Capacidade de ter ouvido absoluto depende da proficiência musical, diz pesquisa Pesquisa

segunda-feira, 13 fevereiro 2017

Pesquisadores do Instituto do Cérebro da UFRN avaliaram essa habilidade em estudantes de música utilizando testes psicofísicos presenciais

Algumas pessoas têm a capacidade de identificar e nomear o tom de um som sem qualquer referência musical, o que é conhecido popularmente como “ouvido absoluto”. Pesquisadores do Instituto do Cérebro (ICe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) avaliaram essa habilidade em estudantes de música e descobriram que a principal característica para o desenvolvimento da aptidão é a proficiência musical.

Publicada na revista Frontiers in Neuroscience, a pesquisa analisou pela primeira vez músicos brasileiros utilizando testes psicofísicos presenciais. Os estudos anteriores se basearam apenas em questionários de autorrelato, o que os torna suscetíveis a erros e opiniões, sendo incapazes de descrever as especificidades de quem tem ouvido absoluto.

A análise foi realizada com 200 alunos da Escola de Música da UFRN (EMUFRN), 55 do sexo feminino e 145 do sexo masculino. Com objetivo de verificar o efeito da proficiência musical sobre a prevalência do ouvido absoluto, um novo grupo com 30 músicos da orquestra da EMUFRN foi incluído no estudo, sendo quatro do sexo feminino e 26 do sexo masculino.

Todos os voluntários foram convidados a preencher um questionário informando idade, história da educação musical, hábitos de treinamento e instrumento que toca. As perguntas visaram investigar a contribuição da educação musical durante o período sensível de aprendizado da música. Em seguida, foi executado o teste de identificação de tom musical, quando um conjunto de estímulos de 36 sons de piano foi tocado de forma aleatória e repetido uma vez. Os participantes ouviam o estímulo e tinham de escrever o nome de cada nota o mais rápido possível.

O estudo partiu de três hipóteses para chegar aos resultados – de que a prevalência de ouvido absoluto estaria relacionada aos genes; de que a habilidade teria relação com o período sensível de desenvolvimento; ou de que estava ligada ao treinamento musical.

Segundo o professor do ICe, Claudio Queiroz, a pesquisa não realizou avaliação genética dos voluntários. “Entretanto, por meio de um questionário, investigamos o efeito da descendência familiar na expressão do ouvido absoluto e não encontramos qualquer efeito. Apesar de não podermos descartar o efeito genético, acreditamos que ele não seja determinante para a expressão da habilidade”, explica.

Quanto ao período sensível, que para o aprendizado musical costuma ir de 3 a 7 anos de idade, foi observado que quanto mais cedo o contato com a educação musical formal, melhor o desempenho na tarefa de nomeação tonal, corroborando estudos prévios. “Entretanto, no nosso trabalho, essa idade se mostrou mais avançada, para além do período sensível descrito na literatura para outros países, sugerindo que o período sensível pouco contribui”, esclarece o pesquisador Raphael Bender.

Finalmente, por eliminação, os resultados apontam que a principal característica para o desenvolvimento do ouvido absoluto é a proficiência musical, pois a proporção de indivíduos com essa aptidão é maior nos estudantes que participam da orquestra da escola de música em comparação com os demais estudantes. “É importante citar que a seleção dos estudantes para participar da orquestra é feita por meio de uma prova que considera diversos aspectos da proficiência musical, como por exemplo a execução, a leitura à primeira vista, a expressão, entre outros”, ressalta Bender.

Do ponto de vista populacional, outra conclusão é que o ouvido absoluto não é um fenômeno “tudo-nada” (isto é, ou você tem ou não tem), mas sim um contínuo, o que sugere a existência de distintos níveis de capacidade de nomeação tonal. Os pesquisadores consideram que essa ideia é pouco explorada na literatura e frequentemente limiares arbitrários são utilizados para classificar indivíduos. “Para resolver essa arbitrariedade, o trabalho empregou métodos estatísticos para determinar se a taxa de acerto de um indivíduo se situa acima do acaso”, diz o professor Claudio.

Mais estudos são necessários para desvendar se a proficiência musical leva ao ouvido absoluto ou o ouvido absoluto leva a uma maior proficiência, ou ambos os fenômenos são consequências de uma causa comum. Além disso, futuras análises são fundamentais para determinar se diferentes estratégias de rendimento de percepção de ouvido absoluto de fato existem.

Nessa perspectiva, os neurocientistas estão avaliando os padrões de ativação neural de estruturas do tronco encefálico – responsáveis pelo processamento da informação sonora em nível inconsciente – associados aos diferentes níveis da habilidade. Além de Claudio Queiroz e Raphael Bender, o estudo contou com a participação do pesquisador Sérgio Mota-Rolim.

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