Pesquisa investigou documentos referentes ao Brasil, no período colonial, que constam do Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa/Portugal
“Temos uma imensa documentação fantástica vinculada ao Quilombo dos Palmares, ao tráfico negreiro. Em relação à questão indígena, temos inúmeros povos e grupos étnicos que souberam negociar com a Coroa Portuguesa, lideranças indígenas que souberam lutar em favor do seu próprio povo.” A afirmação é da professora Juciene Ricarte, da Universidade Federal e Campina Grande (UFCG) sobre o conteúdo dos Catálogos Gerais dos Manuscritos Avulsos e em Códices referentes à História Indígena e à Escravidão Negra no Brasil Existentes no Arquivo Histórico Ultramarino, recentemente lançados em Campina Grande (PB)
Durante quatro anos, o projeto analisou 136.506 mil verbetes/documentos entre os anos de 1581 e 1843 que constam do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), de Lisboa, em Portugal. Foram analisadas cartas relatórios, requerimentos, cartas régias, alvarás, provisões, consultas, relatos de viagens, entre outros documentos geridos pela burocracia administrativa portuguesa e que lidavam com as questões indígenas e da escravidão no Brasil Colonial. Segundo a coordenadora do projeto, os documentos falam do cotidiano da Colônia. “Tem situações e narrativas de luta em mocambos, mocambos com indígenas e negros, levantes em aldeamentos, da vida desses protagonistas”, explica.
Guerra dos Bárbaros
Ao final, o projeto catalogou 6.009 verbetes, sendo 3.052 sobre a História Indígena e 2.957 referentes à escravidão negra em todas as regiões do País. Professora do Programa de Pós-Graduação em História, Juciene garante que muitas monografias, dissertações, teses e livros poderão surgir a partir dessas duas coleções, que contêm ainda todos os documentos digitalizados. “Pesquisadores, antropólogos, historiadores, memorialistas poderão usar esses documentos porque tem mais do que os livros-catálogos com o resumo. Por exemplo, se a pessoa quiser pesquisar sobre os Potiguaras com os Janduis, na Guerra dos Bárbaros, procura no DVD e com o número do verbete, ela vai encontrar a imagem digitalizada do manuscrito. Então, ela pode imprimir, arquivar no próprio computador, ampliar, reduzir e ainda tem acessibilidade para cegos.”
Além da produção dos livros-catálogos, o projeto realizou a gravação dos verbetes em áudio para promover a acessibilidade aos deficientes visuais “Esse formato é extremamente necessário e importante para o que objetivamos de acessibilidade no tocante às fontes históricas. Nenhum outro sistema de informação no trato com documentação de questões étnicas foi produzido com a possibilidade não só da leitura de verbetes, mas da escuta dos resumos”, ressaltou.
Povos exterminados
Tendo concluído o Pós-Doutorado na Universidade Nova de Lisboa, em 2015, Juciene afirma que os pesquisadores encontraram histórias e memórias sobre o cotidiano de diversos grupos indígenas que nem existem mais. São lutas e resistências de muitos que deram a própria vida, etnocídios, povos que foram exterminados lutando por seus territórios tradicionais, outros se adaptando à nova realidade colonial para também sobreviver.
Ela explica que é no período colonial que ocorrem as primeiras relações interétnicas entre indígenas e não-indígenas, entre negros e não-negros, entre senhores e escravos e entre missionários e indígenas. São as primeiras relações do que iria constituir o povo brasileiro. A etnohistoriadora argumenta que a documentação recolhida mostra homens e mulheres que são sujeitos do seu tempo e que tanto indígenas, quanto os homens e mulheres negros conseguiram construir relações e sociabilidade num mundo que, muitas vezes, era de dominação. “Quando se constituiu os aldeamentos indígenas sob a tutela de missionários, da Igreja e depois, com a Lei do Marquês de Pombal, quando expulsaram os jesuítas, esses indígenas sabiam muito bem construir novos espaços nesse mundo colonial, mesmo deixando de falar a própria língua, porque eram obrigados, continuavam sendo indígenas, resistiam, lutavam e ao mesmo tempo, tentavam sobreviver naquela realidade que lhe era imposta. Assim também os homens e mulheres negros. A ideia de escravidão negra é que fossem submetidos. Absolutamente! Eles construíam negociações ou atos de violências numa tentativa de sobreviver num mundo de escravidão”, narra.
Nordeste
Relacionado ao que hoje compreende o nordeste, a coordenadora do projeto esclarece que foi catalogada importante documentação sobre grupos étnicos que já não existem mais no Rio Grande do Norte ou na Paraíba. São os indígenas do sertão, da chamada Guerra dos Bárbaros, além de outros grupos étnicos que viviam ao longo do Rio São Francisco, muitos mocambos e quilombos. Esses documentos podem inclusive ser usados em laudos antropológicos para identificação de territórios tradicionais tanto indígenas, quanto negros.
Justificando a importância do trabalho, a professora afirma que ele não fala apenas do passado, porque negros e indígenas continuam existindo hoje, lutando por inclusão étnico-racial. “Nos próprios livros didáticos de História, é como se a História Indígena e a História do Negro no Brasil não fosse importante e com um instrumento de pesquisa como esse, a gente muda a historiografia nacional, contribui para que esses protagonistas, reais sujeitos históricos do Brasil, tenham vez na escrita da História”, ressalta.
Os produtos culturais – compostos por livros-catálogos e DVD´s – foram realizados por uma equipe de 43 pesquisadores da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) em parceria com a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB), através do Edital Cultural da Petrobrás/2010. Os recursos foram de R$ 500 mil. A tiragem de cada Catálogo é de dois mil exemplares, a serem distribuídos para todas as universidades brasileiras, arquivos históricos, Movimento Negro e Movimento Indígena. A distribuição será gratuita e exclusivamente para instituições.
Como posso adquirir o catálogo.Meu interesse se dá
em razão de minha pesquisa no mestrado relações étnico-raciais no Cefet/Rio de Janeiro.
Agradecemos por seu interesse.
Entramos em contato com a autora e logo que ela nos responda, lhe passamos as informações.