Brasil avança na guerra contra a dengue Saúde

quinta-feira, 12 novembro 2015

Pesquisadores da UFRN participam de estudo multicêntrico que desenvolveu uma vacina contra a doença. Medicamento está pronto e deverá chegar ao mercado em 2016

O Brasil trava uma verdadeira guerra contra a dengue. Exércitos de agentes de saúde circulam pelas cidades combatendo o mosquito Aedes aegypti e a todo instante a população é bombardeada com informações de prevenção. Mas, uma nova arma está pronta para entrar em ação. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) participam de estudo multicêntrico que desenvolveu uma vacina contra a doença: a CYD 15. Com essa ferramenta, os especialistas acreditam que será possível atingir a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de reduzir a mortalidade por dengue em, pelo menos, 50% até 2020.  (Foto: Wikipedia)

A vacina foi produzida com a substituição dos genes do vírus atenuado da vacina da febre amarela. “A vacina está pronta, mas sua utilização pela população não depende de nós, pesquisadores. Depende sim dos governos. Participamos do estudo na fase três, que gerou inclusive uma publicação no New England Journal of Medicine com o nome da UFRN. E essa vacina se mostrou eficaz contra os 4 sorotipos da dengue”, explica o médico Infectologista e professor da UFRN, Kleber Luz.

De acordo com Luz, a vacina é promissora, principalmente na redução das formas graves da doença, que podem levar à morte. “Os estudos revelaram que essa vacina é capaz de impactar nos casos graves, ou seja, evitar que as pessoas desenvolvam as formas graves. A primeira parte do estudo, que durou três anos, já foi concluída. Nessa etapa acompanhamos 850 sujeitos, desse total parte foi vacinada e outra parte recebeu placebo. Uma segunda fase está sendo implementada agora”, informou. Ainda segundo o médico, nessa nova etapa, que deverá durar cerca de dois ou três anos, os voluntários serão acompanhados por um tempo maior, e será feita uma vigilância sobre os episódios febris.

Além de Natal/RN, o estudo envolve centros de pesquisa em Campo Grande (MS), Goiânia (GO), Fortaleza (CE) e Vitória (ES) e mais 10 centros na América Latina. Esse é um projeto patrocinado pela Sanofi Pasteur e ao todo, foram mais de 20 mil voluntários da Colômbia, México, Porto Rico, Honduras e Brasil. Segundo dados da empresa, as vacinas foram testadas em mais de 3,5 mil crianças saudáveis de 9 a 16 anos de idade entre 2011 e 2013.

As perspectivas são animadoras. A Sanofi Pasteur anunciou que os resultados globais da vacina contra a dengue conseguiu reduzir em 60,8% o total de casos da doença. Observações adicionais também mostraram uma redução de 80,3% no risco de hospitalização devido à dengue durante o estudo. Os dados detalhados da pesquisa serão publicados em uma revista científica e devem ser anunciados ainda em novembro deste ano, durante a reunião anual da Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene (ASTMH, em inglês), nos Estados Unidos.

Por aqui, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou no início de outubro a vacina recombinante da companhia farmacêutica francesa Sanofi para liberação comercial. Com isso a diretoria da empresa espera que a colocação no mercado das doses contra a doença ocorra já em 2016.

Do ponto de vista médico, o doutor Kleber Luz afirma, de forma veemente, que a solução para a dengue é a vacina. “Não há outra forma. O mosquito é resiliente, absolutamente adaptável as piores condições, se reproduz em qualquer coisa. Ele é uma bomba epidemiológica, pois muitos vírus se adaptam a ele e podem ser transmitidos. Obviamente, devemos controlar o mosquito, pois temos outras doenças além da dengue – chikungunya, zica, por exemplo. A curto prazo a população tem que ter consciência da importância do controle vetorial, o controle do mosquito. É chegada a hora de dar um basta ao mosquito”, alerta.

Vigilância virológica – conhecendo o inimigo

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que 100 milhões de pessoas por ano são atingidas por dengue. No ano passado, o Brasil registrou quase 1,5 milhão de casos, dos quais 6,5 mil apresentaram a forma mais grave da doença e 573 mortes. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o número de casos de dengue no Brasil aumentou em 70% em relação ao ano passado. De janeiro a agosto deste ano foram registradas 693 mortes e 1,4 milhão de pessoas infectadas.

No Rio Grande do Norte, o Programa Estadual de Controle da Dengue da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap) divulgou que de janeiro a outubro foram notificados 26.444 casos suspeitos de dengue, dos quais 5.405 foram confirmados. Em relação ao ano passado, no mesmo período, se observa um aumento de 116,33% no número de casos notificados.

