Uma fábrica instalada no Campus Ipanguaçu do IFRN vai produzir blocos compactos a partir dos resíduos da produção de cera de carnaúba
Devido aos seus múltiplos usos, a carnaúba (Copernicia Prunífera) é conhecida também como “árvore da vida”. Dela se aproveita tudo: as raízes, o tronco e, principalmente as folhas. É das palhas secas que se extrai o pó utilizado na produção de cera de carnaúba, insumo largamente empregado nas indústrias química, eletrônica, cosmética, alimentícia e farmacêutica e que tem no Rio Grande do Norte o terceiro produtor, atrás apenas dos estados do Piauí e Ceará. Recentemente, estudos realizados pela Embrapa Solos e o Instituto Federal de Educação do Rio Grande do Norte (IFRN) acrescentaram mais um nobre à extensa lista de subprodutos da carnaúba, com o aproveitamento exatamente dos resíduos da produção cerífera: a produção de bioenergia.
Assim nasceu o Projeto Caatinga Viva, aprovado em primeiro lugar entre os 44 selecionados em todo o País no ano de 2010 pelo Programa Petrobras Ambiental (hoje Programa Petrobras Socioambiental). A fartura de água e de matéria-prima na região do Baixo Açu potiguar levou o pesquisador potiguar Sílvio Tavares, da Embrapa Solos do Rio de Janeiro, a propor um projeto que aproveitasse as vantagens comparativas da região para a produção de um biocombustível sólido de excelente qualidade como alternativa à lenha retirada da mata nativa de forma insustentável hoje no semiárido brasileiro e no potiguar em particular: os chamados briquetes, biocombustível sólido, produzido através da compactação de matéria-prima vegetal ou animal, também chamado de lenha artificial.
Por meio dele, o IFRN, a Embrapa Solos, a Associação Norte-Rio-Grandense de Engenheiros Agrônomos, a Cia. de Águas e Esgotos do RN (Caern) e a ONG Carnaúba Viva juntaram seus esforços e conhecimentos específicos para difundirem na região uma tecnologia que pudesse amenizar o impacto ambiental causado pela exploração madeireira e, ao mesmo tempo, viabilizasse o desenvolvimento da indústria de cerâmica vermelha.
“Trata-se de inverter a lógica preservacionista usual de apenas proibir o corte da mata nativa. Ora, temos um mercado local ansioso por outras opções de combustível, até porque está cada vez mais difícil conseguir lenha perto; dispomos de matéria-prima em quantidade considerável e temos condições de incorporar terras irrigáveis para a produção de outra biomassa complementar. Assim, através da produção de briquetes esperamos conseguir amenizar a pressão do homem sobre o meio ambiente, permitindo que ele se recomponha”, explicou o idealizador do projeto.
Por ser uma instituição de ensino e pesquisa, o IFRN foi à instituição escolhida para sediar a fábrica-escola de briquetes no Campus Ipanguaçu. “Trata-se de um projeto para estimular o protagonismo social e empresarial na região. Por isso, queremos que essa fábrica dê muito certo, que gere emprego e renda na região e, consequentemente, cumpra o objetivo do projeto, que é reduzir o desmatamento da mata nativa. Sabemos das dificuldades que isso implica, mas é papel de instituições como a nossa tentar superá-las e ajudar a mudar a realidade das regiões onde estamos instalados”, explicou o pró-reitor de Pesquisa e Inovação do IFRN, José Yvan Pereira Leite.
A produção potiguar de pó cerífico se concentra em oito municípios do Estado: Açu, Ipanguaçu, Carnaubais, Upanema, Apodi, Felipe Guerra, Mossoró e São Rafael. Os três primeiros pertencem à microrregião do Vale do Açu, que já ocupou lugar de destaque nacional na produção de cera de carnaúba até os anos 70. “Apesar da redução das exportações da cera ano após ano, a atividade ainda possui um relevante papel social na região do Baixo-Açu potiguar”, avalia a pesquisadora Marília Estevão Tavares, do IFRN.
Cadeia produtiva
Segundo Marilia, autora de um estudo sobre a economia do Baixo Açu potiguar, a produção de cera gera ocupação e renda para 15 mil famílias de pequenos agricultores durante o período de estiagem, justamente quando as atividades dos roçados diminuem. “Por isso, a ampliação da cadeia produtiva da árvore é importante para promover a preservação da árvores, cada vez menos presente na paisagem da região”, completa a pesquisadora, que estima em mais de 30 toneladas por ano a quantidade de palha que sobra depois da retirada do pó cerifico e que permanece jogada no solo, sem nenhum uso.
