cada vez mais uma tendência para a utilização de equipamentos multiusuários. Começam a surgir muitas soluções que fogem do tradicional aonde a gente tem na universidade aquele hábito que precisa ser mudado que é a questão do “meu espaço”, do “meu laboratório”. Então, se passa a ter uma visão melhor de conjunto, que é favorecida tanto por essa política de governança como forçado por essa conjuntura atual.

Parcerias

O momento também nos força a acelerar processos de um maior engajamento com a sociedade civil, de busca de parcerias com indústrias. Nós estamos em plena implantação de nosso parque tecnológico, nós já tínhamos avançado bastante, somos a universidade que mais avançou em número de patentes em 2016, mas estamos caminhando para transformar essa criatividade em produtos. Desse movimento devem surgir startups, empresas de base tecnológica e nós já estamos começando a implantar novos laboratórios com empresas na universidade. A própria internacionalização da universidade que anda de mãos dadas com a inovação tecnológica.

Uma reflexão também sobre nossos processos de formação, a necessidade da gente qualificar melhor os nossos currículos no sentido de torna-los mais contemporâneos, com mais responsabilidade social, enfim, a universidade busca nesse momento outras salas de aula não convencionais como bairros da periferia, bairros pobres onde a gente pode ter uma conversa com a chamada população emergente onde há muito talento e criatividade a ser explorados. E a universidade precisa desenvolver essa vocação, levar o nosso estudante a vivenciar cada dia mais a vida real, aquela vida que ele vai enfrentar lá fora como profissional. A universidade assume mais o seu papel de responsabilidade social, de engajamento social. Então são caminhos que criam e favorecem a criação de uma agenda nova para a universidade e tiram as pessoas do foco negativo, do foco do “não podemos fazer, porque não temos recursos”. A gente começa a ver que o recurso material não é tudo, que há um potencial muito grande a ser explorado e as pessoas começam a descobrir isso e a se descobrir também, a se conhecerem melhor, a gente começa a trabalhar melhor a questão da interdisciplinaridade. Enfim, serão as boas consequências da crise.

José de Arimatea de Matos – Universidade Federal do Semiárido (Ufersa)

Primeiro, nós temos tido reuniões contínuas com a equipe de planejamento e gestão para saber onde podemos atacar nos questionamento de cortes, numa perspectiva de que possamos receber 100% do orçamento colocado para todas as universidades em 2017, porque não sendo assim ficará difícil concluirmos o ano sem esses recursos. Além dessas questões, não terem sido divulgados editais para pesquisa e extensão, as universidades não podem trabalhar apenas com o ensino, a graduação, mas deve trabalhar também a pós-graduação. A universidade é um tripé formado pela pesquisa, ensino e extensão. Então, sem apoio externo fica difícil as universidades trabalharem. A Ufersa tem anualmente colocado um pouco de recursos na pesquisa, especialmente nos primeiros projetos, pois somos uma universidade nova, com doutores novos, incentivando internamente que os doutores possam melhorar o currículo e buscar recursos fora através de editais, mas a não publicação de editais nos entristece.

Cortes x Criatividade

Até então não tivemos que fazer cortes de pessoal terceirizado. Nós temos trabalhado e estamos com a previsão da conclusão do ano letivo desde que sejam liberados 100% do orçamento. Acho que a criatividade e o aperto vai de cada universidade, cada uma tem uma história diferente para contar sobre isso. Felizmente, até então a Ufersa não teve esse problema com relação ao custeio esse ano, mas repito, desde que o orçamento seja 100% liberado.

João Carlos Salles Pires da Silva – Universidade Federal da Bahia (UFBA)

É um momento difícil porque não temos a liberdade de colocar recursos para suprir a deficiência das agências. Na medida do possível nós buscamos soluções criativas, por exemplo, a UFBA lançou um edital para professor visitante, um edital que contempla 70 professores visitantes para fortalecer a nossa pesquisa e a pós-graduação. Mas, essa é uma solução pequena pois não garante a manutenção dos laboratórios onde os pesquisadores vão estar trabalhando, não garante toda a cadeia de iniciação científica a doutorados em termos de bolsas e tudo aquilo mais que é necessário para uma pesquisa, que não é um gasto a mais, mas um investimento fundamental e definidor da natureza das universidades. Hoje nós estamos lutando para reestabelecer isso. Acho que a situação não está tão definida ainda, porque já vivemos situações de cortes em outros momentos e conseguimos reverter, mas o cenário não é alvissareiro, não mostra possibilidade de reversão e pode comprometer o próprio projeto de universidade pública de qualidade que realiza pesquisa como definidor.

Efeito danoso

Nós temos um contingenciamento de um valor significativo, e se isso não for recomposto boa parte das universidades não conseguiram honrar despesas depois de setembro, outubro. Isso, claro impacta o ano que vem decisivamente, começaremos 2018 já tentando pagar as despesas de 2017. Isso pode ter um efeito cascata muito danoso.

Não realizamos cortes. Por enquanto a UFBA, depois de um momento muito difícil, conseguiu enfrentar uma situação de grande instabilidade orçamentária e hoje vive uma situação de regularização orçamentária. Entretanto, se não for recomposto o orçamento integral nós teremos dificuldades sim.

Edna Ferreira

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