Para conhecer melhor o vírus da dengue e ajudar a frear o avanço da doença no RN, desde 2009, o professor Josélio Araújo (o segundo, da esquerda para a direita na foto), do Laboratório de Virologia da UFRN, realiza uma verdadeira vigilância virológica. Ele é responsável pela linha de pesquisa intitulada “Biologia de Flavivirus e Desenvolvimento Tecnológico em Virologia” que estuda e monitora os vírus da dengue no estado. Doutor em Virologia pela Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, ele é também orientador dos Programas de Pós-Graduação em Biologia Parasitária e Sistemática e Evolução da UFRN.

O trabalho realizado em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde e com a Prefeitura de Natal investiga quais são os tipos de dengue mais prevalentes no estado e em Natal. Os dados resultantes servem de base para a montagem e organização de medidas de controle do vetor (mosquito) e medidas de controle da doença uma forma geral.

Parte das mostras de sangue coletada dos casos suspeitos de dengue no RN, que são atendidos pelas unidades de saúde dos vários municípios, são encaminhadas ao laboratório do professor Josélio. “Com essas amostras coletadas até o 5º dia de doença, ou seja, quando o paciente ainda está na fase febril, é possível investigar o vírus. Procedemos a vários testes moleculares de isolamento viral para detectar e tipar esses vírus. Então, além da detecção da presença ou ausência de vírus, nós tipamos também se é dengue 1, 2, 3 ou 4”, revela.

A pesquisa, que envolve municípios de todas as regiões do RN, apontou as áreas onde existe uma maior circulação viral. É o caso de Santa Cruz, a 122 km de Natal, onde foi detectado o primeiro caso de dengue tipo 4 do estado, em 2011. “Esperávamos que fosse Natal, por conta do grande fluxo de turistas, mas foi em Santa Cruz onde o forte é o turismo religioso, que encontramos primeiro o sorotipo 4. Publicamos um trabalho recentemente esse ano sobre esse ponto, mostrando isso a importância do turismo religioso e a evolução desses vírus no RN, de 2010 a 2012 e agora vamos continuar a partir de 2013. É um trabalho de vigilância virológica para dar suporte às ações de controle vetorial, por enquanto”, informa.

Segundo o professor Araújo, é realizado ainda o sequenciamento genético nos vírus identificamos. “Sequenciamos o genoma para comparar a genética do vírus que está circulando aqui [no RN] com o de outras regiões. Existem bancos de dados que permitem essa comparação, dessa forma conseguimos ver de onde o vírus veio. O que nós descobrimos foi que o dengue tipo 4 encontrado no estado veio do primeiro vírus detectado no Brasil, em Roraima, que circulou por todo país e chegou aqui. Conseguimos mapear o genoma e nesse caso detectamos que foi de um vírus que já circulava no país”, detalha o pesquisador.

Próxima etapa – vigilância entomológica e sensibilização

Depois de monitorar o vírus nos humanos, Araújo explica que ele e sua equipe iniciaram um projeto piloto de vigilância entomológica, que é no mosquito. “Nessa vigilância vamos primeiro detectar o vírus no mosquito, isso acontecendo acendemos o sinal de alerta para que os órgãos governamentais entrem com as medidas de controle do vetor, evitando que a epidemia se instale, seria uma ação mais preventiva e não curativa e de tratamento da doença”, informa.

A equipe do projeto atua em cinco bairros em Natal denominados sentinelas: Felipe Camarão, Alecrim, Nova Descoberta, Quintas e Potengi. “Esses bairros foram escolhidos por serem pontos de alta circulação viral e com muitos casos de dengue. A equipe de entomologia vai a campo e coleta vetores e já conseguimos identificar o vírus dengue 4 em larvas e no mosquito adulto, demonstrando que é possível fazer a vigilância no mosquito”, alerta Araújo.

O professor Araújo explica que junto com o trabalho de coleta, sua equipe também atua na sensibilização da população, pois ele acredita na importância da educação para um fortalecimento no combate ao mosquito. “Essa é uma questão chave para a dengue, porque se a população não estiver toda envolvida, enquanto nós não tivermos uma vacina sendo aplicada, essa ainda é a principal ação, a questão educativa”, avalia.

De acordo com ele, durante as visitas é aplicado um questionário para avaliar os conhecimentos das pessoas sobre a dengue. “Verificamos que as pessoas sabem tudo, mas quando pedimos para vistoriar o quintal da pessoa a gente vê que está tudo diferente, ou seja, ela tira dez na prova teórica, mas tira zero na prova prática. Nossas ações são de sensibilização, porque muitas pessoas tem a informação, mas não tem a atitude. Sabem que não podem ter água parada, mas não removem”, conclui Araújo. Ainda segundo ele, não é toda a população que não elimina os focos do mosquito, muitas famílias fazem o “dever de casa” eliminando os criadouros, mas se uma deixar de fazer, todo o bairro pode ficar comprometido.

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