É também no Vale, mais exatamente na porção conhecida como Baixo-Açu que está localizado o segundo maior polo ceramista do Estado, responsável pela geração de cerca 1,5 mil empregos diretos e cerca de 6 mil indiretos na região, com uma produção anual de cerca de 320 milhões de peças (telhas, tijolos e blocos de vedação) e um consumo anual de lenha estimado 84 mil toneladas/ano.
De acordo com a pesquisadora, apenas as baganas de carnaúba não seriam suficientes para produzir biocombustível capaz de suprir toda a demanda das 32 cerâmicas locais. Seria necessário agregar outras biomassas plantadas para fins energéticos, aproveitando-se todo o potencial hídrico da região.
A fábrica
Batizada de BVA – Briquetes do Vale do Açu – a fábrica ocupa um terreno de 10 mil m², dentro do Campus Ipanguaçu do IFRN, mas com entrada independente, também pela RN 118. Todo o maquinário foi comprado com recursos do projeto e é composto por um fornalha, um secador rotativo, três moegas, um picador, além da briquetadeira. Todas as máquinas foram fabricadas pela Lippel, de Santa Catarina e custaram, há três anos, cerca de R$ 800 mil. Com a preparação terreno, eletrificação e a construção do galpão, os investimentos na instalação da biofábrica chegaram a R$ 1,1 milhão.
Além de produzir os briquetes, a fábrica também funcionará como um laboratório em escala real para os alunos do campus desenvolverem pesquisas sobre biocombustíveis sólidos a partir de outras matérias-primas. “Afábrica será importante como laboratório de estudos sobre diversas composições de briquetes que poderão ser empreendidos por alunos e professores do campus”, disse o diretor-geral do Campus Ipanguaçu, Evandro Firmino de Souza.
Briquetes
Os briquetes são um tipo de biocombustível sólido, produzido através da compactação de matéria-prima vegetal ou animal, também chamado de lenha artificial. Trata-se de uma opção à lenha advinda do extrativismo madeireiro e que vem sendo cada vez mais utilizada em fornos de padarias, pizzarias e a indústrias cerâmicas das regiões Sul e Sudeste do Brasil e que também começa a ganhar mercado no Nordeste.
Os estudos de viabilidade econômico-financeira realizados pelo IFRN durante o processo de construção da fábrica demonstram que a produção de briquetes utilizando os resíduos da produção de cera de carnaúba – as palhas e os talos das palmeiras que se acumulam no solo após a retirada do pó cerífero – pode ser economicamente viável e, consequentemente, atrair empreendedores que desejarem investir nesse segmento.
Dentre as vantagens competitivas que a região do Baixo-Açu apresenta para a produção desse tipo de biocombustível, destacam-se matéria-prima abundante de excelente qualidade, terras irrigáveis para plantação de espécies energéticas, como o capim-elefante, que também poderão ser utilizadas para fazer os briquetes e um mercado consumidor ávido por novas alternativas energéticas – as indústrias cerâmicas da região. Tudo isso, em um raio de 50 km, o que tornaria o produto bastante competitivo em termos de preço.
Conforme explicou o pesquisador Sílvio Tavares, da Embrapa Solos, a BVA não irá resolver sozinha o problema do uso da lenha da caatinga nos fornos de todas as cerâmicas do Baixo-Açu. “Ela terá capacidade para produzir 400 toneladas de briquete por mês, suficiente para ano máximo duas cerâmicas de médio porte, mas poderá mostrar para os empresários da região que é possível obter um combustível de excelente qualidade, preservando o meio ambiente”, explicou.
Em 2012, quando o estudo de viabilidade econômico-financeira da BVA foi elaborado, o consumo residencial e industrial de lenha e carvão vegetal nos nove municípios do Baixo-Açu beneficiados pelo Projeto Caatinga Viva foi estimado em 570.000 mil m³ ou 119.684,50 toneladas. Essa quantidade equivale à devastação de uma área de 3.799,5 hectares ou 5.427,86 campos de futebol oficiais.
“Esperamos que o briquete produzido aqui seja um vetor dedesenvolvimento, contribuindo para o aprimoramento dos processos produtivos das indústrias locais e para a preservação da caatinga”, enfatizou o reitor do IFRN, Belchior de Oliveira Rocha. Segundo ele, o próximo passo vai ser a formação de novas parcerias para viabilização do efetivo funcionamento da fábrica.
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